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Tempos modernos


O velho mundo novo


Por Alon Feuerwerker


Diz um corolário do alegado fim da História que o século 20 durou bem menos do que os 100 anos convencionais. Ele teria ido de 1914, quando estourou a Primeira Guerra Mundial, até 1989, quando o Muro de Berlim deixou de fazer sentido. Um século portanto amputado em um quarto de sua extensão. Não é pouca coisa.


Mas os fatos recentes levam a desconfiar de que, assim como o teorema, o corolário será logo atirado no rol dos equívocos. Semana passada, por exemplo, o presidente da República manifestou preocupação quanto à capacidade brasileira de defender militarmente nossas águas territoriais, agora valorizadas com a descoberta de que nadamos sobre um gigantesco colchão de petróleo e gás.


Tempos atrás, essa fala de Luiz Inácio Lula da Silva teria desencadeado uma onda furiosa de críticas, pelo seu suposto anacronismo. Os intelectuais da globalização, da dissolução das fronteiras nacionais, da governança planetária e do mercado protagonista abririam as costumeiras baterias contra o “atraso”. Seriam apoiados, criticamente, pelo cosmopolitismo progressista. Alguém faria a conta de quantas casas populares daria para construir com a verba que o governo teima em (não) gastar para a necessária modernização da Força Aérea Brasileira. Ou com o nunca concluído submarino movido a energia nuclear. Etc.


Tudo isso é passado. Agora, o noticiário vive ocupado por assuntos velhos. Estão aí o colapso do cassino financeiro, a grita por mais regulação estatal, as guerras separatistas e os atritos entre as potências por matérias-primas, energia e mercado. Eis de volta o velho e bom Estado, chamado a recolher forçadamente na sociedade o dinheiro destinado a eliminar a assimetria entre a riqueza real e a virtual, e assim salvar o sistema. E eis, como bem observou Lula, a arrogância imperial da superpotência, esforçando-se para mostrar que, da Ossétia à Bolívia, manda quem pode e obedece quem tiver juízo. Ou medo.


Suspeita-se que os funcionários europeus do Lehman Brothers receberão tratamento diferente do que será dado aos colegas americanos. E o multibilionário pacote de George W. Bush para salvar as instituições financeiras micadas nos EUA parece que fará distinção entre as firmas americanas, ou que têm grandes negócios nos EUA, e as demais. O contribuinte ianque não verá com bons olhos a mordida, se o objetivo do sacrifício for salvar a pele de gente que não carrega um passaporte americano. Ou um “CNPJ” americano.


O Estado americano está aí para defender os interesses dos EUA. Deveria ser assim com todos os demais Estados. Cada um por si. A ilusão acabou, e quem não dormiu no sleeping-bag nem sequer sonhou. O século 20 não apenas não morreu como está em plena forma, vivinho em folha na pele de seu irmão mais novo. A lamentar, apenas, o tempo e a energia que foram investidos inutilmente nos debates sobre o “neoliberalismo” e a “globalização”. Que a rigor nunca significaram nada. Ou, na melhor hipótese, nada acrescentaram às categorias clássicas do liberalismo e do imperialismo.


Por falar nisso, cadê a turma da “globalização igualitária”, “de face humana”? Alguém por acaso sabe dizer que fim levou o Fórum Social Mundial? Mas, felizmente, a vida segue. E, como a humanidade só se coloca em termos práticos os problemas para os quais existe solução à vista, o velho século 21 pode muito bem ser destrinchado com os instrumentos que tanto ajudaram a conduzir por 100 anos seu irmão maior. Estão aí à mão o capitalismo de Estado, o cultivo da capacidade militar, a defesa do mercado e das forças produtivas nacionais, a guerra e a dança da diplomacia.


