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A prova da falta de provas, por Janio de Freitas na Folha

As entrevistas dos integrantes da força-tarefa da Lava Jato, para comunicar a denúncia formal contra quatro ex-deputados, confirmam a impressão de que as delações premiadas movimentam muitas acusações e suspeitas, mas não suprem a carência de investigações para produzir provas. E, sem provas, as delações agitam e impressionam, no entanto não superam a sua precariedade para enfrentar as exigências de um julgamento correto.
Não que as acusações aos quatro sejam infundadas. Podem ser em tudo verdadeiras. É mesmo o que sugerem os currículos de Pedro Corrêa e Luiz Argôlo, e ainda as afirmações recentes sobre o ex-petista André Vargas e Aline Corrêa, filha de Pedro. Chega a parecer que foram escolhidos, para inaugurar a galeria dos denunciados, por não provocarem questionamentos às acusações expostas.
O que não diminuiu os pedidos, dos repórteres aos entrevistados, de esclarecimentos e mais pormenores sobre pontos envolvendo as esperadas provas. As respostas não puderam sair da vaguidão. Os procuradores não tergiversavam, foram bastante fracos. Mas as respostas eram "isso [as provas] vai ser apurado durante a ação", "ainda não temos", "estamos buscando", coisas assim.
A pretendida indicação objetiva de prova foi mais insatisfatória. "Deu mais de mil telefonemas" para tal ou qual entidade pode ser um indício, mas, no caso, nada prova. Pior ainda: "Ele tinha entrada na Caixa". Ainda que somadas, constatações assim podem fazer convicção, mas é improvável que façam condenação.
Para uma operação que há um ano e dois meses já punha suspeitos na cadeia, o coletado contra os quatro denunciados e, ao que parece, dos mais fáceis acusáveis é, pelo que foi exposto, muito pouco. A impressão de disparidade entre as delações premiadas prioritárias e as investigações policiais necessárias permanece. Agora, ela sim, com prova.
PERDAS E GANHOS

Jânio de Freitas: uma falta útil

Ainda distantes, as decisões do Supremo Tribunal Federal para os julgamentos de réus da Lava Jato, lá mesmo ou em outras instâncias, já acumulam um potencial de surpresas e polêmicas tão volumoso quanto interessante. Não só em contradições de depoentes e entre eles, em disparidades com o propalado, como os "R$ 10 bilhões recebidos" pelos quatro da Petrobras, e em possíveis revelações. Também procedimentos dos condutores da Lava Jato estão sujeitos a revisões, a exemplo da recente concessão, pelo Supremo, de habeas corpus a nove dos presos, por falta de base legal para sua extensa prisão preventiva.
Apesar de suplantada por outros destaques, gravíssima informação surge na entrevista da advogada Dora Cavalcanti a Mario Cesar Carvalho (Folha, 1º.mai) e junta-se a fatos em geral invalidáveis pela Justiça. Como foram a difusão, para atrair denunciantes, de constatações inverdadeiras, iludindo também os meios de comunicação, e como é o uso de coerção a delatores.
Aqui mesmo foi publicado, a propósito das delações premiadas que se iniciavam na Lava Jato, a falta de condições do doleiro Alberto Youssef para ser agraciado com esse direito de comprar liberdade. Youssef já o recebera em 2004 no caso Banestado, com o compromisso de não voltar ao crime. A respeito, diz Dora Cavalcanti:
"Ele quebrou a delação em 2006 e essa quebra da palavra não foi levada ao ministro Teori Zavascki na chancela da nova delação".
Não foi levada ao ministro-relator e ao Supremo no pedido de autorização para o acordo de delação premiada com Alberto Youssef, mas, se incluída como devia na petição, não seriam necessários mais motivos para recusa a novo acordo.
É a validade da delação premiada de Youssef que está sujeita até a invalidação, nos termos da limpidez legal já cobrada pelo ministro Zavascki nos habeas corpus dos nove presos. Os desdobramentos desta esperada polêmica são imprevisíveis.
Certo é que a omissão, seja qual for a interpretação a ela dada, desde logo propõe ao Supremo a confrontação mais minuciosa entre as denúncias formais a lhe serem apresentadas e os respectivos depoimentos e documentos em que devem fundar-se.
na Folha de São Paulo

Jânio de Freitas: É isto!

