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Falta moralidade aos mercados financeiros, e a crise não contribuiu para conter a cobiça. O drama grego é só mais uma evidência

Delfim Netto

Não há como negar que a moralidade é o fator mais escasso no mercado financeiro internacional. Isso ficou evidente na análise das causas da crise que abalou a economia mundial. Graças ao abandono pelo governo americano, a partir dos anos 80 do século XX, dos mecanismos de controle construídos nos anos 30 exatamente para evitar os excessos que conduzem a novas crises, o sistema financeiro passou a ditar as regras da economia global. No Hemisfério Norte, dedicou-se inteiramente às atividades especulativas e virou as costas à economia real, a quem deveria servir. Seus ganhos tornaram-se um fim em si mesmo.

As consequências foram terríveis para o setor produtivo: quando o processo especulativo entrou em colapso, arrastou para o abismo a produção de bens e serviços e desempregou milhões de trabalhadores que estavam ganhando a vida honestamente em todo o mundo! O Estado, cuja ingerência era execrada durante todo o processo, foi obrigado a socorrer o sistema financeiro podre para evitar o sucateamento do setor real da economia. Teve de fazê-lo inclusive porque ele próprio ofereceu as condições para a ocorrência da crise ao eliminar toda espécie de regulação. E ainda precisou, apesar das evidências (e da sinalização de algumas vozes sensatas), continuar apoiando fervorosamente a crença de que os agentes financeiros eram suficientemente honestos, sabiam o que estavam fazendo e sempre iriam manobrar as inovações em favor do desenvolvimento da economia.

Não se trata de desmerecer o papel do sistema financeiro para o desempenho da economia nem o valor das inovações para a aceleração do crescimento. Para ajudar o bom funcionamento de uma economia de mercado descentralizada, no entanto, o sistema financeiro precisa atender a dois requisitos básicos, a saber: 1. Ter eficiência para alocar os recursos de que dispõe aos usos na forma mais produtiva. 2. Ser capaz de construir mecanismos de administração de riscos que o habilitem a financiar as inovações do setor real da economia que em geral são mais arriscadas, mas têm maior taxa de retorno. Essa tarefa é a mais decisiva porque o desenvolvimento econômico é essencialmente a combinação de inovações com o crédito para colocá-las em prática.
Num comentário recente, Ross Levine, economista respeitado por suas análises empíricas sobre a relação entre o aperfeiçoamento do sistema financeiro e a aceleração do crescimento econômico, disse que “os últimos séculos demonstraram que as inovações financeiras são cruciais e de fato indispensáveis para a sustentação do desenvolvimento e da prosperidade. As finanças são poderosas e nos últimos anos demonstraram que as inovações financeiras podem tornar-se também verdadeiros instrumentos de destruição das economias”.

Já o competente economista Paul Volcker, o duro chairman do Federal Reserve nos anos 70 e hoje assessor do presidente Barack Obama, foi radical. Disse ele: “Quero que me mostrem a mais leve evidência de que as formidáveis inovações financeiras dos anos recentes tenham feito qualquer coisa para impulsionar a economia”.

O respeitado – e bilionário – financista Warren Buffett, que conhece como poucos o funcionamento dos mercados, foi rápido e econômico em seu comentário: “Os derivativos são poderosas armas de destruição em massa”. Na realidade, Paul Volcker está certo: qual é a evidência empírica de que os credit default swaps (CDS) ou outros derivativos em moda tenham dado a mais leve contribuição para aumentar a produtividade e estimular a atividade real das economias? Ao contrário, eles foram causas eficientes para produzir a tragédia que tirou o emprego e o sustento de milhões de famílias em todo o planeta.

Engana-se quem acredita que essa onda de choque pode contribuir de alguma forma para conter a cobiça e forçar um padrão de comportamento moral aos agentes. Na realidade, a única evidência é de que a moralidade continua sendo o fator mais escasso no mercado financeiro, conforme se conheceu agora no recentíssimo drama que vitimou a Grécia. Desde 2004, o Comitê Financeiro da Integração Europeia e o Banco Central Europeu sabiam que o governo grego e o banco Goldman Sachs realizavam operações para mistificar o déficit fiscal do país. Misteriosamente, nenhuma sanção foi adotada contra a Grécia, que, mesmo depois de conhecida a falsificação das estatísticas, foi admitida na União Europeia. A crise grega obrigou a revelação do mistério: não era só a Grécia, quase todos os demais países da comunidade estavam na mesma situação, envolvidos nas imoralidades pactuadas no sistema financeiro.