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'VELHA POLÍTICA' Quem ganha e quem perde com a 'escandalização' da delação premiada

por Helena Sthephanowitz

Faltando menos de um mês para a eleição, Aécio Neves (PSDB) parece tão desesperado quanto o próprio delator.

Há uma escandalização da delação premiada do ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto da Costa. Coberta de sigilo, com as gravações dos depoimentos criptografados, segundo o noticiário, nomes de políticos suspeitos – alguns são os suspeitos de sempre – estão nas páginas de uma revista, mas provas, que é bom, não foram mostradas.

Antes de mais nada, a delação é bem-vinda. Quem cometeu crimes que responda por eles. Mas precisa ter consistência. Até programas sensacionalistas de TV mostram exame de DNA quando há casos de "delação" de suposta paternidade.

O que não é bem-vindo é a escandalização forçada em matérias recheadas de adjetivos e suposições sem provas, sem o equivalente ao exame de DNA, ainda mais na véspera de irmos às urnas, o que ganha feições de golpes baixos de campanhas eleitorais sem escrúpulos.

Faltando menos de um mês para a eleição, Aécio Neves (PSDB) parece tão desesperado quanto o próprio delator, ao se lançar como beneficiário da escandalização. Isso porque no listão de políticos suspeitos montado pela revista Veja – sem nenhum documento, nem referência a fontes – não aparecem tucanos, por ora. O alvo da reportagem foi Dilma Rousseff (PT), por haver políticos da base governista, e Marina Silva (PSB), por incluir o nome do ex-companheiro de chapa, Eduardo Campos, entre os três governadores citados como envolvidos no suposto esquema.

Como Dilma é presidenta da República, o que ela deveria fazer? Exigir que a Polícia Federal (PF) investigue. Ué, mas isso já está sendo feito há muito tempo. Inclusive a delação acontece justamente nas dependências da PF, onde o delator foi preso há meses. Nesse contexto, Dilma tem como neutralizar o efeito político tentado contra sua candidatura, pois pode lembrar ao eleitor que as instituições de combate à corrupção em seu governo funcionam e existe um processo de depuração na política que nunca houve em governos anteriores. E é incomum haver em governos estaduais, fora da jurisdição federal. Talvez essa depuração seja a verdadeira "nova política", pelo menos em parte, pois outra parte depende de reforma constitucional no sistema político.

A candidatura de Marina sofre danos com essa escandalização porque vinha surfando no discurso da pureza na política e vê líderes de seu partido acusados de praticar tudo de ruim que ela chama em seu discurso de "velha política". Mesmo que Marina não apareça envolvida diretamente, o discurso da pureza é abatido pela convivência em um ambiente partidário contaminado.

Aécio Neves, que se lança como beneficiário da escandalização, pode se sair pior do que pensa. Campanhas de ataque, de demonização da política, atingem seus adversários mas atingem também seu próprio perfil e produz severas baixas entre seus próprios aliados, o que pode desagregar mais ainda sua campanha nos estados.

Apesar dos esforços da imprensa tradicional de pautar a campanha eleitoral com esta escandalização, é questionável se o efeito no eleitorado beneficia a oposição. Em vez de recolocar Aécio na disputa pelo segundo turno, pode apenas aumentar a rejeição a todos os candidatos, fazendo crescer o número de votos nulos, brancos e abstenções.

Dilma é quem tem menos a perder, pois já sofreu incontáveis desgastes, bombardeada com um noticiário sistematicamente adverso, e o piso de votos dela mostra-se resistente nos níveis que as pesquisas têm mostrado. Aécio pode estancar sua queda em um primeiro instante, mas deve voltar a cair em seguida, pois seu partido e sua candidatura não convencem como bastiões da ética e o eleitor não vota em quem só ataca adversários. Marina pode perder intenções de votos para nulos ou para a própria Dilma. Afinal se Marina tem problemas com seus aliados tanto quanto Dilma, as conquistas de prosperidade nos últimos anos e a campanha propositiva podem falar mais alto e definir o voto de muita gente.

Paradoxalmente, se Aécio e a imprensa que o apoia conseguirem emplacar a pauta da escandalização, o quadro eleitoral pode voltar a ser parecido com aquele que havia antes da morte de Eduardo Campos, com Aécio e Marina caindo nas intenções de votos, nulos crescendo, Dilma mantendo-se estável e com chances de superar a soma de votos dos adversários, o que a levaria à vitória em primeiro turno.

do Tijolaco: GOVERNO DILMA JÁ TINHA ABERTO INVESTIGAÇÃO SOBRE NEGÓCIOS PAULO ROBERTO COSTA – EDUARDO CAMPOS

Os nossos jornais, bons em escândalo e muito ruins em juntar pecinhas,  deixam de informar aos seus distintos leitores as razões de Paulo Roberto Costa, o autor da tal delação premiada, ter arrolado Eduardo Campos como sua testemunha de defesa e, depois, desistido de seu depoimento.

Que negócios, afinal, os uniam?

Quem quiser uma boa pista, procure saber da investigação, aberta há três meses – dia 9 de junho – pela Controladoria Geral da União sobre o uso da antecipação de recursos feita pela Petrobras ao Governo do Estado de Pernambuco, para que este fizesse as obras de modernização do Porto de Suape e do entorno da Refinaria Abreu e Lima, próxima a ele.

E por razões que vêm lá de longe e não se pode separar do "rompimento" entre Eduardo Campos e o Governo Federal.

