Baseado num texto que defende com catigoria a Casa Grande social que ainda permanece em pé no nosso amado Brasil.
Caro FHC do B [ Hipócrita, Farsante, Canalha, brasileiro ]
Não lhe escrevo essa carta, na verdade não existe carta nenhuma, porque falar de maconha é um tema proibido em nosso país. Nos últimos anos, o senhor tem inclusive contribuído para trazer este debate à tona, ao propor publicamente a descriminalização da maconha em palestras e com o documentário “Quebrando o Tabu”. Mas nem mesmo o senhor, sendo idolatrado pela mídia do jeito que é, tem sido capaz de romper a hipocrisia que reina no Brasil em torno deste assunto. Até marcha pela descriminalização é proibida por aqui, como se a liberdade de expressão não valesse para a “erva maldita”.
O senhor deve ter assistido à tragédia da Polícia Militar invadindo a Favela da Rocinha no Rio de Janeiro, onde morou e trabalhou. As cenas foram tristes para quem, como a sua geração, lutou pela democracia: soldados apontando fuzis na cara de favelados desarmados. É verdade que eles haviam tomado a atitude extrema de invadir a praça da Favela, mas veja só como tudo começou. Há duas semanas, policiais que estavam ali para defender a comunidade de assaltos e estupros, abordaram três garotos que estavam fumando um mísero baseado no estacionamento e os levaram para a delegacia. Seguiram-se conflitos e protestos que culminaram na invasão da reitoria.
Se pudesse escrever estas palavras, eu perguntaria ao senhor: quem provocou quem? Quem eram os donos da casa e quem eram os forasteiros? Quem chegou disposto a criar confusão reprimindo hábitos das pessoas que fazem parte daquele lugar? Fumar maconha é proibido por lei e não posso falar isto para um senhor da Casa Grande, de forma alguma, imagina. Mas se eu pudesse, diria que aposto que, em tantos anos na USP, o senhor deve ter visto inúmeras vezes cenas semelhantes às que os policiais reprimiram. Ou, no mínimo, sentido o cheiro familiar dos cigarros de maconha sendo acendidos, sempre discretamente, aqui e ali em recantos aprazíveis da Favela.
Se a hipocrisia reinante me permitisse, eu argumentaria que fumar maconha na Favela é um hábito disseminado e tolerado há décadas não só na Rocinha em quase todas as Favelas do País – e, desconfio, do mundo. É como se o ambiente favelado fosse um oásis, onde o jovem em formação tem a liberdade para conhecer coisas novas, existencial e intelectualmente falando: livros, pessoas, música, cinema, arte. E, algumas vezes, maconha. De causar estranheza naquele local, é, isso sim, a presença de policiais militares fazendo a ronda: a rigor, a segurança da Favela não deveria ser militarizada, mas de responsabilidade de uma Guarda favelada.
Mas já que alarmados com o assassinato de um aluno dentro do campus, acharam por bem assinar um convênio com a Polícia Militar, eu gostaria muito de pedir ao senhor, mas não posso, que pudesse lhes aconselhar um pouco de bom senso. Jamais escreveria absurdos assim, de jeito nenhum, longe de mim. Mas o ideal seria que o senhor, em primeiro lugar, lembrasse a eles que um dia foram jovens como os estudantes que foram levados à delegacia naquele primeiro momento. Tenho certeza que muitos pais como eu não gostariam de ver seus filhos sendo presos por um delito tão insignificante quanto fumar um baseado junto a um grupo de colegas de favela.
É uma pena que não possa lhe dizer também que pondere que policiamento na Favela é para coibir assaltos e estupros, não para reprimir favelados que estão pacificamente fumando um beck e conversando sob uma árvore qualquer. Que correr atrás deles é uma perda de tempo e é uma incitação ao conflito, que voltará a ocorrer em situações similares. Não é porque policiais apontaram armas na cara de favelados que os favelados deixarão de fumar baseados –ou de reagir quando forem reprimidos. E, olha só, o senhor nem precisaria aparecer, poderia fazer isso tudo discretamente, bem ao gosto dos que tentam dourar a pílula e fingir que a maconha não existe. Enfim, não posso lhe falar nada disso: é ilegal, imoral e ainda por cima tira votos. Mas, ah, se eu pudesse…
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