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Coluna dominical de Paulo Coelho

Há anos morreu Carlos Castaneda, sem dúvida o mais importante escritor da geração hippie, embora jamais tenha sido aceito pela intelectualidade. Mas Castaneda pouco se importava com isso.
Na ocasião, publiquei uma coluna com alguns trechos de seus livros editados no Brasil - e foi surpreendente o número de correspondência recebida. Muitos perguntavam: "mas ele viveu tudo o que diz?". Não tenho ideia, e isto tampouco tem importância - o que conta é a sua maneira de repensar o mundo. Para celebrar o primeiro aniversário de sua morte, seguem textos de "A Roda do Tempo" ("The Wheel of time"), ainda inédito no Brasil, onde o próprio Castaneda selecionou o que lhe parecia mais importante de tudo que publicou:
Um guerreiro aceita a responsabilidade de seus atos - mesmo os mais triviais. O homem comum nunca assume seus erros, mas assume qualquer vitória, mesmo que seja dos outros. Ele é um ganhador ou um perdedor, e pode transformar-se em perseguidor ou vítima, mas jamais chegará a condição de guerreiro, porque não merece.
Um guerreiro às vezes deve ser disponível, e às vezes deve estar oculto. É inútil para um guerreiro estar todo tempo disponível, assim como é inútil esconder-se quando todos sabem onde ele está escondido. Alternando a disponibilidade com a indisponibilidade, ele não se cansa à toa, e não cansa aqueles que estão ao seu lado.
Para o homem comum, o mundo é estranho porque, quando não está cansado de viver, está sofrendo por coisas que acredita não merecer. Para um guerreiro, o mundo é estranho porque é estupendo, pavoroso, misterioso, insondável. A arte do guerreiro consiste em equilibrar o terror de ser um homem, com a maravilha de ser um homem.
Os atos têm poder. Especialmente quando o guerreiro sabe que cada luta pode ser sua última batalha. Existe uma estranha felicidade em agir com pleno conhecimento da ideia que podemos morrer no próximo minuto.
O mais difícil neste mundo é adotar a postura de um guerreiro. De nada serve estar triste, queixar-se, o dizer que alguém está nos fazendo mal. Ninguém está fazendo nada a ninguém, e muito menos a um guerreiro.
A confiança do guerreiro não é a confiança do homem comum. O homem comum busca a aprovação nos olhos do espectador, e chama a isso de certeza. O guerreiro busca ser impecável perante si mesmo, e chama a isso de humildade. O homem comum está ligado aos seus semelhantes, o guerreiro está conectado com o infinito.
Há muitas coisas que um guerreiro pode fazer em um determinado momento, e que não podia fazer há alguns anos. Não foram as coisas que mudaram; o que mudou foi a ideia que o guerreiro tinha a respeito de si mesmo.
O poder sempre coloca ao alcance do guerreiro um centímetro cúbico de sorte. A arte do guerreiro consiste em ser permanentemente fluido, para consegui-lo utilizar.
Todo mundo dispõe de suficiente poder para conseguir alguma coisa. O segredo do guerreiro consiste em desviar a energia que antes dedicava a suas fraquezas, e utilizá-la em seu propósito nesta vida.

Carlos Castaneda um dia terá o reconhecimento que merece

Como se homenageia um escritor? Com seus textos, que refletem sua alma. Traduzi e editei nesta coluna alguns tópicos do pensamento de Carlos Castaneda em "Uma Estranha realidade" (A separate reality). O bruxo iaqui Don Juan conversa com o antropólogo:

Paulo Coelho

- Nada tem importância - disse o bruxo iaqui.

- Mas D. Juan, se nada tem importância, por que devo aprender a ver as coisas?

- Só depois de aprender a ver é que você poderá decidir se as coisas são importantes ou não. Você já é adulto o bastante para saber que um homem de conhecimento vive por seus atos, não por pensar nos atos, nem por pensar no que vai pensar depois de agir. Um homem de conhecimento escolhe o caminho do coração e o segue. Depois, olha o mundo a sua volta, fica contente e ri. Porque ele sabe que sua vida terminará muito depressa. Sabe, porque vê, que nada é mais importante do que qualquer outra coisa. Um homem de conhecimento não é fiel a nada, apenas à maneira que decidiu viver sua vida".

"Assim, o homem de conhecimento sabe que tudo é uma loucura, mas entende que, para continuar neste mundo, precisa manter esta loucura sob controle. Então, ele se esforça, transpira e bufa; quando se olha para ele, parece um homem comum, mas, na verdade, ele tem sua loucura controlada. Ele segue em direção ao conhecimento com medo, com respeito, sabendo que está indo a uma guerra".

- Como posso ser um guerreiro deste tipo?

- Agindo, e não falando. Usando o poder de sua vontade. A vontade é uma coisa que o homem usa, por exemplo, para vencer uma batalha que ele, por todos os cálculos, devia perder. É o que o faz vencer quando você já estava derrotado.

- Eu chamo isto de coragem.

- Não. Os homens de coragem vivem rodeados de pessoas que o admiram, mas muito poucos homens de coragem têm vontade. Porque a vontade é algo que desafia o nosso bom-senso. Um homem de vontade é um homem de poder.

- Posso dizer que sou um homem de vontade, quando me nego a fazer certas coisas?

- Não. Negar é uma indulgência. Faz-nos acreditar que estamos fazendo grandes coisas, quando na verdade estamos apenas fixados em nós mesmos. A vontade é um poder; como todo poder precisa ser controlada e afinada - e isso leva tempo.

- A vontade é o mesmo que ver?

- Não. A vontade é uma força, um poder. Ver não é uma força, mas uma maneira de se penetrar nas coisas. Um feiticeiro pode ter uma vontade muito forte, e jamais ter conseguido ver o mundo de maneira diferente.

- Como desenvolvo minha vontade?

- Já lhe disse que, quando você fala, só faz é confundir-se mais - disse ele, rindo. - Mas pelo menos, agora está consciente de que está esperando que a sua vontade se manifeste. Ainda não sabe como ela é, nem como vai chegar até você. Mas entenda uma coisa: aquilo que poderá ajudar a receber e desenvolver sua vontade está no meio das pequeninas coisas. Preste atenção a elas!