Vou fazer uma rememoração de fatos, quem sabe haja algum "jornalista investigativo" ainda capaz de seguir as pistas.

Que, afinal, estão todas publicadas nos jornais, esperando apenas que alguém as reúna.

Em 2008, Eduardo Campos e Paulo Roberto Costa assinaram, com direito a ampla cobertura da mídia, um acordo pelo qual a Petrobras anteciparia ao Governo de Pernambuco, R$ 475 milhões para obras de ampliação e aprofundamento de Suape, como antecipação das tarifas portuárias  que teria de pagar pelo uso futuro de suas instalações.

Nada de errado nisso, faz parte do processo federativo delegar obras e prover recursos.

Só que isso colocava diretamente sob o controle do Governo estadual as licitações, contratações e pagamentos, cabendo à Petrobras, simplesmente, repassar recursos à media em que o projeto avançasse, no que, em administração pública, chamamos de "cronograma físico-financeiro".

Mas a coisa, em Pernambuco, não andou. E só em 2011, com a interveniência da Secretaria Especial de Portos do Governo Federal – comandada, aliás, pelo PSB – foi dada a ordem de serviço para o início das obras de dragagem, festejada pelos socialistas.

Elas foram licitadas  e contratadas com base apenas no projeto básico e tiveram um reajuste  de R$ 62 milhões no preço, de R$ 275 milhões para R$ 337 milhões.

Em maio de 2013, a obra de dragagem  – ganha pela holandesa Van Oord – foi interrompida por falta de pagamento.

A Secretaria de Portos da Presidência (SEP)  parou na metade o repasse de verbas, porque rejeitou as prestações de contas apresentadas pela administração do porto, ligada ao governo estadual.

Além disso, como narrou, na época, o Estadão, "a SEP diz que os custos de mobilização e desmobilização da obra em Suape são muito superiores aos praticados em 14 portos brasileiros. O valor orçado é quase o dobro do maior preço pago em outras unidades. Gestores do porto alegam que os equipamentos usados ali são diferenciados, o que eleva os preços.

O Governo Dilma não recuou diante das pressões de Campos pela liberação e é o próprio jornal paulista quem diz que o episódio Suape " foi causa de embate entre Dilma e Campos".

E o processo avançou para o inquérito aberto pela CGU, órgão diretamente subordinado à Presidência, com base naquele antigo documento, de 2008, " assinado pelo então diretor de Abastecimento da Petrobras, Paulo Roberto Costa, hoje preso no Paraná por conta de supostos desvios de recursos públicos empregados na refinaria de Abreu e Lima; o então governador de Pernambuco, Eduardo Campos, candidato do PSB à Presidência da República; e o presidente do Porto de Suape na época, Fernando Bezerra Coelho, ex-ministro de Integração Nacional no governo da presidente Dilma Rousseff, aliado de Campos e candidato ao Senado por Pernambuco".

Fernando Bezarra Coelho, aliás, tem irmão, cunhada e filho na lista do doleiro Albetyo Youseff.

Todas as informações elencadas aqui são públicas e publicadas antes do acidente fatal de Eduardo Campos, que podia se defender delas.

Restringem-se a fatos e processos administrativos e não contêm, como reclama Marina, qualquer "ilação".

Mas provam, de maneira inequívoca e factual como o Governo Dilma, há mais de um ano, investigava a regularidade dos negócios de Paulo Roberto Costa e, especificamente, aqueles em que teve entendimentos com o então governador de Pernambuco, Eduardo Campos.

Como a imprensa brasileira faz política eleitoral  e não jornalismo, ainda está avaliando se "deixa" que este quebra-cabeças seja montado aos olhos de seus leitores, aguardando para ver se "interessa" ou não aos seus planos políticos.

Mas, pessoalmente, acho que não dá para "segurar".

Em tempo: o amigo navegante há de se lembrar da batalha para aprovar a MP dos Portos, que o Anthony Garotinho, da tribuna da Câmara chamou de "MP dos Porcos" ou "MP do Tio Patinhas". Lembra que o Roberto Comunista Freire, o Dudu, e o Pauzinho do Dantas se uniram para impedir que a MP fosse aprovada ? A Dilma ganhou. E vai ganhar de novo… Ah…, entendeu, Bláblá, ou precisa desenhar ? Por falar nisso: quem é o dono do jatinho ?

O eleitorado da "Mudança" que aponta para o atraso

Os altos índices de Marina Silva nas pesquisas de intenção de voto parecem representar um eleitorado híbrido. A candidata teve 20 milhões de votos em 2010 e parece agora ter a perspectiva de aglutinar mais alguns milhões. Nesta multidão de marinistas estão, entre outros, jovens "modernos" descrentes dos mecanismos tradicionais de representação, ao lado de eleitores que refletem alguns dos traços mais atrasados de nossa cultura política. Aos primeiros, a candidata se diz capaz de implementar uma "nova política", organizada a partir de estruturas horizontalizadas e flexíveis, distintas do estilo dos políticos tradicionais, com seus partidos hierarquizados e burocratizados e seus comportamentos auto interessados e eleitoreiros.

Com esse discurso, o Marinismo seduz boa parte de uma juventude indignada, mas, no fundo, despolitizada.  São jovens que não se sabem arrastados pelo senso-comum udenista anticorrupção propalado diariamente pela velha mídia e, por isso, acham que Lula é como Sarney. Assim, enxergam na ex-ministra do Meio Ambiente do Lulismo uma alternativa renovadora e crítica à polarização PT/PSDB e uma possiblidade de combate ao "tudo que está aí" – essa abstração desinformada.