PT se cala e Psdb fala demais, restam a falsa moralidade e a hipocrisia

O PT não se faz merecedor de dúvida nem de confiança até que os acertos e erros da Lava Jato se tornem públicos
Três aspectos distintos, embora factualmente conexos, destacam-se na situação complexa que a prisão do tesoureiro do PT veio tornar mais tóxica.
Sem ordem de importância, um dos aspectos pode começar como contestação ao líder do PT na Câmara, Sibá Machado, segundo o qual João Vaccari Neto foi vítima de uma "prisão política". Política, e de péssima política, é a ideia exposta por Sibá. O PT está sufocado por acusações de diferentes fontes e igual gravidade, na confusa Operação Lava-Jato. Chegou a tal situação sem dar às acusações uma resposta enfática, pelo teor e pela firmeza.
Talvez o PT não pudesse dar resposta objetiva às acusações porque os condutores da inquirição não divulgam o contexto completo dos depoimentos, mas só as suas violações dirigidas do alegado segredo de justiça.



Artigo dominical de Jânio de Freitas



Desajuste
A realidade econômica e social vivida pelo Brasil em 2014 começou a ser mostrada no final da semana pelo IBGE, que tem as estatísticas menos desconfiáveis. São dados, incluído o cabalístico PIB, que não atestam a escandalosa crise econômica na qual o nosso dia a dia mental e físico está atolado há mais de quatro meses.

Jânio de Freitas - Relações premiadas

- Falar, escrever é fácil. Quero ver fazer - 

Mesmo incompleta, por força de indecisões presidenciais e de voracidades partidárias insatisfeitas, a montagem do ministério para o segundo governo Dilma Rousseff é uma demonstração de que os problemas de governo e de sistema político são, no Brasil, mais complexos e mais típicos do que em geral se admite.
As más composições do conjunto de ministérios, tornadas norma desde o início da redemocratização, estão explicadas como consequência forçosa do "presidencialismo de coalizão". Na primeira delas, o governo foi aberto para a oposição à ditadura, sob o estandarte do PMDB, e para o segmento de apoiadores da ditadura que por fim a abandonaram, reunidos no que seria o PFL.
A multiplicação dos partidos, hoje mais de 30, instaurou a desordem. Na consequente divisão do Congresso entre múltiplas representações partidárias, várias bancadas não têm expressão política, mas todas são votos na Câmara e no Senado. Votos de que os governos precisam. A obtenção circunstancial desses votos é feita pelo sistema "é dando que se recebe", uma combinação de cinismo e corrupção que já serviu até para dar um segundo mandato de presidente. A maneira dos governantes obterem apoio com alguma permanência é a compra paga com participação no governo: o presidencialismo de coalizão --e de imoralidade e ineficiência.
Uma desgraceira, mas com explicação possível. E não completada em si mesma: há o acréscimo inexplicável. É, consumada a coalizão, a parte presidencial, da sua escolha ou aceitação do nome para representar o partido coligado. Esta segunda etapa é pior do que a primeira. Não só por ser agravante da anterior, mas por não ter sequer a desculpa do sistema viciado que a exige. Sua causa é pessoal: está em cada presidente, inescrutável, no máximo presumida, às vezes.
Só para exemplificar (no entanto, sem os pontos de exclamação merecidos): Renan Calheiros ministro da Justiça de Fernando Henrique; Geddel Vieira Lima, do grupo dos "anões da Câmara" que assaltavam o Orçamento, ministro da Integração Nacional de Lula, quando destinou à Bahia 90% das verbas para uso em todos os Estados (nem assim os baianos o elegeram governador).
Incompleto embora, o novo ministério de Dilma é pródigo no inexplicável. O pastor George Hilton em Esporte, Aldo Rebelo em Ciência e Tecnologia e Jaques Wagner na Defesa podem revelar-se admiráveis nas suas áreas, a vida cria surpresas. Mas a escolha de seus nomes não pode ter partido dessa expectativa de Mega-Sena com cartão simples.
Na ausência total de qualificação para a Defesa, quando o Brasil precisa repensar suas ideias militares obsoletas, Jaques Wagner talvez se explique por suas relações especiais com Dilma. Diante da aberração que é o atraso científico do Brasil, não há como entender que Ciência e Tecnologia não fique com um cientista, em vez de usado como quebra-galho para agrado ao PC do B. Consta que, para evitar problemas, a supervisão dos preparativos da Olimpíada-16 ficará na Casa Civil da Presidência com Aloizio Mercadante. É uma confissão da escolha descabida para Esporte. E um modo de causar dano mútuo à Olimpíada e à Casa Civil.
Baixa compreensão do que é política, conceitos errados de administração pública, escassa noção de responsabilidade, desinteresse funcional, presunção em excesso, confusão entre relações pessoais e instâncias públicas --seja algo por aí ou seja o que for, o "presidencialismo de coalizão" faz muito mal ao Brasil, mas os presidentes conseguem torná-lo ainda pior.


