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Álbum de figurinhas

Para Francisco, a Copa não existe mais

Postado ao lado da cratera onde há pouco mais de duas semanas ficava a escadaria da Rua Guanabara, à beira da Via Costeira de Natal, o comerciante Francisco Gomes de Souza observa o trabalho da Defesa Civil e evita fazer contas. A casinha verde de dois quartos, sala, cozinha, banheiro e um barracão que alugava para duas famílias de inquilinos não existe mais – assim como outras 34 de seus vizinhos no bairro Mãe Luíza.
As chuvas ininterruptas dos dias 13 e 14 de junho tiraram a alegria das ruas decoradas da vizinhança em que vive há 44 anos logo após o pontapé inicial da Copa do Mundo. O que começou com o vazamento de uma manilha de água e esgoto se transformou numa erosão que consumiu casas, carros, motos, móveis e eletrodomésticos, apesar de não causar nenhuma vítima fatal entre as famílias da região. A Prefeitura decretou estado de calamidade.
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Abrigado na casa que possui na rua Atalaia, imediatamente acima do desastre, o potiguar decidiu manter abertas as portas do Mercadinho Irmã Rejane, que funciona no mesmo local. Mas os parentes foram embora. Disposto a permanecer para guardar o estoque, os freezers e tentar diminuir o prejuízo, mandou a mulher, os quatro filhos, a nora e os três netos para o Conjunto Cidade Satélite, a 13 quilômetros de distância.
E apesar da camisa amarela com detalhes em verde, do calção azul e dos chinelos na mesma cor ornados com a bandeira do Brasil, a torcida de Francisco não poderia estar mais longe dos gramados. Tudo o que ele espera é que seu comércio e as dezenas de casas interditadas que agora povoam a região não sejam tragados por novas chuvas e possíveis deslizamentos de terra.
Eu fiz um voto com Deus. Para que Ele resolvesse esse problema aqui, eu não vou assistir nem um jogo da Copa não. A pior Copa que eu já vi na minha vida foi essa, só trouxe azar pra nós.
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***
Uma Copa do Mundo se faz com pessoas.
As que entram em campo, as que viajam para testemunhá-la, as que enchem as ruas, as que se voluntariam, as que torcem e as que veem no evento uma oportunidade para garantir seu sustento ou para extravasar.
A seção “Álbum de Figurinhas” pretende contar, com um microrrelato artesanal e um retrato por dia, a história de algumas dessas pessoas, muitas vezes invisíveis, que povoam os bastidores da Copa do Mundo do Brasil.
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Para ler todos os textos, basta entrar no nosso Álbum de Figurinhas.
Ismael dos Anjos


É mineiro, jornalista, fotógrafo, devoto de Hunter Thompson e viciado em internet. Quanto mais abas abertas, melhor.

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Álbum de figurinhas

Raimundinho e o "Sou brasileiro, com muito orgulho, com muito amor"...
O chão salpicado de flores rosadas e o vento que sopra entre as copas das árvores fazem tão parte da casa de Raimundinho quanto o sofá branco com estofado à mostra, a cômoda que abriga as roupas que veste e a penteadeira adornada com a imagem de Jesus Cristo e uma bandeirinha do Brasil.
Prestes a completar 40 anos anos, o morador de rua ocupa a área à sombra de dois jambeiros à margem da Rua Francisco Orellana e dorme a uma distância de 1,7 km a pé da Arena Amazônia – “agora o bairro ficou mais bonito por que temos uma nave espacial: de noite ela liga”. Em uma das três ou quatro vezes que passei à beira da sua casa, o catador de materiais recicláveis, que teve educação formal até a quinta série, é dependente químico e diz ser pai de 13 filhos com três mulheres diferentes, conversou comigo.
O papo foi bom, mas o texto demorou a sair (já passei por Cuiabá, Brasília e estou a caminho de Fortaleza nesse momento) por que fiquei na dúvida sobre se deveria ou não transformar nosso diálogo em um micro perfil.
Resolvi fazer outra coisa.
Separei apenas a íntegra de um trecho da conversa, que, penso, faz um retrato mais interessante de “Eu, sou brasileiro, com muito orgulho, com muito amor” do que o cântico que é entoado a todo momento nos estádios.
Vi que você tem uma imagem de Jesus Cristo no armário. Por quê?
Eu sou muito religioso. Respeito muito, não importa qual religião, por que Deus pra mim só é um.
Vi também uma bandeirinha do Brasil…
Sou brasileiro, e isso aí eu não nego. Tinha uma grandona, mas que se acabou na chuva.
E o que significa ter essas bandeiras para você?
Eu tenho orgulho de ser brasileiro. Eu acho que nunca vou trair meu país que nem um bocado de gente que faz dinheiro aqui e leva para fora, entendeu? Um cara desse pra mim não é brasileiro. Ele tem que investir no país dele. (…) Nicolau, Lalau. Ouviu falar no Nicolau? (…) Foi condenado a 30 anos, mas não chegou nem na delegacia. Mas é ele, né? Tem estudo, dinheiro, poder. Mas não tem Deus com ele, por que quando morrer não vão levar é nada.

