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Crônica dominical de A. Capibaribe Neto

Missão impossível
Por mais hercúleos que sejam os esforços para vencer desafios físicos nenhum deles tem força para ganhar do poder de sentimentos aparentemente simples como a paixão, o amor, a saudade. Nenhum desses tem uma forma definida, um tamanho mensurável, uma cor. Não adianta ser fisicamente forte, psicologicamente preparado para a complexidade das equações do conjunto de neurônios de um ser humano. Cada um desses sentimentos pode mover montanhas, é capaz de vencer distâncias com velocidade maior que a luz e pode transformar o homem em um deus amorfo ou um demônio formidável numa fração de tempo. Por mais que o poeta se atenha aos rigores da boa escrita para transmitir o que lhe dita a alma, ele não conseguiria falar de sentimentos assim sem a leveza do espírito, para que se possa distinguir os vácuos das versões dos apaixonados. Só assim pode prevalecer a finura das análises para que predominem o peso e a medida certas sem as quais as consciências não podem descansar em paz. Em cada saudade existe um culpado, mas os pesos são diferentes. Cada saudade tem uma cor impossível de distingui-la mesmo dentro das infinitas variações do espectro visível. A cor de uma saudade é única, é pessoal, intransferível, resistente, impertinente, teimosa. Ninguém foge de uma saudade, para mais distante que se vá. No alto de uma montanha solitária, debaixo do frio, ao som de um vento cortante, venha do norte, do sul, ou seja, cortante como o vento polar que se entranha na carne e chega ao coração despedaçado. Eu sei. Descobri e senti na carne. A saudade é uma companhia impiedosa, silenciosa, e que não cuida, não conforta, não diminui, nem com o tempo. Só aquieta, porque de alguma forma é preciso sobreviver. A saudade pode ser ridicularizada, banalizada, e pode até travestir-se, aos olhos alheios, de roedeira de periferia. Não importa. Saudade é um patrimônio de cada um e que não rende juros bons para o espírito. A saudade é inconveniente. Chega, se abanca, fica, dá plantão e nunca se toca que faria melhor se fosse embora discretamente ou à francesa. E não sai, não arreda o pé. Impossível de expulsá-la, de tentar arrastá-la para fora com todas as forças do mundo. Nada.



Uma saudade só pode ser preenchida, mas vez por outra aparece nas diferenças e ri da nossa cara, levando-nos às silenciosas comparações que tanta falta fizeram no auge de uma dor incapaz de diagnóstico para uma cura fora do corpo. Saudade são definitivas como a vida até que essa se esvaia, mas muitas vezes seguram nossas mãos no derradeiro pensamento antes da derradeira passagem para o finalmente "eternamente teu...". Somos capazes de ir ao fim do mundo, sobreviver ao frio, ao sol escaldante de um deserto sem fim, de suportar a sede até o limite... Tiramos forças até de um suspiro que beira o último, mas não temos forças para vencer a uma saudade que chegou muito antes da surpresa do abismo que se abriu, para determinar onde a realidade se dividiu em duas metades diferentes e por caminhos diferentes. Vencer uma paixão pode ser através da lógica. Vencer o amor que se perde pode até ser com a chegada de um outro amor, mas ganhar de uma saudade, é uma missão impossível. Melhor render-se a ela, tratá-la bem, com carinho, com respeito e esperar que ela adormeça...
Publicado originalmente na coluna Estrelas esquecidas - Diário do Nordeste