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Tradição do vaqueiro


A nova geração de jovens que freqüenta os modernos parques de vaquejada e assiste a competições realizadas em pistas demarcadas, com locutor oficial e disputa de prêmios milionários, pode ter a ilusão de que o vaqueiro tradicional desapareceu do Ceará. Ou pior: pode nunca ter ouvido falar na figura do sertanejo que monta o cavalo para pegar o boi no mato. Mas em alguns rincões do Estado homens bravos mantém viva a tradição que faz do ser vaqueiro um meio de vida e não um esporte. Um desses recantos do sertão é a localidade de São Bernardo, na zona rural do município de Canindé, a 120km de Fortaleza. Sob o sol quente do Sertão Central, Antônio Nojosa da Costa, 63 anos, conhecido por “Almir”; Pedro Costa Freitas, 59 anos; e Francisco Valmir Agostinho da Costa, 27 anos, ainda correm atrás do boi, com gibão, guarda-peito, chapéu de couro, espora e chicote. É claro que alguns costumes mudaram. Há cerca de 20 anos, seu Almir explica que o gado era solto no mato para comer e engordar livremente. Não havia receio de perder o animal. “Tinha vez que a gente soltava em janeiro, fevereiro, e só ia pegar em setembro. A gente dormia tranqüilo”, relembra. Outro costume eram as antigas festas de apartação. Um grupo de vaqueiros saía pela manhã, levando cachaça e comida, como recorda Pedro. Pegar o gado era uma grande confraternização. O retorno para casa era no fim da tarde ou até mesmo no dia seguinte, claro, depois de capturar o boi. E na fazenda, a festa continuava também com cantoria. Outros tempos “Hoje, a gente não solta mais porque o ladrão carrega. Ou então o boi pode pegar uma bicheira e até morrer”, lamenta seu Almir. Por isso, os animais são criados em cercados. A necessidade de pegar o boi no mato se restringe a quando um deles foge. Isso acontece, por exemplo, no transporte do cercado para as áreas de pasto, apesar de que, segundo o vaqueiro, quando o rebanho é tangido todo junto não há fugas. Outra ocasião é quando os vaqueiros, “só por diversão”, soltam um ou outro bicho para caçá-lo em meio à mata fechada. Por um ou outro motivo, é preciso coragem para encarar o ofício. Valmir adverte que os riscos são grandes. “Tem que ter golpe de vista e proteger a cara para não se cortar todo”, ensina. O perigo maior, segundo ele, são os paus pontiagudos escondidos no mato. As pedras e o terreno acidentado aumentam os riscos. Qualquer acidente pode ser fatal, pois, segundo os sertanejos, os cavalos chegam a alcançar 60km/h na velocidade máxima da corrida. Um segredo, conforme ensina Valmir, é estar sempre com a cabeça abaixo do pescoço do cavalo, para assim usar o animal como escudo. “O vaqueiro não pode fechar os olhos e precisa calcular bem a distância”, continua. Domar bem o cavalo também é essencial: “Senão, na hora que o cara puxar a rédea, o cavalo fica parado”. Levar uma queda pode ser uma das conseqüências de montar um bicho mal-ensinado Também é por causa dos riscos de pegar o boi no mato que a tradição de usar roupas de couro é mantida pelos vaqueiros de Canindé. “A gente sempre usa roupa de couro. Para evitar de se cortar e de se arranhar”, justifica seu Pedro. O trio conta que o hábito das vestes encouradas vem desde quando eram pequenos. Para isso, eles compram o couro e mandam para um vaqueiro que mora na sede do município fazer as roupas. ´De magote´ Além dos bois, nas “caçadas” em meio à Caatinga, os vaqueiros encontram bodes, cabritos, ovelhas e porcos perdidos. O gado bravo, porém, é o que dá mais trabalho. “Para pegar touro no mato, a gente vai de magote. Se for só um, não dá”, assume Valmir. Quando o bicho não é tão valente, “tendo coragem e tendo força, dá para segurar sozinho”, compara o sertanejo. Apesar de toda a destreza na “luta diária” com os animais, os vaqueiros relutam em aderir à vaquejada de esporte ou até mesmo cobrar pela captura dos bichos. Seu Pedro conta que a única vez que recebeu pelo trabalho foi quando um homem lhe pagou R$ 150,00 para encontrar quatro novilhas dele que haviam fugido. No ano passado, foi convidado para a competição de pega-de-boi no mato realizada na tradicional Vaquejada de Itapebussu, em Maranguape. Entretanto, apesar de ter participado, prefere mesmo as antigas vaquejadas “pé-de-mourão”. Além da pecuária, como todo homem do campo, os vaqueiros de Canindé vivem da roça. Valmir diz que cultiva milho e feijão e, agora, está começando a plantar cebola para ver se dá certo. E assim, segue a vida simples, onde o sustento vem da natureza e do próprio trabalho, com muito suor e força no braço.

