Me chamo Leonardo, também conhecido como Jude Law (segundo meus admiradores no PdH). Trabalho como ilustrador freelancer durante o dia e uso minha insônia pra descobrir músicas, conhecer arte e admirar a beleza feminina durante a noite. Também sou pai de um malandrinho chamado Nicolas, 5 anos, 10 meses, e uma janela de 4 dentes na frente, que veio ao mundo num dia 29 de fevereiro, e já usa seu charme pisciano pra arrancar sorrisos das mulheres na rua, especialmente em pontos de ônibus.
A ideia de ter um herdeiro pra minha coleção de quadrinhos já me agradava desde adolescente. Uma herdeira, na verdade. Trinta anos me parecia uma idade boa pra isso. Adiantei pra vinte e dois e veio foi um menino. Mas penso que não poderia ter sido em melhor hora, pois foi o que me motivou a dar uma virada frenética na minha vida, que futuramente se mostrou muito necessária e providencial.
Saí da casa da mãe, dei o primeiro passo no que se tornou minha carreira, aprendi a dirigir e me casei. Pacote completo de aprendizado pra uma vida adulta precoce.
Como talvez já fosse previsto para um casal tão inexperiente, e diante de tantas grandes mudanças, decidimos nos divorciar pouco tempo depois. Mas apesar disso, mantemos uma ótima relação de amizade e vivo com meu filho regularmente aos finais de semana, feriados e férias.
Como tenho menos tempo com ele, tento aproveitar nossos momentos fazendo coisas divertidas. No final do último ano, por exemplo, passamos uns bons dias fazendo o que há de mais gostoso pra se fazer com os filhos nas férias: dormir e acordar tarde, comer besteiras, passear, e ver filmes.
Conforme ele tem crescido, tenho experimentado apresentar a ele filmes e desenhos que eu gostava bastante na minha infância. Descobri que isso é também uma boa forma de me entreter sem querer pular pela janela cada vez que o mapa da Dora, a Aventureira repetia pela quinta vez o nome dos negócios.
Resolvi começar com uns filmes de aventura que só a galera dos anos 80 sabia fazer. Escolhi um dos meus filmes do coração: De Volta para o Futuro.
Pra minha surpresa, ele não só adorou, como pude ver as engrenagenzinhas na cabeça dele girando loucamente, tentando entender toda aquela complexa lógica de viagens no tempo e roupas cafonas. “Pai, agora ele tá no futuro?”; “Porque agora ele está mais velho?”; “Ela é a mãe dele?”.
Agora, toda vez que a gente pega ônibus que tem marcador de velocidade no teto, eu brinco: “Olha lá filho, quando chegar a 88 a gente vai pro futuro!” e ele morre de rir.
Outro dia decidi levá-lo comigo a uma loja pra provar um tênis que eu queria dar de presente a ele. Um modelo exatamente igual a um que uso até a exaustão, desses de cano baixo, preto e com solado branco, só que miniatura.
Aproveitei que estavam com um preço legal e decidi escolher mais um, enquanto meu filho apostava corrida com ele mesmo pelos corredores da loja. Novamente peguei um que achei legal, no mesmo estilo do outro só que com tons de cinza e verde.
Chamei ele para prová-los e ver o que achava e, ao vê-los, ele disse com toda determinação: “Só quero esse preto pai, esse outro eu não gostei não!”
Quando criança eu não podia me dar muito ao luxo de escolher certas coisas e, apesar de talvez ter melhores condições que meus pais tinham, tento educá-lo para que não se torne uma criança mimada.
Como estavam por um preço muito barato, insisti pra que ele levasse o segundo. Ele se manteve firme.
Depois de muita recusa, sugeri que ele mesmo escolhesse um que o agradava. Ele escolheu um modelo de cor amarelo queimado, até que bem bonito e estiloso, mas que a princípio não achei tão legal. Porém, quando colocou no pé, não tive como negar: combinou muito com ele.
Creio que o sonho, e até o instinto, de quase todo pai seja que os filhos sigam a mesma profissão, torçam pro mesmo time, usem roupas parecidas, ou se interessem pelas mesmas coisas. Mas nunca me agradou muito a ideia de ver nele meu reflexo perfeito. Um mini-Léo.
Quando foi capaz de recusar minha sugestão, me dei conta de que mesmo tão pequeno, ele já estava apresentando traços de personalidade própria, e fiquei feliz por isso.
Percebi que me cabe como pai ajudá-lo em seu desenvolvimento, sim, mas às vezes me manter nos bastidores, deixando-o errar, acertar, escolher, tatear, sentir… Permitir que ele possa perceber a vida com seus critérios e usar isso para aprender a ouvir seu próprio coração.