ANO NOVO
Se você está no lado garantido na vida, aproveite-o bem em 2015. Se está no outro, que a sorte não lhe falte.

Certas generalizações já pressupõem as exceções

Pressões e exceções
Jânio de Freitas

O desabafo do ministro Celso de Mello, acusando "inaceitáveis pressões" dos meios de comunicação sobre ele, e a reação da Folha, que se sentiu injustiçada na generalização, tocam em dois problemas importantes nas relações entre o jornalismo e os leitores/ouvintes. Um, problema atual. O outro, permanente.

A dura reação da Folha (27.set), que em editorial apoiou a decisão do ministro por um recurso para determinados réus do mensalão, não é incompatível com a verdade subjacente nas duras palavras do ministro. É fácil comprová-la a cada dia, para quem lê mais de um jornal, ou ouve rádio e TV.

Jânio de Freitas


Jânio Sérgio de Freitas Cunha nasceu em Niterói (RJ), em 9 de junho de 1932, filho de Antônio de Araújo Cunha, agrônomo, e Jati Jussara de Freitas Cunha. Começou sua carreira como desenhista na Revista do Diário Carioca, em 1953.
Entrou no jornalismo por acaso, quando um acidente esportivo o obrigou a afastar-se temporariamente da carreira que tinha escolhido, a aviação civil. Como era bom desenhista, passou a diagramador. No entanto, seu gosto pela escrita fez com que, em pouco tempo, acumulasse a esta função a de repórter. Na reportagem geral trabalhou com Luís Paulistano. Pompeu de Sousa deu-lhe então a oportunidade de fazer a primeira página do jornal. Nessa ocasião passou também a trabalhar na revista Manchete como redator. Assim, em 1955 fez parte da equipe de jornalistas que renovou a Manchete, onde foi repórter, fotógrafo, diagramador e redator-chefe. Essa experiência o ajudou, anos mais tarde, em 1959, a participar da reforma do Jornal do Brasil.
Em 1957 saiu do Diário Carioca e da Manchete e foi para o Jornal do Brasil, atividade que conciliou com mais dois empregos: um na revista O Cruzeiro, para onde foi em 1958, e outro na Rádio Jornal do Brasil.
No fim de 1958, Odilo Costa Filho saiu do Jornal do Brasil e, logo depois, seu diretor, Nascimento Brito, entusiasmado com a página de esportes, sugeriu que Jânio comandasse a reforma do jornal. Não houve acordo salarial, no entanto, e Jânio foi afastado da editoria de esportes, ficando na chefia do copidesque. Alguns meses depois, Nascimento Brito tornou a fazer o convite com alteração salarial. No entanto, Jânio convenceu Brito de que a reforma gráfica exigiria também uma reforma industrial, pois a impressão do jornal não era de boa qualidade. Teve sua proposta aceita, mas assumiu o compromisso de dobrar a tiragem do jornal em um ano. Levou dois dias para elaborar o projeto e colocá-lo em prática. Em 3 de junho de 1959, o novo JB estava nas bancas.
Em 1963 foi para o Correio da Manhã. Em 1967, assumiu a direção-geral da Última Hora do Rio de Janeiro. No ano seguinte montou uma revista semanal, Direta, que não vingou. Passou para oJornal dos Sports equipando-o com offset em 1969.
Ingressou na Folha de S. Paulo em 1980, e em 1983 começou a publicar a coluna política que mantém até hoje, onde publicou algumas notícias exclusivas. Entretanto, seu maior "furo" de reportagem deu-se em maio de 1987, quando teve acesso a informações que comprovaram a existência de fraude na concorrência da ferrovia Norte-Sul, orçada em 2,4 bilhões de dólares, e que percorreria 1.600 quilômetros de Goiás ao Maranhão, constituindo-se num principais projetos do governo José Sarney. De posse do resultado da concorrência fraudada, que seria divulgado em poucos dias, Jânio e os editores da Folha decidiram publicá-lo em código sob a forma de anúncio no caderno de classificados. No dia seguinte ao da divulgação da concorrência a Folha republicou o anúncio denunciando a fraude. A denúncia provocou a anulação da concorrência e o adiamento das obras da ferrovia. Essa reportagem rendeu-lhe cinco prêmios de jornalismo, entre os quais o Esso e o Prêmio Internacional Rei de Espanha.
[Fonte: Dicionário Histórico Biográfico Brasileiro pós 1930. 2ª ed. Rio de Janeiro: Ed. FGV, 2001]