Desinteressada pelo universo da política institucional, essa fatia do eleitorado talvez não leve em consideração o fato de Marina não ter um partido ou coligação capaz lhe dar sustentação parlamentar para governar. Aqui, quando confrontada com perguntas sobre a realidade prática do funcionamento da relação entre Executivo e Legislativo, Marina se sai com divagações distantes da política real: afirma que governará com os melhores de cada partido e garante que não fará alianças com o fisiologismo.

O curioso é notar que essas abstrações marinistas, típicas de discursos de campanha, são compreendidas por esse eleitorado como uma forma nova de fazer política. No entanto, tal discurso não é novo. Trata-se de uma versão repaginada – com embalagem pós-moderna e ecológica – de características históricas do imaginário conservador nacional: a tendência à conciliação para evitar rupturas e transformações profundas, a aversão à admissão do conflito ideológico e a aposta num moralismo que esvazia a Política e afirma a possibilidade de um grande acordo social e moral, "acima" das disputas de poder no congresso e no cotidiano. Neste ponto, Marina se mostra eficiente ao recorrer a este imaginário, incorporando o legado tucano e petista ao seu discurso sobre a realidade brasileira: "FHC conquistou a estabilidade e Lula, a inclusão social. Agora é hora de ir adiante, levando em conta esses dois avanços", diz a candidata.

No entanto, apesar desta suposta equidistância de tucanos e petistas, parece claro que num eventual governo, a inclinação natural do Marinismo seria para o campo liberal-conservador, comandado atualmente pelo PSDB, presidido por Aécio – o candidato oficial da direita de quem os jovens eleitores de Marina tanto querem fugir. Tal inclinação é visível no programa de governo da candidata: menos intervenção do Estado na economia, institucionalização da independência do Banco Central, um tratamento do Pré-Sal mais simpático aos agentes privados e uma política econômica centrada mais na contenção da inflação do que na geração de emprego e renda. Aqui, cabe lembrar a presença de dois ex-tucanos e da proprietária de um dos maiores bancos privados do país na equipe econômica da candidata do PSB.

Por outro lado, ao mesmo tempo em que ativa esperanças nesta juventude pouco escolada na luta política tradicional e em questões econômicas, Marina conquista o também conservador eleitorado evangélico, com quem compartilha bandeiras regressivas no que se refere ao campo dos costumes: a manutenção da criminalização da maconha e do aborto, e a proibição do casamento homoafetivo.

O perverso de tudo isso é constatar como uma candidata com um projeto liberal na economia e conservador nos costumes pode ser vista por boa parte do eleitorado como alguém em quem se vota por "mudança" ou "protesto". Isso talvez aconteça porque, depois de 12 anos enfrentando um noticiário negativo calcado no moralismo anticorrupção, o projeto lulista apresente sinais de fadiga no que se refere à manutenção de um eleitorado cativo – apesar dos 34% de Dilma. Uma vez que a "nova classe C" naturaliza sua ascensão social, sem mais associá-la eleitoralmente ao governo petista, como em 2006 e 2010, começa a ganhar corpo um vago desejo de transformação, que curiosamente aponta para trás: é lá que está Marina Silva.

Autor:
Gabriel Gutierrez - cientista político e músico.

Paulo Nogueira: Carta aberta a Aécio Neves

Caro Aécio: qual é seu conceito de liberdade de expressão?

Pergunto isso porque fui surpreendido com uma notificação judicial sua. Soube depois que outros 65 internautas tiveram a mesma surpresa desagradável.

O DCM é acusado de ser um robô ou, o que não melhora muito a situação, "um grupo de pessoas remuneradas para veicular conteúdos ilícitos na internet."

Primeiro, e antes de tudo, isto configura calúnia.

Somos, como bem sabem nossos 2,5 milhões de leitores únicos por mês, um site de notícias e análises independente e apartidário. O apartidarismo e a independência inexpugnáveis explicam por que crescemos mais de 40 vezes em 18 meses de existência.

Jornalismo, quando se mistura a militância partidária, deixa de ser jornalismo. Essa convicção está na raiz do jornalismo do DCM.

Nossa causa maior é um "Brasil escandinavo", como gosto de dizer e repetir. Um país em que ninguém seja melhor ou pior que ninguém em razão de sua conta bancária.

É certo que, dentro dessa visão do mundo, entendo que o senhor representa um brutal atraso.

O PSDB, no qual votei várias vezes, lamentavelmente deu nos últimos anos uma guinada profunda rumo à direita e se transformou numa nova UDN.

Hoje, o PSDB simboliza um Brasil abjetamente iníquo. Os privilegiados estão todos a seu lado nestas eleições, e não por acaso.

Caro candidato: nunca vi o senhor, ou algum outro líder tucano, se insurgir contra o mal maior do Brasil – a desigualdade.

Nossos problemas com o senhor residem apenas no campo das ideias.

Não fabricamos fatos, não inventamos coisas que o constranjam, porque não é este o tipo de jornalismo que praticamos.

Mais que isso: não fazemos acusações levianas e irresponsáveis como as que o senhor fez contra nós.

Se condenamos coisas como o aeroporto de Cláudio é porque entendemos que elas são a negação do "Brasil escandinavo" pelo qual tanto nos batemos.

Não admiro sua postura com frequência, reconheço. No debate do SBT, quando um jornalista lhe perguntou sobre a visão de ética tucana depois de citar escândalos como o do Metrô de São Paulo e o Mensalão mineiro, o senhor disse que vivemos num estado de direito.

