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A mídia e “o museu de grandes novidades econômicas”, por Luis Nassif

 Menciono Malu Gaspar, porque é uma das melhores repórteres do país e sou seu leitor. Portanto, é um bom parâmetro para analisar a média.

Em O Globo de hoje ela escreve a coluna “Na definição de ministros, Lula monta museu de grandes novidades“. E sintetiza uma das mais complexas discussões contemporâneas – sobre modelos de política econômica – com um julgamento definitivo e notável poder de síntese:

“Até agora, porém, o que se vê é um grande esforço para repetir um passado que já deu errado, com novidades que deveriam estar restritas aos museus da política brasileira”.

A frase ribombou no mundo econômico, provocou frisson na John Hopkins University, abalou os alicerces do Instituto Roosevelt, fez Paul Krugman rever o artigo em preparação para o The New York Times, derrubou o prestígio do Instituto Patterson, deixou os economistas do FMI arrependidos da tentativa de renovar seus conceitos..

Malu não explicou direito o que seria o pensamento econômico moderno. Mas, por certo, estava se referindo ao neoliberalismo vigente desde os anos 70 – e que está em xeque em todos os países do mundo.

Os defeitos do modelo estão mais explícitos do que nunca, para quem tem olhos para ver, e, se é repórter, e não um analista, e aprender a trabalhar com fontes diversificadas.

Problema 1 – hiper concentração de renda.

De um lado, levou a um aumento da pobreza e da exclusão social. De outro, ao aparecimento de hiperbilionários, interferindo diretamente no poder político e ajudando a alastrar a superstição de que qualquer outra política, que não contemple a maximização dos lucros, é coisa de museu.

Problema 2 – a ameaça à democracia.

Uma leitura de escritos contemporâneos sobre o renascimento do fascismo mostrará que, na raiz de tudo, está o fracasso das democracias ocidentais, por afastar cada vez mais o cidadão comum das definições da política — que passou a ser apropriada pelos grandes financiadores de campanha — e dos benefícios públicos.

Problema 3 – a segurança interna.

Vamos recorrer ao Nobel Joseph Stiglitz, que não tem as mesmas certezas férreas de Malu:

Há mais de 15 anos, em Fazendo a globalização funcionar , perguntei: “Cada país simplesmente aceita os riscos [de segurança] como parte do preço que enfrentamos por uma economia global mais eficiente? A Europa simplesmente diz que se a Rússia é o fornecedor de gás mais barato, então devemos comprar da Rússia, independentemente das implicações para sua segurança. . . ?” Infelizmente, a resposta da Europa foi ignorar os perigos óbvios na busca de lucros de curto prazo”.

A pandemia reforçou a necessidade de estímulo à produção interna. Não apenas pelo suprimento de insumos médicos, mas pela desestruturação das cadeias produtivas globais e pela polarização radical em curso, contrapondo Estados Unidos e China.

Problema 4 – a questão do desenvolvimento.

Aí se entra em uma seara simples de entender, mas para a qual há uma barreira ideológica na cobertura midiática: capital que gera emprego, arrecadação de impostos, inovação, geração de riquezas para o país é o capital produtivo. Isto é, aquele diretamente empregado na produção, na geração de empregos, na agregação de valor aos produtos.

O modelo que a Malu julga moderno, dá prioridade absoluta ao capital financeiro, tem mais de 50 anos, foi enterrado com as crises de 2008, do Covid e da guerra da Ucrânia, e foi responsável pela eclosão de bolhas especulativas pelo mundo. Tornou a humanidade mais pobre, acirrou as disputas políticas e espalhou a exclusão e o ódio pelo planeta.

Para entrar em um país, o capital externo produtivo precisa de:

  • câmbio competitivo e estável;
  • taxas de juros em padrão internacional;

Já o interesse do capital especulativo (o capital “moderno”, na concepção da Malu) é o câmbio volátil e taxas de juros enormes, o oposto.

Por isso, o capital financeiro só entra para arbitragem – comprar empresas baratas, trazer dólares baratos e aplicá-los em reais caros e assim por diante -, não para apostar no futuro do país.

Hoje em dia, há uma discussão acalorada em todos os centros acadêmicos internacionais, nos governos dos maiores países – inclusive com Joe Biden -, para mudar o modelo, para trabalhar as cadeias de produção internas, para fortalecer o mercado interno.