As vantagens de cair na real são muitas. Nossos jovens, de consciência renovada, podem agora evitar pagar mico em aeroportos mundo afora, já que a livre circulação do trabalho nunca esteve na agenda da tal “globalização”. E, inspirado na preocupação de Lula com o controle do pré-sal, quem sabe se finalmente o Brasil tira as Forças Armadas do limbo e investe na sua capacidade de proteger nosso território e nosso projeto nacional. E imaginem como seria bacana se, de uma vez por todas, o Supremo Tribunal Federal pusesse um limite às iniciativas que a pretexto de proteger os índios nem os protegem e nem respeitam a integridade territorial inscrita na Constituição da República Federativa do Brasil.

O país dos desvios

De André Petry:

É alarmante a inclinação brasileira para o desvio, para o caminho que contorna o ponto principal, a rota que, no seu melhor trajeto, apenas tangencia o cerne da questão. Tome-se o caso da Agência de Vigilância Sanitária, que, de vez em quando, suspende a venda de um remédio ou cosmético sob a alegação de que falta "o registro". O público não é bobo, e intui que o produto faz mal à saúde, ou foi contrabandeado do Paraguai, ou provoca câncer. Sabe-se lá. O fato é que, em vez de ir ao que interessa, provando que o produto é ruim, paraguaio ou cancerígeno, coisa que dá trabalho, recorre-se ao desvio, suspendendo a comercialização por uma razão burocrática, coisa que não dá trabalho nenhum num país tão afeito à burocracia. É o país do desvio.

O problema é particularmente acentuado no âmbito da Justiça. Agora mesmo, o Conselho Nacional de Justiça baixou normas disciplinando as autorizações judiciais de escutas telefônicas, numa tentativa de acabar com a baderna. A intenção do CNJ é perfeita. O descontrole judicial sobre o grampo é a ante-sala do caos. Já levou ao caso dos dois réus que ficaram sob escuta telefônica durante dois anos, um mês e doze dias! Foi esse descontrole que permitiu que o governo Bush, logo após os atentados de 2001, espionasse telefonemas e computadores de cidadãos americanos com a colaboração secreta da gigante AT&T. Como a regra era o descontrole, a espionagem andou solta, numa flagrante violação de direitos constitucionais. Se a coisa chegou a esse ponto tenebroso na mais celebrada democracia do mundo, na pátria do "devido processo legal", é fácil imaginar aonde pode chegar aqui. Mas a Procuradoria-Geral da República recorreu à Justiça alegando que o CNJ, ao disciplinar as escutas telefônicas, age "além de sua competência constitucional". Talvez sim, talvez não. O Supremo Tribunal Federal é que vai decidir.

Mas a Procuradoria-Geral da República não nos informa se é contra o controle do grampo. Não nos informa se acredita no abuso, se teme que o CNJ se transforme num SNI jurídico, se defende a idéia de que os juízes tenham ampla liberdade para decidir como bem entenderem, se o caso faz mal à saúde, se veio do Paraguai ou se provoca câncer. Contorna o mérito. De novo, é o desvio. Claro que é preciso zelar pelo cumprimento da lei e suas formalidades, pelo devido processo legal. É óbvio que um órgão não pode afanar poderes alheios, mas é pedir demais um pouco de clareza? Qual é, afinal, a posição dessa gente? É preciso controlar as escutas, só que o meio de fazê-lo é outro, ou o melhor é continuar como está, tirando escuta do forno como se fosse pão quente?

No país do desvio, não se discute a liberdade acintosa de Pimenta Neves, assassino confesso de sua ex-namorada. Ou se a voz de prisão contra a segunda maior autoridade da Polícia Federal é fumo de justiça ou balcanização da polícia. Ou tantas outras coisas. É mais fácil explicar tudo dizendo que faltou preencher a segunda via do requerimento de acesso ao número do protocolo do pedido de registro do cartório de notas da vara da Justiça do.... Há muitas razões para o excesso brasileiro de burocracia. Evitar o mérito das coisas é uma delas.

Dia Mundial da Paz