Ninguém é culpado antes que se apurem os fatos, o senhor afirmou. Perfeito.

Mas poucos dias depois, quando começou a circular uma lista de pessoas citadas por um ex-diretor da Petrobras, o senhor se apressou em fazer uma condenação ampla, geral e irrestrita.

"É um novo Mensalão", o senhor decretou. Estado de direito, portanto, é para o senhor e os seus amigos.

Para os demais, o opróbrio imediato, a humilhação instantânea.

Notemos também que o senhor prega a meritocracia ao mesmo tempo em que sua irmã ocupa um posto nobre no governo de Minas, pago pelo dinheiro do contribuinte.

Vários relatos contam a dificuldade de fazer jornalismo independente em Minas.

Isso ficou notavelmente claro para mim quando vi a sua notificação judicial contra nós.

Jornalismo bom para o senhor, aparentemente, é o jornalismo que o aplaude.

Fico pensando como seria complicado, para os jornalistas independentes, conviverem com o senhor na presidência.

Felizmente, é uma hipótese de chance virtualmente equivalente a zero.

Por ora, é só.

Provavelmente voltarei a escrever para o senhor assim que ficar mais clara sua ação judicial.

Grato pela atenção.

Paulo Nogueira, diretor editorial do DCM

O caso Petrobras

“O escândalo da Petrobrás – que nesse momento serve aos interesses de Aécio Neves – mostra a necessidade de uma Reforma Política urgente. PSDB, PT, PSB, PP, PMDB: todos parecem usar meios ilegítimos de financiar suas campanhas. Constituinte Já!

por Rodrigo Vianna




Moralismo seletivo: em 2006, já era assim
Primeiras impressões sobre o escândalo da Petrobrás: é ruim para a base aliada de Dilma (não necessariamente para a presidenta), mas é também desastroso para a imagem de Marina Silva. A ”nova” política é jogada na lama, ao lado de petistas, peemedebistas (e de tucanos e demos; mas estes serão poupados nas manchetes de Veja, Globo etc).

Eduardo Campos – ex-candidato do PSB, apontado como um “santo” da “nova” política – estaria na lista (aliás, que lista? Não apareceu um documento até agora). Fica claro que se trata de uma operação para trazer Aécio Neves de volta ao jogo da eleição.

Não se conhecem muitos detalhes da denúncia. O que se sabe: Paulo Roberto da Costa (ex-diretor da Petrobras nas gestões Lula e Dilma) teria fornecido - em depoimento “secreto”, que vazou de forma seletiva, e até agora sem provas - detalhes de um esquema criminoso de financiamento político. Delação premiada, arrancada a fórceps. Mais um escândalo de boca de urna.

Atenção: apure os ouvidos e abra bem os olhos, porque nos próximos dias “Veja” e “Globo” tentarão transformar um caso (que se for comprovado é grave, mas que estranhamente “vaza” a 30 dias da eleição) em ferramenta política a favor do PSDB.

Claro que não vou defender aqui ninguém, de partido nenhum, que tenha recebido propina. Nem quem se alie a doleiro e a esquemas criminosos – ainda que o faça em nome da “luta política”. Nada disso. Mas tenho o dever de lembrar: a “Veja” nunca fez (e jamais fará) capa a mostrar os esquemas de financiamento de campanha do PSDB (ainda mais a 30 dias da eleição): a Alstom, os trens em São Paulo, o Robson Marinho, os tucanos de Aécio (parceiros antigos do Mensalão do PSDB – que segue impune em Minas). Nada disso surge nas capas de revista ou nas manchetes do JN da Globo.

As listas da “Veja” (se é que são verdadeiras) indicam um (entre dezenas) de esquemas privados de financiamento de campanha. Por “coincidência”, a maior parte dos parlamentares e governadores citados agora pertence à base aliada do governo. Mas se recorremos à própria Veja, descobrimos que “Fornecedores da Petrobras sob suspeita financiaram campanha de 121 parlamentares em atividade”: nessa lista aqui há também tucanos, demos, gente do PPS e até o vice de Marina, Beto Albuquerque.

Na prática, o escândalo de boca de urna da “Veja” pode ser um segundo avião a desabar sobre a campanha presidencial.

Agora se entende porque Aécio vinha chamando Marina de “PT2″ nos últimos dias. E porque mervais e outros quetais pediam que “ainda” não se abandonasse Aécio (afinal, Marina “poderia ter problemas logo adiante”). Sabiam que a cavalaria Abril/Globo viria para salvar o exército tucano em frangalhos.

Aécio estava emparedado pela polarização Dilma/Marina, desde a queda do avião de Eduardo Campos. Começava a se consolidar um debate sobre dois projetos para o Brasil: PT/Lula/Dilma x Marina/PSB/Rede (com nacos do tucanato migrando para essa segunda turma). Nesse momento, a heróica e destemida “Veja” aparece para colocar Aécio de novo no páreo. E tenta trazer de volta a pauta da escandalização (sem provas, por enquanto).

De novo, repito: isso não quer dizer que as gravíssimas denúncias não devam ser investigadas. Mas é evidente que, como acontece desde 2006, a “Veja” vai jogar em tabelinha com a “Globo”. Aguardem 10 minutos diários de “repercussão” do caso no JN: hoje, segunda, terça… e até o dia 5.