Com uma segurança invejável, Malu continua imbatível:

“Nas conversas com potenciais membros do governo, Lula cita como exemplos do que pretende fazer políticas como o conteúdo nacional, incentivos para a indústria naval, construção de refinarias e a manutenção de regimes especiais para determinados setores. Já não deu certo no passado, mas ele parece que não se recorda ou não entendeu”.

De Temer para cá não houve a construção de uma refinaria nova sequer, apesar das importações do produto. Em vez disso, a Petrobras limitou-se a vender refinarias por preços discutíveis. Ou seja, abriu grandes negócios para terceiros sem ampliar em um galão a produção de refinados. Foi esse modelo “moderno” que deu certo?

Quanto à PEC, é extraordinário o que ele considera como desvio de finalidade:

“A PEC da Transição não abre espaço apenas para pagar benefícios aos mais pobres. Na “licença para gastar” de R$ 145 bilhões aprovada pelo Congresso há um combo que vai além. Da barca de obras de infraestrutura a fundos de cultura e ciência e tecnologia”.

Desenhando para quem não entendeu: ela está afirmando que investimentos em infraestrutura, cultura e ciência e tecnologia são gastos supérfluos. E, aí, volto ao primeiro parágrafo, onde a considerei uma das melhores repórteres do país, e pergunto: como é possível tamanha estultice?

Problema 5 – as falsas relações de causalidade.

Há uma enorme dificuldade em definir relações de causalidade na economia. Por isso mesmo, há uma baita exploração ideológica dessas interpretações.

Por exemplo, o Lula de 2003 a 2007 seguiu o modelo de política econômica de Fernando Henrique Cardoso. A economia andou de lado, apesar dos esforços da diplomacia comercial em ampliar mercados externos.

A partir de 2008, a crise obrigou Lula a mudar o estilo, para apagar incêndios. Valeu-se do BNDES, Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal, de estímulos fiscais e gastos públicos para irrigar a economia; criou incentivos fiscais bem pensados; atuou politicamente com um discurso visando infundir confiança nos consumidores, para que não reduzissem o consumo.

O resultado foi a melhor performance econômica em muitos anos, desmontando as teorias “modernas”, que tanto encantam a Malu, mesmo que, delas, ela só capte os bordões.

Depois veio o governo Dilma, com dois anos mantendo o ritmo de crescimento. A partir de meados de 2013, houve uma queda nos preços dos commodities, e Dilma não soube tratar com a nova situação. Provocou desequilíbrios nos preços do petróleo, afetando diretamente a produção de etanol, promoveu isenções tributárias irresponsáveis e assim por diante.

Mas o grande desastre foi quando, no início do segundo governo, cedeu às pressões dos “modernos” e aplicou o pacote Joaquim Levy, um programa neoliberal clássico – e desastroso.

A malícia ideológica consiste em atribuir os desastres de 2015 à herança do Lula de 2008/2010.

Não há relação de causalidade possível. A política econômica é função, também, das circunstâncias do momento.

Problema 5 – as críticas corretas.

De certo que o modelo não é perfeito. No anterior havia um problema nítido na política de construção de campeões nacionais. Desenvolvimento exige uma ação integrada, envolvendo pequenas e micro empresas, redes de fornecedores, políticas científico-tecnológicas, tratando o ambiente econômico como um todo.

Em muitos mercados, como o de alimentos, os campeões nacionais ganharam um poder excessivo sobre os fornecedores. Na construção civil, o poder das grandes empreiteiras permitiu-lhes uma ação de cartel.

Agora, tenta-se corrigir direcionando o BNDES para o fortalecimento das PMEs e para a preparação para o mundo digital.

Mas, obviamente, essa montanha de ângulos não resiste aos julgamentos definitivos de Malu.

Ah, e nem esperou os anúncios de hoje, para decretar: 

Com a escolha de petistas homens para Fazenda (Fernando Haddad), Educação (Camilo Santana), Casa Civil (Rui Costa), Relações Institucionais (Alexandre Padilha) e, agora, Desenvolvimento Social (Wellington Dias), o rol de pastas estratégicas a ser ocupadas por mulheres ou por figuras de fora do PT ou da esquerda lulista vai diminuindo”.

Lições da história: o preconceito e a implicância não são boa companhia para o jornalismo.