Ed Ferreira/AE – Aborto. ‘Transformar um cara no santo milagroso antiaborto e Dilma em matadora de criancinhas é uma farsa’
”Dilma terá de fazer ajuste fiscal, mas não vai ser uma inflexão”
Cotado para assumir a Casa Civil num eventual novo governo do PT, Paulo Bernardo diz que a política salarial dos servidores terá de ser ”compatível com a inflação baixa”
Vera Rosa e Lu Aiko Otta – O Estado de S.Paulo
A duas semanas da eleição presidencial, o ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, admite que Dilma Rousseff (PT) terá de fazer um ajuste fiscal, se vencer a disputa. Na sua avaliação, porém, o aperto será bem mais suave do que quando Luiz Inácio Lula da Silva chegou ao Palácio do Planalto, em 2003, porque não há risco de descontrole inflacionário.
“É evidente que, se tiver de fazer algum ajuste, vai ter de ser feito. Isso sempre é assim. Tem de fazer? Acho que tem. Mas não vai ser uma inflexão”, diz Bernardo. A política salarial do funcionalismo, na definição do ministro, terá de ser “compatível com a inflação baixa”.
Cotado para ocupar a Casa Civil em eventual governo Dilma, Bernardo critica o candidato do PSDB, José Serra, e afirma que a campanha, do jeito que está, beira as raias do obscurantismo. “Transformar um cara no santo milagroso antiaborto e a nossa candidata em matadora de criancinha é uma farsa”, insiste.
Nesta entrevista ao Estado, o ministro diz que o governo, seja ele qual for, não terá vida fácil a partir de 2011. “Eu não vou conseguir controlar o voto nem da minha mulher”, brinca Bernardo, numa referência a Gleisi Hoffmann (PT-PR), eleita senadora.
A campanha de Dilma Rousseff tem enfrentado dificuldades neste segundo turno. O que é preciso fazer para conter o avanço do candidato do PSDB, José Serra?
A virada do primeiro para o segundo turno foi uma surpresa para a nossa campanha porque todos achavam que Dilma ia ganhar no dia 3. Isso provocou gosto amargo na boca.Por outro lado, a euforia se espalhou entre os tucanos. Tem gente que nunca fez campanha para Serra e agora está fazendo.
O sr. está falando do senador eleito Aécio Neves?
Eu estou vendo Sérgio Guerra (presidente do PSDB) cantar vitória antecipada e falar da equipe de transição do governo, mas até há pouco tempo os jornais diziam que nem na campanha do Serra ele estava.
Mas o próprio presidente Lula diz que é preciso ir para as ruas e sair da agenda negativa do aborto…
Houve um certo atordoamento na campanha, é verdade, mas já passou. A Dilma tem mais de 50% dos votos válidos em todas as pesquisas. Se tivermos tranquilidade e retomarmos a campanha de forma aguerrida, vamos ganhar. Não dá para subir no salto alto, como subimos no primeiro turno, e os tucanos estão subindo agora.
Qual o principal erro a ser corrigido? Sabe-se que o presidente Lula vai aparecer mais na campanha, mas também há cobranças ao marqueteiro João Santana…
Quando começa essa história de “faz isso, faz aquilo” não dá certo. Mudar da água para o vinho é um erro. Lula é o maior trunfo que temos. O eleitor não vai trocar os programas bem sucedidos sem mais nem menos. Isso seria um salto no escuro.
Por que o aborto se tornou um dos principais temas da campanha?
Esse tema mostra a força da religião. O lado negativo é a campanha pautada em mentiras deslavadas. Transformar um cara no santo milagroso antiaborto e a nossa candidata numa matadora de criancinha é uma farsa. Documentos e vídeos que estão circulando beiram as raias do obscurantismo.
A polêmica não seria por que ela defendeu a descriminalização do aborto, em 2007, e depois mudou de posição?
Descriminalização não significa ser a favor do aborto. É igual maconha. Não sou a favor da maconha, nunca fumei nem cigarro. Sou totalmente contra drogas. Mas tenho dúvida se quem fuma um baseadozinho de vez em quando deve ser tachado como criminoso.
O próximo governo vai ter condições de não pôr esse tema do aborto em pauta, já que ele é tão importante agora?
O mais provável é o assunto sumir do noticiário no dia seguinte à eleição. Passada a campanha, vamos falar de reforma fiscal, da Previdência, se vai ter salário mínimo de R$ 600…
É possível elevar o mínimo para R$ 600, como Serra propôs?
Pela nossa proposta, que está em vigor, o mínimo terá um reajuste de cerca de 12% em 2012. Vai passar de R$ 600 e continuar tendo ganhos reais nos anos seguintes. Então, tem uma esperteza do Serra aí: ele fala que vai dar R$ 600, mas não o que vai acontecer depois. Além disso, prometer 13.º para o Bolsa-Família é de um oportunismo escandaloso. O PSDB passou sete anos falando mal do Bolsa-Família.
Quanto custaria elevar o mínimo para R$ 600?
Arredondando, R$ 18 bilhões. No total, incluindo os aposentados (reajuste de 10% para benefícios acima do mínimo), R$ 24 bilhões. Serra não fala de onde vai sair o dinheiro. E ele foi ministro do Planejamento, gente!