A Dilma agora vai-se arrepender de ter ido preparar omeletes com Ana Maria Braga. Ah, a falta de apetite petista para o confronto. Ah, que saudades de Brizola…

Em 2006, eu trabalhava na Globo (era repórter especial), e vi de perto o moralismo seletivo praticado pela emissora. Ao lado de outros colegas jornalistas, me insurgi internamente quando a Globo (a duas semanas do primeiro turno) botou todo seu peso na investigação dos “aloprados petistas” (claro, deviam ser investigados), mas recusou-se a investigar as denúncias contra Serra contidas no dossiê de um lobista chamado Vedoim.

Quando saí da emissora, poucos meses depois, publiquei uma carta em que contava detalhes do episódio. E questionava a direção de Jornalismo, sob comando de Ali Kamel.

A CartaCapital também publicou uma capa mostrando como a Globo manipulou o noticiário às vésperas do primeiro turno em 2006… Vale a pena ler – aqui.

Em 2014, mais uma vez, a turma do moralismo seletivo não está preocupada com o Brasil. O moralismo de ocasião é só uma ferramenta daqueles setores desesperados com uma eleição que transformava PSDB/Globo/Veja em coadjuvantes absolutos.

Mas o escândalo mostra também a necessidade de uma Reforma Política urgente. PSDB, PT, PSB, PMDB: todos (ou pelo menos partes importantes dos principais partidos) parecem usar meios ilegítimos de financiar suas candidaturas. Muitas vezes, o poder econômico banca as campanhas e se transforma em dono dos mandatos.

Mais um argumento para se defender a necessidade de uma Reforma Politica para proibir doações privadas em campanhas.

Constituinte já!

É preciso proibir as doações de empresas a campanhas (como pede a OAB, em ação bloqueada no STF, por um pedido de vistas de Gilmar Mendes - sempre ele).

Abaixo o moralismo seletivo de Veja/Globo e dos tucanos!

Investiguemos todos os escândalos, inclusive os que atingem amigos da velha mídia: Serra/PSDB de São Paulo, Aécio/PSDB de Minas (o aeroporto de Cláudio é fichinha perto do que há por lá), Marina/PSB/Rede.

E que o PT explique como quer “reformar” o Brasil pedindo dinheiro (legal ou ilegalmente) de gente que quer qualquer coisa, menos reformas no Brasil…


Veja para iniciantes

A pirotecnia manjada da revista da marginal é sempre a mesma

por Leandro Fortes, no Facebook




Dei-me ao trabalho de macular minha manhã de domingo e ler a matéria da Veja sobre a tal delação premiada de Paulo Roberto da Costa, ex-diretor da Petrobras.

Como era de se esperar, o texto não tem nem uma mísera prova e está jogado naquele apagão de fontes que, desde 2003, caracteriza o jornalismo denunciativo de boa parte da mídia nacional.

A matéria elenca números e nomes sem que nenhum documento seja apresentado ao leitor, de forma a dar ao infeliz assinante uma mínima chance de acreditar naquilo que está escrito. Nada. Nem uma fotocópia do cabeçalho do inquérito da Polícia Federal.

O autor do texto, então, deve ter lançado mão de duas opções, ambas temerárias no ofício do jornalismo:

1) Teve a orelha emprenhada por uma fonte da PF – agente ou delegado – e decidiu publicar a matéria mesmo sem ter nenhuma prova de nada. Dada as circunstâncias da Veja e a maneira como seus repórteres ascendem dentro da revista, esse tipo de irresponsabilidade tanto é admirado quanto estimulado;

2) Inventou tudo, baseado em deduções, informações fragmentadas, desejos, ilusões e ordens do patrão.

No texto, uma longa e entediante sucessão de clichês morais, descobre-se lá pelas tantas que os depoimentos estão sendo gravados em vídeo e criptografados, para, assim, se evitar vazamentos.

Logo, é bem capaz que Veja, outra vez, faça esse tipo de denúncia sem que precise – nem se sinta pressionada a – jamais provar o que publicou. Exatamente como o grampo sem áudio entre o ministro Gilmar Mendes e o ex-mosqueteiro da ética Demóstenes Torres.

Novamente, o Frankstein jornalístico montado pela Veja visa, única e exclusivamente, atingir o PT às vésperas das eleições, a tal “bala de prata” que, desde as eleições de 2002, acaba sempre saindo pela culatra da velha e rabugenta mídia brasileira.

O esqueminha de repercussão, aliás, continua o mesmo: sai na Veja, escorre para o Jornal Nacional e segue pela rede de esgoto dos jornalões diretamente para as penas alugadas de uma triste tropa de colunistas.

Embrulhado o pacote, os suspeitos de sempre da oposição se revezam em manifestações indignadas e em pedidos de CPI.

Uma ópera bufa que se repete como um disco arranhado.

Mas é o que restou à combalida Editora Abril, depois que a candidatura de Aécio Neves morreu junto com Eduardo Campos naquele trágico desastre de avião.


A mancha, por Pedro Porfírio




Vamos e venhamos: quando um político indica alguém para uma diretoria da Petrobrás ou qualquer estatal, ou qualquer órgão operacional da administração, boa coisa não está querendo. Não lhe inspira prestar qualquer serviço ao país ou mesmo contemplar um aliado sem segundas intenções. Isso é muito claro. Disso sabiam e sabem todos, por que todos assimilam essas situações nos mais diferentes níveis de governo e nas várias épocas de nossa historia política.

