No sábado (próximo passado), o ministro da Justiça, Sergio Moro foi chamado ao Palácio Alvorada para uma reunião com o presidente Jair Bolsonaro e três colegas de ministério para decidir o que fariam com Cesare Battisti, que havia sido preso na Bolívia e a Polícia Federal havia mandado um avião para traze-lo de volta. Dias antes Moro tinha oficiado à Casa-Civil para que exonerasse a diretora de Proteção Territorial da Funai, a servidora Azelene Inácio. O ministro vivia suas primeiras experiências no mundo da fantasia do poder.
Um vídeo em que uma senhora septuagenária profere insultos copiosos ao comunobolivarianismo do PT me remeteu a um assunto sobre o qual eu queria falar já faz alguns dias.
O tema é o ódio político.
Num artigo, Elio Gaspari disse que o PT não tinha moral para falar em ódio. Elio estava respondendo a Lula, que dissera que o PT, nestas eleições, levaria a esperança a vencer o ódio.
O ponto de Elio é que o PT tem, ele também, um histórico de raiva.
Na internet, o assunto foi intensamente debatido. Gostei de ver meu antigo chefe da Veja e na Exame, Antonio Machado, um dos melhores jornalistas com quem trabalhei, se manifestar.
Não lia nada dele fazia muito tempo. Foi como rever um velho amigo.
Machado contestou Elio, a quem chamou, ironicamente, de Doutor. Foi um contraponto divertido ao fato de que Elio chama Dilma de “Doutora”.
Machado, e aí acho um exagero, quase que igualou Elio a Reinaldo de Azevedo.
Elio não é Azevedo, a começar pela diferença de que é um genuíno jornalista, e dos brilhantes.
É, sim, um colunista de centro. Talvez gostasse de se movimentar um pouco mais para a esquerda, mas ele deve saber que não duraria muito nem na Folha e nem no Globo se fizesse isso.
Barbara Gancia, e é um caso exemplar, fez este movimento. Começou a falar em Casa Grande – um lugar comum que me enfastia, aliás – e logo perdeu a coluna na Folha.
Mas o ponto central sobre o qual eu queria falar é o ódio. Nisso, estou inteiramente com Machado e contra Elio.
Nada, rigorosamente, nada se iguala ao ódio da direita. As raízes são profundas e distantes: ao longo de toda a ditadura militar os brasileiros foram submetidos a constantes propagandas anticomunistas.
O “comunismo ateu” era apresentado, sempre, como a quintessência da maldade, do horror.
No plano internacional, Stálin era o demônio supremo. No plano nacional, este papel era atribuído a nomes como Lamarca e Marighella.
Neste ambiente, surgiram e floresceram entidades como o Comando de Caça ao Comunismo e a Tradição, Família e Propriedade – dedicadas a semear ódio patológico na sociedade.
Com o fim da União Soviética, e do comunismo, o ódio da direita não cessou. Apenas foi remanejado para a esquerda em geral.
Na Venezuela, Chávez foi alvo de campanhas de fúria inacreditável. Até sua mãe era insultada cotidianamente pela mídia e pela direita venezuelana.
No Brasil, o anticomunismo de antes se transformaria em antipetismo. Mudou o nome, mas não o ódio, ou mesmo sua intensidade.
Em suas manifestações mais vis, a raiva nos últimos anos se traduziu em pragas para que o câncer se abatesse novamente sobre Lula e Dilma.
Não é, ao contrário do que Elio afirmou, um ódio que encontre contrapartida na esquerda.
Não que a esquerda aprecie e admire a direita. Mas não é a mesma coisa. Historicamente, não é. Definitivamente, não é.
Até por questões culturais. Faz parte da cultura da esquerda endereçar o melhor de sua raiva às correntes rivais dentro da própria esquerda.
Marx abominava Bakunin. Os bolcheviques viam os mencheviques como seu maior obstáculo. No Brasil, integrantes do PC e do PC do B mutuamente se abominavam.
No Brasil de hoje, repare como os petistas enxergam grupos de esquerda por trás de protestos e como estes vêem o que chamam, desdenhosamente, de “governistas”.
O ódio da esquerda como que se dispersa. O da direita se concentra.
Nada se compara ao ódio da direita – e meu velho chefe Machado, nisso, não poderia estar mais certo.