Desvio de verba? Obras superfaturadas? Desapropriação indevida? Abuso policial? Acho genial que, apenas com um plural deslocado na última frase, Raimundinho é capaz de estender o seu recado para bem mais gente.
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Uma Copa do Mundo se faz com pessoas.
As que entram em campo, as que viajam para testemunhá-la, as que enchem as ruas, as que se voluntariam, as que torcem e as que veem no evento uma oportunidade para garantir seu sustento ou para extravasar.
A seção “Álbum de Figurinhas” pretende contar, com um microrrelato artesanal e um retrato por dia, a história de algumas dessas pessoas, muitas vezes invisíveis, que povoam os bastidores da Copa do Mundo do Brasil.
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Ismael dos Anjos

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Alex e o buteco improvisado na praça
Sonho de todo jornalista: banca + buteco
Se a ironia estivesse à procura de um endereço, ela teria uma morada certeira na Praça Popular de Cuiabá, capital do Mato Grosso. Reduto badalado da cidade, a região que fica a dois quilômetros da Arena Pantanal cobra sua fama – e seu preço – em época de Copa do Mundo: entre os cerca de dez bares abertos e espalhados pela região na última terça-feira, 30 reais era o preço médio das entradas cobradas de quem quisesse assistir ao jogo entre Brasil e México.
Mas se a ganância floresce durante o Mundial, as oportunidades também.
Aos 33 anos de idade, Alex é dono da banca de jornais e revistas que ocupa um dos lados da praça há pouco mais de três. Acostumado a levantar as portas de seu negócio às 7h30 da manhã e encerrar o expediente às 21h30, ele fez da Copa do Mundo sua rotina antes mesmo que chilenos, russos e colombianos botassem os pés no Centro-Oeste.
Primeiro, arrumou algumas cadeiras e mesas e transformou sua banca em um ponto de encontro para troca de figurinhas do álbum do torneio – são três grupos de WhatsApp dedicados aos clientes apaixonados pelo tema. Mais tarde, com as partidas prestes a começar e a ajuda da esposa, resolveu dar outro destino ao espaço. Encheu um freezer de cervejas, refrigerante e água, instalou um televisor na parede externa da banca e passou a oferecer, sem entrada ou consumação mínima, um buteco improvisado entre os bancos e as árvores de uma das regiões mais valorizadas da cidade.
No primeiro evento-teste da nova fonte de renda, a farra pós-jogo de Chile 3 X 1 Austrália, a tampa da geladeira só foi fechada às 5h30 da manhã. A prorrogação valeu à pena: em um mês regular, a banca arrecada entre 3 e 4 mil reais. Naquela noite, o faturamento foi de R$ 9 mil.
Quando a criatividade e o improviso são padrão Brasil, pouco importa se o butequim não é padrão Fifa.
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Uma Copa do Mundo se faz com pessoas.
As que entram em campo, as que viajam para testemunhá-la, as que enchem as ruas, as que se voluntariam, as que torcem e as que veem no evento uma oportunidade para garantir seu sustento ou para extravasar.
A seção “Álbum de Figurinhas” pretende contar, com um microrrelato artesanal e um retrato por dia, a história de algumas dessas pessoas, muitas vezes invisíveis, que povoam os bastidores da Copa do Mundo do Brasil.
Ismael dos Anjos


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Rodrigo Cavalcante, 18 anos, e o futuro dos filhos
Ele gosta do Messi, mas torce é para o Brasil
Rodrigo e o filho, David Ryan: o futuro é dele.
Rodrigo e o filho, David Ryan.
Em meio à alegre algazarra que tomou conta de sua vizinhança, o pizzaiolo armou o caçula – David Ryan, de 2 meses – com um protetor de algodão improvisado no ouvido e o levou, junto com a mulher Daniela e a primogênita Débora Vitória, para assistir ao jogo de estreia da Seleção.
O moicano roxo, os dois brincos com detalhes rosa nas orelhas e as espinhas que ainda marcam-lhe o rosto denunciam a juventude, mas Rodrigo já sabe bem o que espera para o pequeno David: uma vida aberta.
Não precisa ser jogador, nem médico.
“Ele pode ser o que quiser. É ele quem escolhe o futuro dele”
* * *
Uma Copa do Mundo se faz com pessoas.
As que entram em campo, as que viajam para testemunhá-la, as que enchem as ruas, as que se voluntariam, as que torcem e as que vêm no evento uma oportunidade para garantir seu sustento ou para extravasar.
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