Esse tipo de concessão nos governos do PT, como antes nos governos do PSDB (quando o PMDB era o maior partido da base aliada de FHC) sempre serviu para transformar empresas públicas robustas (o orçamento da Petrobras e maior do que do Estado de São Paulo) em irresponsáveis moedas de troca. Mais dia, menos dia, a casa ia cair, por que a corrida ao ouro público se fazia sem nenhuma reserva.

Esse novo escândalo só é suspeito pela sua divulgação direcionada com a finalidade de influir no processo eleitoral. Por que todo mundo estava careca de saber do uso delituoso das indicações promovidas por políticos notoriamente desonestos, cujas práticas são do conhecimento de todos.

Mas entre os políticos de todos os partidos há um ambiente inercial de cumplicidade compensatória. Uns fazem vistas grossas para os outros e só rompem com esse comportamento quando a disputa eleitoral os libera para jogar pesado, quando há necessidade vital de explorar os podres dos adversários cujos mal feitos foram expostos em operações fora de suas agendas e ganharam o conhecimento geral.

Não sei até que ponto o envolvimento de políticos aliados pode afetar a presidenta Dilma, diante da exploração inevitável dos seus adversários, que controlam a quase totalidade da mídia. Não sei também como os eleitores passionais de Marina, mais voláteis, receberão a notícia envolvendo o falecido Eduardo Campos.

Em geral, seguindo uma antiga tradição, a maior parte do eleitorado prioriza outras referências para destinar o seu voto.

Se os eleitores dessem tanta bola para mal feitos que atingem candidatos por tabela, até mesmo quando estes são pegos com a mão na massa, o eleitorado de Brasília, com características bem cosmopolitas, não estaria preferindo o ex-governador José Roberto Arruda, que está léguas à frente dos concorrentes em todas as pesquisas. Não faz muito, ele foi preso por seu envolvimento filmado no chamado Mensalão do DEM. E agora, se não for barrado pela Justiça Eleitoral já pode encomendar o terno de sua posse.

Curiosamente, esse mesmo eleitorado põe na dianteira para o Senado, também com uma boa folga, o deputado Reguffe, cuja imagem é a da anticorrupção de da recusa das mordomias.

A sabedoria popular é instigante em outras situações. O candidato é sufragado para que outro não entre, segundo a máxima DOS MALES O MENOR. Frente aos entreguistas e assalariados de banqueiros, alguém que parece menos comprometido com o retrocesso e a corrupção internacional acaba ganhando o voto útil dos eleitores que precisam de mudanças para frente e não para trás.


Estamos na era do aprimoramento pessoal. “Como” e “melhorar” são os novos mantras: como melhorar a alimentação, como melhorar o trabalho, como melhorar o relacionamento…

Quando aparece a palavra “rim”, é porque o rim não está funcionando bem. Quando se fala muito em paz, é porque não há paz. Se cada vez mais ouvimos sobre desenvolvimento humano, felicidade e transformação, talvez seja por que nunca estivemos tão confusos em relação ao que isso realmente significa.

Ao mesmo tempo em que quase tudo é vendido como transformador, cada vez menos voltamos às perguntas mais básicas: “O que é transformação? Como a gente se transforma?”




Quase não conversamos sobre como a gente se transforma
Quanto mais intensa a experiência (“espiritual”, “transcendental”, “humana”… não importa como a chamamos), menos nos dispomos a descrever internamente como e por que aquilo é realmente transformador – mesmo quando passamos horas detalhando como tudo acontece fora. E menos os outros trucam. Não é raro o diálogo se restringir a uma só fala: “Você precisa conhecer essa comunidade, o trabalho deles é muito profundo!” ou “Renasci depois desse workshop! Foram muitos aprendizados, insights, fichas caindo!”.

Se as falas se estendem, grandes chances de cairmos em algo como “Percebi que tudo é um!”, o que cria uma grande neblina: “Então o que eu preciso fazer para me transformar? Apenas perceber que tudo é um? Ler um livro de física quântica para trocar de paradigma? Como exatamente isso vai reduzir ciúme e ansiedade, por exemplo?”

A falta de diálogo e de linguagem precisa acaba nos deixando sozinhos em meio aos desafios do florescimento humano. Quanto mais becos obscuros, mais facilmente somos enganados por charlatões, por falsos professores, por empresários que se posicionam como gurus, por cientistas com premissas ocultas, por nós mesmos em epifanias e até pela indústria de psicofármacos.

Para iluminar os subterrâneos da transformação humana precisamos voltar para as perguntas mais óbvias. O que é transformação? O que exatamente se altera em nossa mente, nosso corpo, nas relações, no trabalho, na vida cotidiana? Há sinais de avanço, claros e comuns, não importa qual seja nosso caminho? Como podemos descrever e conversar sobre isso com mais clareza?

O limite das mudanças de vida
Para começar o papo, penso ser útil levantar uma confusão muito comum entre dois processos que tenho nomeado — apenas para estabelecer uma linguagem consensual — de mudança e transformação. O problema não se dá no âmbito das palavras: porque chamamos tudo da mesma coisa, perdemos de vista o processo mais profundo (tanto é que nos falta uma boa palavra!).

Quando se fala em transformação na maioria dos casos o que se oferece é apenas mais um tipo de mudança: de estilo de vida, de hábito, de crença, de “paradigma”, de trabalho, de cultura, de visão de mundo, de moradia, de relação, de propósito, de comportamento, de fascinação estética…

Mudamos de relação sem transformar a carência. Mudamos de método de produtividade sem transformar a distração. Mudamos de escritório sem transformar a competição. Mudamos de ansiolítico sem transformar a ansiedade. Mudamos de projeto incrível sem transformar a visão estreita. Mudamos de objetos sem transformar o apego. Mudamos de filosofia sem transformar a ignorância. Mudamos de estratégia sem transformar o medo. Mudamos de casa sem transformar a insatisfação.

