A crítica de vinhos, com seu vocabulário pomposo e sofisticado sistema de notas de zero a cem, não é, em termos objetivos, muito mais do que uma fraude. Essa pelo menos é a conclusão a que se chega quando revisamos os testes científicos a que a indústria da enofilia foi submetida nas últimas décadas.
Em 1963, Rose Marie Pangborn, uma das pioneiras nos estudos da percepção do gosto, mostrou que, quando se adicionava um pouco de corante para que vinho branco ficasse rosado, especialistas classificavam o falso rosé como mais doce do que a mesma bebida sem a tintura.
Com esse experimento, ela abriu as porteiras para uma série de testes que, se não destroem inteiramente a reputação da enologia, chegam muito perto de fazê-lo.
Um clássico no gênero é o artigo "A Cor dos Odores", de Gil Morrot, Fréderic Brochet e Denis Duburdieu. Eles recrutaram 54 estudantes de enologia da Universidade de Bordeaux e os convidaram a provar e a comentar duas taças de vinho, que pareciam ser um branco e um tinto.
Na realidade, porém, ambos os copos continham o mesmíssimo vinho branco, mas, num deles, havia sido adicionado antocianino, um corante que não deixa gosto.
Como prognosticado pelos cientistas, os estudantes não perceberam o truque e ainda descreveram com riqueza de detalhes os aromas de cada uma das amostras com o vocabulário específico para as uvas vermelhas e brancas.
Num outro experimento, Brochet resolveu ir ainda mais longe e serviu um Bordeaux que engarrafou com dois rótulos distintos: "grand cru" (vinho de excelência) e "vin de table" (vinho ordinário).
Como esperado, os especialistas deram avaliações muito diferentes a cada uma das amostras. O "grand cru" foi considerado "agradável, amadeirado, complexo, balanceado e arredondado", enquanto o "vin de table" lhes pareceu "fraco, curto, leve e achatado".
Quarenta dos especialistas julgaram que o vinho de rótulo pomposo valia o investimento; apenas 12 disseram o mesmo da bebida barata.
Um vinho de US$ 10 melhora substancialmente quando é etiquetado como uma garrafa de US$ 90.
Outro estudo seminal, de Gregg Salomon, de Harvard (EUA), mostrou que, quando se oferecem a especialistas três taças de vinho, duas das quais são idênticas, eles são incapazes de apontar a amostra diferente em um terço das tentativas.
Em termos objetivos, o paladar humano só detecta cinco sabores: doce, salgado, azedo, amargo e umami.
É verdade que, no caso do vinho, as sensações gustativas são enriquecidas por algo entre 600 e 800 compostos voláteis que podem ser captados pelo olfato.
O problema é que, mesmo os narizes mais bem treinados não conseguem identificar mais do que quatro componentes na mesma mistura.
O cérebro não entrega os pontos e se fia em pistas externas como cor, rótulo e preço para emitir seus pareceres enológicos. Não fossem os cientistas desmancha-prazeres, ele provavelmente teria sucesso e o logro não seria descoberto nem pelo "sommelier" que prova as sensações como reais e objetivas.
As inconsistências na percepção dos sabores não estão restritas ao ramo vinícola. Já foi demonstrado que podemos nos deleitar com comida de cachorro como se fosse patê de "foie gras".
OUTRO LADO
A Associação Brasileira de Sommeliers diz que as pesquisas são irrefutáveis e que os especialistas em vinhos são mesmo influenciados pelo rótulo e pela procedência. "Ninguém tem coragem de falar mal de um vinho famoso. Somos induzidos, sim", diz o diretor Arthur Azevedo.
HÉLIO SCHWARTSMAN
ARTICULISTA DA FOLHA
ARTICULISTA DA FOLHA