Jânio de Freitas: e se Genoíno for inocente?


Seja qual for a verdade a que José Genoino se refere, como razão da sua "consciência serena e tranquila" e a surgir "mais cedo ou mais tarde", sua decisão entre aceitar ou recusar a volta à Câmara é, a meu ver, de apreciação muito menos simples do que pareceu à maioria das opiniões divulgadas.

Pensei cá comigo, como faço nas dúvidas frequentes, em como agiria sob situação semelhante. Não achei resposta segura.

O motivo maior do impasse, entre vários, partiu da firmeza com que Genoino se afirma inocente, desde o início do escândalo. E cada vez com maior emoção.

Calma aí, não são todos os acusados que se dizem inocentes, não. Nem mesmo no caso desse denominado mensalão.

Marcos Valério e Delúbio Soares não o fizeram. Procuraram minimizar parte dos seus atos, justificar outros e negaram alguns, isso sim.

Coluna dominical de Jânio de Freitas

Também para a história

Outras peculiaridades, além das dimensões e da fartura de condenações, confirmam o peso histórico atribuído com antecedência ao chamado julgamento do mensalão, também referido com frequente ironia como ação penal 470.
É possível que já houvesse, entre os julgadores e entre os julgados, personagens mais cedo ou mais tarde destinados à história, e outros aos buracos de todas as memórias. O julgamento igualou-os, mas ficou a injusta recusa a três pessoas de passarem também à história.
Documentos comprovam as assinaturas e rubricas de quatro representantes do Banco do Brasil, dois diretores e dois gerentes executivos, nas transações com a DNA de Marcos Valério em torno da Visanet. Incluído na ação penal 470, porém, foi um só. Os três restantes foram deixados para processo comum, de primeira instância, com direito a todos os recursos às instâncias superiores, se condenados, e demandas de defesa. Ou seja, possibilidade de sucessivas defesas e múltiplos julgamentos. Direito não reconhecido aos julgados no Supremo Tribunal Federal, por ser instância única.
Os três barrados da história têm em comum o fato de que já estavam nos cargos de confiança durante o governo Fernando Henrique, neles sendo mantidos pelo governo Lula. E, em comum com o condenado pelo STF, terem os quatro sempre assinado em conjunto, por norma do BB, todas as decisões e medidas relativas ao fundo Visanet. Dado que uma das peculiaridades do julgamento foi o valor especial das ilações e deduções, para efeito condenatório, ficou liberada, para quem quiser, a inquietante dedução de tratamento discriminatório e político, com inclusão nas durezas do STF apenas do diretor definido como originário do PT.
O benefício desfrutado pelos três não foi criado pelo relator Joaquim Barbosa, que o encontrou já na peça de acusação apresentada pelo procurador-geral Roberto Gurgel, e o adotou. Um dentre numerosos problemas, sobretudo quanto a provas. Por exemplo, como registrado a certa altura do julgamento nas palavras bem dosadas de Marcelo Coelho:
"O ponto polêmico, na verdade, recai sobre a qualidade das provas para incriminar José Dirceu. Não houve nenhum e-mail, nenhuma transcrição de conversa telefônica, nenhuma filmagem, provando claramente que ele deu ordens a Delúbio Soares para corromper parlamentares".
A condenação de José Dirceu está apoiada por motivos políticos. E, à falta das provas cabais para condenação penal, forçosamente originada de motivações políticas. Bastará, no futuro histórico do julgamento, para caracterizá-lo como essencialmente político. Caracterização que se reforça, desde logo, pelo tratamento amigável concedido ao mensalão precursor, o do PSDB, de 1998 e há 14 anos acomodado no sono judicial.
E caracterização outra vez reforçada pela incontinência do procurador-geral Roberto Gurgel, com seu pedido de prisão imediata dos réus condenados sem que representem perigo e sem que o processo haja tramitado em julgado. A busca de "efetividade" da ação judicial, invocada pelo procurador-geral para o pedido negado por Joaquim Barbosa, ficaria muito bem no caso em que se omitiu, com explicação tardia e insuficiente.
Houvesse, então, o apego à efetividade, o Ministério Público estaria em condições de evitar a enrolação de negociatas que usa Carlos Cachoeira como eixo, inclusive no Congresso.
No primeiro dia do julgamento, o relator chamou o revisor de "desleal", por manter a opinião que o relator abandonou. No segundo, o revisor foi posto pelo relator sob a insinuação de ser advogado de defesa do principal acusado, Marcos Valério. E de destrato em destrato até o fim, o julgamento criou mais uma inovação inesperada para destacá-lo nos anais.