Aproxime-se de uma pessoa que já alterou bastante seus hábitos e crenças, que foi de “Você cria sua realidade” a la The Secret para uma visão neodarwinista, do sedentarismo aos esportes radicais, e pergunte o que exatamente ela fez para superar o autocentramento, o ciúme, a dependência emocional… Sem precisar filosofar, apenas observando, descobrimos que é muito possível trocar de hábitos e crenças sem nem fazer cócegas em estruturas profundas de aprisionamento cognitivo e emocional. É possível mudar e melhorar sem se transformar.

Em uma conversa com Luciano Ribeiro, editor do PapodeHomem, ele me disse:

“Organizar e melhorar tudo na vida não significa que você está transformando as coisas. Você pode estar com as contas em dia, um relacionamento gostoso, dinheiro rendendo, corpo saudável, um trabalho dos sonhos… e isso ser apenas uma bomba relógio pois a qualquer momento uma grande aflição pode aparecer internamente ou uma tragédia pode aparecer externamente, e você desabar por falta de equilíbrio e sabedoria ao lidar com as experiências.”

Podemos casar com diversas pessoas e ir carregando junto o mesmo e velho ciúme para as próximas relações. Podemos implementar ações positivas por esforço sem nunca cultivar as qualidades que as tornariam naturais, livres e espontâneas. Portanto, assim como é melhor focar em superar o ciúme em vez de ficar escolhendo o próximo parceiro, é melhor focar em transcender qualquer tipo de crença e hábito em vez de ficar escolhendo as próximas crenças e hábitos.

Experimente agora lembrar de seu passado. Quantas vezes você já mudou? E o que você inevitavelmente carregou a cada novo nascimento? Um exemplo daquilo que carregamos junto a cada mudança: a mesma mente reativa, cada vez fascinada por uma nova história.

Mudamos, aprimoramos, melhoramos, rebuscamos, turbinamos, remediamos, resolvemos, ajustamos, lapidamos, aperfeiçoamos nossa pose, nossa esperança, nosso controle, mas não chegamos no ponto de não mais posar, não mais esperar, não mais controlar. E assim por diante.

As mudanças internas são as que mais se passam por transformação. Antes a pessoa se fixava em uma teoria sobre o que é a vida, agora ela mudou: está fixada em uma teoria mais sofisticada. E o mecanismo da fixação segue intocado…

A gente começa a se transformar justamente quando olha mais de perto para tais mudanças. Liberdade é se condicionar em um novo hábito ou não mais agir por condicionamento? Sabedoria é uma nova crença, uma visão incrível ou é compreender como um referencial se implanta e monta toda uma realidade sólida? Equilíbrio vem de controlar com mais esperteza ou de soltar o controle?

Não é fácil detectar o limite do processo de mudança em uma cultura que promove tantas soluções desse tipo. O site do TED é uma boa amostra desse zeitgeist atual. As palestras, se vistas em conjunto, parecem comunicar uma mensagem assim: “Você quer se transformar? Basta saber disso, estudar aquela pesquisa, ler tal livro, não esquecer daquilo, começar a dormir mais, usar esse novo modelo de pensamento, se exercitar assim, comer isso, fazer tal coisa, implementar tal hábito…”

Mudar de vida é diferente de transformar a vida
O processo da mudança funciona como uma constante busca por novas experiências. Quando alguém diz “Mudei” na maioria das vezes quer dizer: “Troquei de experiência”. O processo de transformação trabalha com toda e qualquer experiência, com cada vez menos necessidade de buscar por novas experiências ou de alterá-las externamente.

Quando eu me proponho a mudar, eu preciso de novas experiências. Quando eu me proponho a transformar, eu preciso apenas lidar com as experiências existentes. É por isso que se diz que os processos de transformação são sutis ou internos: eles dizem respeito ao nosso posicionamento, ao que podemos fazer em absolutamente qualquer situação, independente do que aconteça ao redor. Se você pegar as práticas que envolvem cultivo da atenção, equilíbrio emocional, sabedoria, empatia ou compaixão, nada disso exige uma mudança externa, ainda que possa eventualmente causá-la.

Em geral, trabalhos que focam em mudança acabam sugerindo manipulação de experiências. “Agora que você viu que a felicidade é trabalhar de seu notebook cada mês em uma cidade da Europa, peça demissão!”. Já as abordagens focadas em transformação sugerem um outro começo: “Não mexa em nada. Não peça demissão, não acabe o namoro, não raspe a cabeça… Apenas introduza mais ética, equilíbrio, sabedoria e compaixão, silenciosamente, a cada momento. E para fazer isso seria bom você parar de vez em quando para cultivar, treinar isso por dentro. Com o tempo, a partir desse maior espaço de liberdade, ficará mais fácil andar em alguma direção.”

As mudanças (mesmo as consideradas profundas) operam no âmbito dos conteúdos internos e das aparências externas. Mudar é trocar um condicionamento por outro — às vezes melhor, às vezes pior, mas condicionamento igual. A transformação acontece em outro âmbito: me dou conta que tudo que encontro é coemergente com meu olhar, então começo a trabalhar diretamente em meus olhos.