RECONHECIMENTO Missa é realizada há 39 anos em Canindé Canindé. O estabelecimento da Associação dos Vaqueiros, Boiadeiros e Pequenos Criadores de Canindé, em 1995, foi um importante passo para manter e valorizar os vaqueiros tradicionais no município. A tradição, porém, vem sendo fortalecida desde 1970, quando foi criada a Missa do Vaqueiro, realizada sempre durante a Festa de São Francisco, no segundo semestre do ano. Além disso, a cidade celebra o Dia do Vaqueiro desde 2008, graças à Lei Municipal 2.051, de 29 de abril de 2008. A data comemorativa coincide com o Dia do Folclore, em 22 de agosto. Para a vaqueira e ex-presidente da associação, Dina Maria Martins Lima, o vaqueiro ficou mais valorizado depois da criação da missa e da entidade que representa a categoria. Hoje, ela e mais quatro vaqueiros de Canindé serão tema de documentário produzido por um canal de televisão da Itália. As filmagens serão realizadas em Quixadá, no Sertão Central. “O objetivo de criar a associação foi o de nos organizar para conseguir alguns projetos e fortalecer nossos valores”, explica. Dina destaca que a Missa do Vaqueiro recebe número expressivo de participantes a cada ano, com gente que vem até de outros estados do Nordeste. “Aqui se mantém a tradição de vaqueiros encourados e de pegar boi no mato”, ressalta, sobre a tradição em Canindé. Personagem singular A própria Dina, aliás, é uma personagem singular, visto que não é comum ver uma mulher subindo no lombo do cavalo e correndo atrás do gado. O costume nasceu aos sete anos, quando ela começou a ajudar o pai a trazer o rebanho para o curral. Três anos depois, ela levava as vacas para casa. “Eu fugia do colégio para ir atrás de gado”, relembra.

SAIBA MAIS Vestes As roupas de couro são usadas pelos vaqueiros para se proteger de acidentes na busca pelo boi no meio do mato Gibão Cobre os homens do pescoço à cintura, como se fosse um paletó de couro Guarda-peito Pedaço de couro curtido com que os vaqueiros resguardam o peito, preso por meio de correias ao pescoço e à cintura Perneira Calça de couro ajustada ao corpo, vai do pé à virilha, mas deixa o corpo livre para cavalgar Chapéu Protege o vaqueiro do sol e de eventuais golpes na cabeça Espora Instrumento de metal que se põe no salto do calçado para incitar o animal que se monta

