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É necessário resistir à Cruzada anti-corrupção

[de bens intencionados o inferno e igrejas estão abarrotados, que o digam os Cunhas, Magnos e Malafaias da vida]
por Guilherme Scalzilli - também publicado no Le Monde Diplomatique Brasil

Enquanto a esquerda brasileira busca novas agendas e programas, o tema da corrupção vem ganhando protagonismo cada vez maior nos seus debates. Vejo essa tendência com perplexidade e desalento, pois a considero um erro conceitual e estratégico grave, que pode mesmo inviabilizar a sobrevivência do progressismo organizado no país.
Chamo doravante de Cruzada o amplo repertório subjetivo que acompanha a pauta anticorrupção nos moldes atuais. O termo abarca tanto o viés místico da plataforma quanto seu imaginário bélico, ambos tendo como principal símbolo a operação Lava Jato, apesar de não restritos a ela. A qualificação busca espelhar também o uso sectário do programa, o hábito de desqualificar seus críticos por suposto apoio a alas “infiéis”.
Logo de saída notamos que o espírito da Cruzada guarda uma contradição insanável: precisa ser inflexível na propaganda, mas tolerante na aplicação. Levada a purismos extremos, ela jamais daria conta das minúcias irregulares da vida social, das instituições públicas e do setor corporativo. Por outro lado, admitindo sua inviabilidade prática, perde o sentido isonômico e universalista que a justifica, ou parece justificar.
Considerando que as próprias infantarias cruzadas sucumbiriam ao rigorismo total, apela-se para uma relativização seletiva. O alvo então se restringe à demonizada classe política, mais especificamente ao “outro” malfeitor que não desfruta das simpatias ocasionais dos fiscalizadores (partidárias, religiosas, performativas). E é exatamente esse farisaísmo que termina por arruinar os bons propósitos da empreitada.