Dilma tem criticado as privatizações do governo Fernando Henrique, mas o sr. mesmo era a favor delas. Essa estratégia deve continuar?
Serra comandou a privatização de muitas empresas e tentou privatizar a Cesp e a Nossa Caixa, que foi comprada pelo Banco do Brasil por orientação do governo. Eu acho que há setores onde não fazia sentido o Estado ter intervenção, como aço e, talvez, telefonia. Os bancos estaduais eram usados para fazer política e safadeza. A privatização resolveu isso. Agora, a maioria das empresas foi vendida a preço de banana e financiada pelo BNDES.
A discussão sobre privatização não é muito antiga?
Você acha que privatização é uma discussão antiga e aborto não? No debate, pode vir o que for.
O sr. é a favor do controle social da imprensa?
É uma polêmica, mas isso tem de ser discutido. Se pode ter controle social sobre outras coisas, por que não na imprensa? Parece que vocês têm queixo de vidro! Falou mal, vira inimigo da democracia. Talvez a melhor alternativa seja a mídia se autorregulamentar.
O presidente Lula interrompeu suas férias para tratar da crise dos Correios, que estourou no rastro do escândalo envolvendo Erenice Guerra, então ministra da Casa Civil. O que o sr. faz lá?
Os Correios têm um problema administrativo e uma crise política, com as denúncias sobre Erenice. Temos um relatório para entregar ao presidente depois das eleições. Há mudanças de gestão que têm de ser feitas.
O governo vai trocar a cúpula dos Correios agora ou esperar a eleição?
Os Correios têm instâncias que devem ser blindadas com gente de carreira e sem influência externa. São principalmente as diretorias regionais. Mas isso deve ser tratado na transição, quando também serão definidos o presidente dos Correios, o ministro do Planejamento, das Comunicações, da Casa Civil…
Aliás, dizem que o ministro da Casa Civil pode ser o sr., se Dilma vencer…
Eu já li isso, mas não tive nenhuma notícia a respeito (risos).
O sr. gosta da ideia?
Precisamos primeiro ganhar a eleição para saber se algum de nós vai estar no governo.
O que o sr. acha da proposta de criação de um núcleo de assessores especiais diretamente ligados à Presidência, como na Casa Branca?
Li isso no Estadão. Se foi a Dilminha que falou, foi boa ideia.
Nenhum dos candidatos deixou claro o que pretende fazer em relação ao câmbio. Como conter a valorização do real?
Nós temos uma política de câmbio flutuante com algumas intervenções do governo. O Serra namora a ideia de fixar quanto o real vai valer em relação ao dólar. É sustentável? Quanto custa? Sem contar que vai dar base para vazamentos, gente ganhando dinheiro com especulação.
Qual seria a alternativa?
Temos de atacar outras questões e fazer uma reforma tributária para desonerar exportações. Precisamos persistir na política de baixar o juro.
Mas para isso precisaria melhorar a política fiscal.
Com certeza.
E como se faz isso, com essas promessas todas que estão na praça?
A nossa candidata não está fazendo promessa. Temos condição de manter o aumento dos gastos correntes abaixo do crescimento do PIB.
Vai haver um ajuste fiscal?
Em qualquer momento se faz ajuste.Dilma reagiu quando falaram de ajuste fiscal porque ficou parecendo que íamos parar com o que estávamos fazendo, que o governo gastava de forma irresponsável. Mas, nos seis primeiros anos do governo Lula, cumprimos a meta do superávit.
Manter a atual política fiscal é suficiente para dar um tombo no juro e ajudar o câmbio?
Nós assumimos o governo com o juro de 25% e a economia beirando a estagnação. Fizemos uma série de ajustes para controlar a inflação, que chegou a 12,7% em 2002. Acho que a Dilma não vai ter de fazer toda essa inflexão, porque não há risco inflacionário. É evidente que, se tiver de fazer algum ajuste, vai ter de ser feito. Isso sempre é assim. Tem de fazer? Acho que tem. Mas não vai ser uma inflexão.
A meta de inflação tem de ser mais ambiciosa?
Se olharmos o que está acontecendo no mundo, estamos num cenário deflacionário. A inflação e o juro real estão na faixa de 1%. Se acreditamos que o Brasil é um país que vai para o primeiro time, deveríamos pensar em parâmetros internacionais. Mas não é chegar no dia 1º de janeiro e falar: “Agora vai ser desse jeito”.
E o reajuste dos servidores? Vai ter de ser congelado?
Não. A política salarial vai levar em consideração tudo o que já fizemos. Tem de ser uma política compatível com a inflação baixa, levar em conta que os salários estão valorizados, bem acima da inflação.
Dilma conseguirá segurar o PT e o PMDB nessa briga por cargos?
Acho isso coisa do terreno da mitologia. O PT não vai agir de forma desatinada. Dilma terá uma bancada de apoio mais sólida e, no Senado, uma possibilidade de diálogo muito melhor do que tivemos. Mas não se trata de ter um Senado dócil. Eu não vou conseguir controlar o voto nem da minha mulher (risos).
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