Ícaro Joathan

Tradição do vaqueiro


A nova geração de jovens que freqüenta os modernos parques de vaquejada e assiste a competições realizadas em pistas demarcadas, com locutor oficial e disputa de prêmios milionários, pode ter a ilusão de que o vaqueiro tradicional desapareceu do Ceará. Ou pior: pode nunca ter ouvido falar na figura do sertanejo que monta o cavalo para pegar o boi no mato. Mas em alguns rincões do Estado homens bravos mantém viva a tradição que faz do ser vaqueiro um meio de vida e não um esporte. Um desses recantos do sertão é a localidade de São Bernardo, na zona rural do município de Canindé, a 120km de Fortaleza. Sob o sol quente do Sertão Central, Antônio Nojosa da Costa, 63 anos, conhecido por “Almir”; Pedro Costa Freitas, 59 anos; e Francisco Valmir Agostinho da Costa, 27 anos, ainda correm atrás do boi, com gibão, guarda-peito, chapéu de couro, espora e chicote. É claro que alguns costumes mudaram. Há cerca de 20 anos, seu Almir explica que o gado era solto no mato para comer e engordar livremente. Não havia receio de perder o animal. “Tinha vez que a gente soltava em janeiro, fevereiro, e só ia pegar em setembro. A gente dormia tranqüilo”, relembra. Outro costume eram as antigas festas de apartação. Um grupo de vaqueiros saía pela manhã, levando cachaça e comida, como recorda Pedro. Pegar o gado era uma grande confraternização. O retorno para casa era no fim da tarde ou até mesmo no dia seguinte, claro, depois de capturar o boi. E na fazenda, a festa continuava também com cantoria. Outros tempos “Hoje, a gente não solta mais porque o ladrão carrega. Ou então o boi pode pegar uma bicheira e até morrer”, lamenta seu Almir. Por isso, os animais são criados em cercados. A necessidade de pegar o boi no mato se restringe a quando um deles foge. Isso acontece, por exemplo, no transporte do cercado para as áreas de pasto, apesar de que, segundo o vaqueiro, quando o rebanho é tangido todo junto não há fugas. Outra ocasião é quando os vaqueiros, “só por diversão”, soltam um ou outro bicho para caçá-lo em meio à mata fechada. Por um ou outro motivo, é preciso coragem para encarar o ofício. Valmir adverte que os riscos são grandes. “Tem que ter golpe de vista e proteger a cara para não se cortar todo”, ensina. O perigo maior, segundo ele, são os paus pontiagudos escondidos no mato. As pedras e o terreno acidentado aumentam os riscos. Qualquer acidente pode ser fatal, pois, segundo os sertanejos, os cavalos chegam a alcançar 60km/h na velocidade máxima da corrida. Um segredo, conforme ensina Valmir, é estar sempre com a cabeça abaixo do pescoço do cavalo, para assim usar o animal como escudo. “O vaqueiro não pode fechar os olhos e precisa calcular bem a distância”, continua. Domar bem o cavalo também é essencial: “Senão, na hora que o cara puxar a rédea, o cavalo fica parado”. Levar uma queda pode ser uma das conseqüências de montar um bicho mal-ensinado Também é por causa dos riscos de pegar o boi no mato que a tradição de usar roupas de couro é mantida pelos vaqueiros de Canindé. “A gente sempre usa roupa de couro. Para evitar de se cortar e de se arranhar”, justifica seu Pedro. O trio conta que o hábito das vestes encouradas vem desde quando eram pequenos. Para isso, eles compram o couro e mandam para um vaqueiro que mora na sede do município fazer as roupas. ´De magote´ Além dos bois, nas “caçadas” em meio à Caatinga, os vaqueiros encontram bodes, cabritos, ovelhas e porcos perdidos. O gado bravo, porém, é o que dá mais trabalho. “Para pegar touro no mato, a gente vai de magote. Se for só um, não dá”, assume Valmir. Quando o bicho não é tão valente, “tendo coragem e tendo força, dá para segurar sozinho”, compara o sertanejo. Apesar de toda a destreza na “luta diária” com os animais, os vaqueiros relutam em aderir à vaquejada de esporte ou até mesmo cobrar pela captura dos bichos. Seu Pedro conta que a única vez que recebeu pelo trabalho foi quando um homem lhe pagou R$ 150,00 para encontrar quatro novilhas dele que haviam fugido. No ano passado, foi convidado para a competição de pega-de-boi no mato realizada na tradicional Vaquejada de Itapebussu, em Maranguape. Entretanto, apesar de ter participado, prefere mesmo as antigas vaquejadas “pé-de-mourão”. Além da pecuária, como todo homem do campo, os vaqueiros de Canindé vivem da roça. Valmir diz que cultiva milho e feijão e, agora, está começando a plantar cebola para ver se dá certo. E assim, segue a vida simples, onde o sustento vem da natureza e do próprio trabalho, com muito suor e força no braço.

RECONHECIMENTO Missa é realizada há 39 anos em Canindé Canindé. O estabelecimento da Associação dos Vaqueiros, Boiadeiros e Pequenos Criadores de Canindé, em 1995, foi um importante passo para manter e valorizar os vaqueiros tradicionais no município. A tradição, porém, vem sendo fortalecida desde 1970, quando foi criada a Missa do Vaqueiro, realizada sempre durante a Festa de São Francisco, no segundo semestre do ano. Além disso, a cidade celebra o Dia do Vaqueiro desde 2008, graças à Lei Municipal 2.051, de 29 de abril de 2008. A data comemorativa coincide com o Dia do Folclore, em 22 de agosto. Para a vaqueira e ex-presidente da associação, Dina Maria Martins Lima, o vaqueiro ficou mais valorizado depois da criação da missa e da entidade que representa a categoria. Hoje, ela e mais quatro vaqueiros de Canindé serão tema de documentário produzido por um canal de televisão da Itália. As filmagens serão realizadas em Quixadá, no Sertão Central. “O objetivo de criar a associação foi o de nos organizar para conseguir alguns projetos e fortalecer nossos valores”, explica. Dina destaca que a Missa do Vaqueiro recebe número expressivo de participantes a cada ano, com gente que vem até de outros estados do Nordeste. “Aqui se mantém a tradição de vaqueiros encourados e de pegar boi no mato”, ressalta, sobre a tradição em Canindé. Personagem singular A própria Dina, aliás, é uma personagem singular, visto que não é comum ver uma mulher subindo no lombo do cavalo e correndo atrás do gado. O costume nasceu aos sete anos, quando ela começou a ajudar o pai a trazer o rebanho para o curral. Três anos depois, ela levava as vacas para casa. “Eu fugia do colégio para ir atrás de gado”, relembra.

SAIBA MAIS Vestes As roupas de couro são usadas pelos vaqueiros para se proteger de acidentes na busca pelo boi no meio do mato Gibão Cobre os homens do pescoço à cintura, como se fosse um paletó de couro Guarda-peito Pedaço de couro curtido com que os vaqueiros resguardam o peito, preso por meio de correias ao pescoço e à cintura Perneira Calça de couro ajustada ao corpo, vai do pé à virilha, mas deixa o corpo livre para cavalgar Chapéu Protege o vaqueiro do sol e de eventuais golpes na cabeça Espora Instrumento de metal que se põe no salto do calçado para incitar o animal que se monta

Ícaro Joathan