Eram quase 2 horas da madrugada de anteontem e a televisão continuava transmitindo imagens estarrecedoras de fúria e destruição que poderiam ser da Turquia ou da Síria. Mas o barulho ensurdecedor dos helicópteros sobrevoando nossos prédios não deixava dúvida: o clima de guerra civil era aqui, em Ipanema e, principalmente, no Leblon, bairros conhecidos pelo hedonismo e não pelos conflitos. Algo de estranho acontecia.
As manifestações anteriores já davam sinais de que as hordas de vândalos estavam fugindo ao controle. Nesta, foi pior: o controle passou a ser deles, que ditaram o ritmo da violência e da desordem.
Mascarados, travestidos de grupos políticos, eles se infiltraram entre os manifestantes e, como bárbaros, devastaram o que encontraram pela frente: quebraram vitrines, saquearam lojas, invadiram agências bancárias. “Em 50 anos nunca vi coisa igual”, disse um antigo morador da região.
Ao contrário das outras vezes, em que a polícia foi acusada de truculência e excessos, desta vez ela foi omissa. Segundo várias testemunhas, só agiu depois que o tumulto e o caos haviam tomado conta das ruas. E, no entanto, como disse alguém, foi “um passeio pelo Código Penal”, tantos os crimes cometidos: formação de quadrilha, dano ao patrimônio privado, furto, arrombamento, incêndio, explosão. Por que a polícia não agiu?
No dia seguinte, o comandante da PM, coronel Erir Ribeiro, justificou-se, referindo-se a um certo pacto que teria sido firmado com a Anistia Internacional e a OAB para a redução do uso de armas não letais, como gás lacrimogêneo, nos protestos desta semana. Para ele, isso não funcionou.
Porém, o presidente da Ordem, Felipe Santa Cruz, nega o acordo e lança uma grave suspeita — a hipótese de que a polícia teria agido assim, de forma política, “para jogar a opinião pública contra os manifestantes”.
Finalmente, se algo de positivo ficou desta crise na segurança pública foi a decisão do procurador-geral da Justiça, Marfan Vieira, de criar uma comissão especial formada por representantes do Ministério Público e das Polícias Civil e Militar, com o objetivo de identificar os grupos responsáveis pelo vandalismo e puni-los.
Dois deles pelo menos serão investigados: os Black Blocs e os Anonymous. Os primeiros, que se dizem de inspiração anarquista, foram vistos à frente de arruaças em quase todas as manifestações. Por que essas providências só foram tomadas agora, quase em cima da chegada do Papa, só Deus sabe.