Conseguir dinheiro emprestado, mundo afora, ficou bem mais difícil no período que se seguiu à explosão da crise financeira internacional, em 2008. Por medo de calote, os bancos dos países desenvolvidos passaram a emprestar menos e com juros mais altos. O ambiente inóspito para a maioria dos negócios representou uma bela oportunidade para um grupo de iniciativas inovadoras: os sites que promovem empréstimos entre pessoas pela internet. Esse tipo de crédito, que coloca indivíduos em contato e dispensa a intermediação de bancos, engatinhava desde 2005. Com a crise, disparou.
A empresa de consultoria Gartner calcula que o total de negociações do tipo passou dos US$ 650 milhões, com sites nos Estados Unidos, no Reino Unido, na Alemanha e na China. Em 2010, o Brasil vai entrar nessa conta, com a abertura do primeiro site local de empréstimos entre pessoas.
A iniciativa é do economista paulista Eldes Mattiuzzo. Ele conheceu o serviço em 2008, no site americano Prosper, um dos pioneiros no segmento. Foi um momento de inflexão para Mattiuzzo, que gostou do conceito e, em março de 2009, depois de 14 anos trabalhando no Unibanco, deixou o emprego para iniciar o negócio próprio. Usou a experiência dos seis anos em que trabalhou na área de crédito para criar o Fairplace, que está no Centro Incubador de Empresas Tecnológicas (Cietec) da USP e deverá ir ao ar nesta semana. O site tenta desbravar um mercado virgem, repleto de incertezas que vão das questões regulatórias até o nível de desconfiança do usuário brasileiro.
Sites como o Fairplace são uma espécie de híbrido de redes sociais, como Facebook e Orkut, e sites de leilão, como o Mercado Livre. Eles reúnem pessoas interessadas em tomar empréstimos com outras interessadas em emprestar dinheiro. Há dois motivos principais para que alguém decida oferecer dinheiro na internet. O primeiro é o lucro: um empréstimo de risco médio para outra pessoa dá retorno de cerca de 3% ao mês em juros – mais vantajoso que a poupança, o CDB e outros investimentos de renda fixa, que não chegam a 1% ao mês (todo investimento de renda fixa se baseia em empréstimo de dinheiro para o governo, para o banco ou para outras empresas). O segundo motivo para emprestar é mais filosófico. Em sites como o Fairplace, o investidor avalia os perfis de quem precisa de dinheiro e escolhe para qual finalidade prefere emprestar. Ele pode decidir ajudar um estudante a comprar livros ou um vendedor de sucos a comprar uma máquina nova.
Para tentar conseguir um empréstimo, o interessado deve escrever um perfil, informar quanto deseja, o motivo do pedido e a taxa de juros que se dispõe a pagar. Além disso, o site pesquisa seu histórico de crédito e dá a ele uma classificação, numa escala de bons ou maus pagadores – os melhores, de baixo risco de calote, deverão pagar cerca de 1,2% de juros ao mês, e os piores, de alto risco, cerca de 8%, mas isso estará aberto a negociação. O potencial emprestador lê os diversos pedidos de empréstimo e escolhe aqueles cujo motivo, remuneração e nível de risco lhe agradem. As duas partes podem negociar as condições antes de fechar o acordo, e ambas pagam um porcentual ao site pelo serviço (leia no quadro abaixo) .
O que definirá o acordo é a lei de oferta e procura. Quem pede um empréstimo mas tem um histórico de pagamentos ruim (de alto risco), ou oferece juros muito baixos, ou quer destinar o dinheiro a um motivo desinteressante provavelmente não conseguirá muitos lances em seu leilão. Do outro lado da mesa de negociação, quem quiser emprestar dinheiro exigindo juros altos demais, com risco baixíssimo e para fins muito específicos talvez não realize nenhum negócio, porque outros emprestarão em condições mais amigáveis.
No exterior, os sites já superam os primeiros dilemas e começam a se sofisticar. Alguns se propõem a gerar lucro para os emprestadores; outros, a facilitar empréstimos filantrópicos, com juros mínimos. Um próximo passo podem ser as transações móveis. “Pelo telefone, os emprestadores poderão fazer transferências diretamente para aqueles tomadores já conhecidos e confiáveis”, diz Matt Flannery, fundador do site americano Kiva.
O site brasileiro ainda precisa conquistar a confiança dos usuários em questões mais prosaicas, como a segurança. A promessa é de alta seletividade. “Quem não seria aprovado para um empréstimo bancário não conseguiria dinheiro no Fairplace”, afirma Mattiuzzo.
A avaliação de risco será terceirizada e feita pela empresa especializada Serasa Experian.
O site vai conferir se o mesmo computador fez mais de um cadastro no site e se o usuário se encontra onde afirma estar.
Os empréstimos poderão variar entre R$ 1.000 e R$ 10 mil. Segundo Mattiuzzo, o atrativo do site não será a facilidade de conseguir crédito, e sim as vantagens financeiras, com juros mais baixos ao tomador e retorno mais alto ao emprestador.