Um exemplo é a pessoa que percebe que não há culpados para seu ciúme (nenhuma pessoa, nenhuma situação), então ela desiste das mudanças de comportamentos, das estratégias todas, e começa a focar seu tempo em olhar para a operação interna do ciúme. Em vez de olhar para fora com o ciúme atrás dos olhos, tingindo a realidade, ela começa a olhar o ciúme de frente.

Quem propõe mudança vai nos ensinar a virar alguém, sustentar algum tipo de construção, tensionar. Quem propõe transformação vai nos ensinar a parar, relaxar, repousar, reconhecer quem somos e onde estamos, desistir da necessidade de ser alguém, olhar profundamente para nossa condição atual. (Claro, e vai nos ajudar em alguma mudança apenas na medida em que isso seja preciso para começarmos ou avançarmos no outro processo, de transformação.)

Como isso não está nada claro, pessoas que mudaram de vida são reverenciadas como se tivessem descoberto um grande segredo. Pessoas bem-sucedidas, que conseguiram grandes mudanças, são tomadas como referenciais de transformação. Pessoas cheias de ideias legais são tomadas como referenciais de sabedoria. Pessoas que se equilibram em condições externas e crenças otimistas estão ensinando outras a atingir o mesmo equilíbrio. Como? Não oferecendo sua liberdade, mas compartilhando seus condicionamentos: “Acredite nisso, construa-se de tal jeito, vença tal jogo, monte isso ao redor e, pronto, você será bem-sucedido igual eu!”

Um parêntese
Boas mudanças podem favorecer a transformação, mas elas em si mesmo não transformam. Habitualmente costumamos entender as mudanças como suficientes ou como a única opção para quem deseja transformação. Mudanças (como essa de linguagem que estou propondo) não são o problema. Mudanças são muito úteis. O problema é quando uma mudança se passa por transformação, quando achamos que ela é algo maior. É como se eu falasse: “Apenas comece a falar assim e pronto, seus problemas estarão resolvidos!” Parece um exemplo bobo, mas é exatamente assim: quando esse discurso surge com alguma sofisticação, caímos.

Em um processo de transformação, algumas mudanças de vida acontecerão como apoio logístico — por exemplo, você precisará organizar seu trabalho para passar alguns dias em retiro, se familiarizando e investigando como a gente se transforma. E alguns frutos da transformação poderão também causar mudanças, mas isso não significa elas são a causa, o motor, muito menos o objetivo da transformação. São efeitos colaterais.

Produzir mudanças positivas é melhor do que não mudar ou mudar negativamente. Bons hábitos são melhores do que maus hábitos, cultura de paz é melhor do que violência, sonhos benéficos são melhores do que pesadelos. No entanto, em paralelo, melhor ainda se começarmos a acordar. Nosso problema é que conversamos e praticamos quase que exclusivamente os mais variados tipos de mudança, ignorando esse outro processo que aqui estou chamando de transformação.

Mudar é fácil, transformar não é
Um dos piores sintomas da confusão entre mudança e transformação é o discurso de que esse trabalho é algo simples. E tanta gente acredita! É uma tristeza: a pessoa passa décadas se dedicando a diversas mudanças e chega confusa ao fim da vida, sem quase nenhuma transformação. Mudar é ótimo. Mas apenas mudar é limitante, principalmente com aquilo que precisa ser liberado, superado, atravessado, iluminado, transcendido, não apenas remendado.

Praticantes contemplativos dedicam 30, 40, 50 anos de investigação da mente em primeira pessoa para cultivar equilíbrio, sabedoria e compaixão com métodos poderosos sob orientação de professores qualificados dentro de linhagens autênticas que se desdobram há muitos séculos. Mas aí a pessoa chega falando que está “tentando ser menos ciumenta” ou que antes ela era apegada ou impaciente, mas que conseguiu mudar isso do nada.

A humanidade inteira se esforça, todo santo dia, para construir um mundo que dê espaço para o florescimento do potencial de cada ser, uma cultura baseada em uma visão clara sobre as verdadeiras causas da felicidade genuína, uma cultura bem diferente da atual. Mas aí a pessoa chega e diz que o mundo já oferece mil oportunidades e é você que está bobeando, que basta escolher sua vida e ser feliz num estalar de dedos, apenas mudando alguns hábitos e crenças pessoais.

O trabalho da transformação é longo, diário, paciente e muitas vezes sujo. Sem oba-oba, sem fogos de artifício. Trabalho para a vida inteira. E isso não é uma fala bonita ou poética, é verdade: precisamos saber como começá-lo, experimentar, nos apropriar dos métodos e conversar mais sobre como ele acontece.

Caso contrário, vamos apenas mudar de vida, de novo e de novo e mais uma vez, apenas atualizando o software da confusão, enfeitando a mente reativa, aprimorando nosso autocentramento sob diferentes narrativas, lustrando nosso ciúme com romantismo, melhorando e pirando cada vez em uma nova história, uma nova dieta revolucionária, um novo hobbie, um novo look, um novo propósito, uma nova prática espiritual, um novo exercício físico, um novo método de produtividade, um novo insight genial, mais um projeto incrível de crowdfunding…

Mudar no máximo nos levará a uma versão melhorada de nós mesmos.

GUSTAVO GITTI
Professor de TaKeTiNa, autor do Não2Não1, colunista da revista Vida Simples e coordenador do lugar. Interessado na transformação pelo ritmo e pelo silêncio. No Twitter, no Instagram e no Facebook. Seu site: www.gustavogitti.com