Artigo dominical de Jânio de Freitas

À procura da uma crise

A época das crises institucionais parecia encerrada em definitivo. Foi o que sugeriu a travessia da crise política do mensalão, sem sua progressão para a crise institucional ansiada por muitos no empresariado e na política. São poucas as letras, aqui, não só entre os reconhecidos como pouco letrados, daí que nossas crises não encontrem seus cronistas. Se aquela tivesse o seu, seria mais clara a natureza do problema que emerge nestes dias.
O risco de enfrentamento do Supremo Tribunal Federal e da Câmara dos Deputados é real.
O presidente da Câmara, Marco Maia, é muito zeloso do que entende como sua função e está determinado a aplicar o art. 55 da Constituição, que confere aos deputados a tarefa de cassar o mandato de colega condenado sem mais recurso.
O ministro Joaquim Barbosa não é menos direto em sentido contrário. Entende que o ato final do julgamento tem que ser a cassação de mandato dos deputados condenados, com base no poder que a Constituição confere ao tribunal para cassar mandatos parlamentares. Marco Maia é seco ao falar de sua determinação. Joaquim Barbosa não recolhe o tom de desafio. Só concede à possível "deliberação da Casa Legislativa [a Câmara] efeito meramente declaratório". Mais:
"Mandamos a decisão [a cassação dos mandatos] para a Câmara e ela faz o que ela bem entender. Se a Câmara resolver que esse ou aquele parlamentar será protegido, que arque com as consequências". Joaquim Barbosa pôs em dúvida que a Câmara confirme o decidido pelo STF nos casos dos deputados.
Que consequências seriam? A adotar o valor dado a deduções pelo Supremo, para atribuir as culpas criminais a alguns réus, seria possível voar alto nas especulações. Não é preciso. A expressão "arque com as consequências" é velha conhecida como indicadora de consequências severas. Em confrontação de Supremo e Câmara, as consequências só poderiam configurar uma crise institucional. Como todas as do gênero, de efeitos imprevisíveis.
O quanto estamos próximos ou distantes disso também não se sabe. Há políticos e jornalistas ocupando-se de contas e combinações de votos, consideradas as posições conhecidas dos ministros e as possibilidades de variação, no caso, deste ou daquele. O resultado da especulação é só especulação.
A falta de sentido do risco instalado cresce ao pensar-se que o problema nem é cassar ou não cassar os mandatos dos condenados com trânsito em julgado. Até agora, a lógica da incompatibilidade entre condenação e mandato na Câmara prevalece, como esperável. O risco vem da maneira de aplicar o afastamento, se pela Câmara ou pelo Supremo.
Chega a parecer pueril. E, no entanto, é das instituições democráticas que se trata.

Jânio de Freitas: a voz das provas


Relator Joaquim Barbosa se expandiu em imputações compostas só de palavras; tem sido um comportamento reiterado
Foi uma das coincidências de tipo raro, por sua oportunidade milimétrica e preciosa. Várias peculiaridades do julgamento no STF, ontem, foram antecedidos pela manchete ao pé da página A6 da Folha de domingo, título de uma entrevista com o eminente jurista alemão Claus Roxin: "Participação no comando de esquema tem de ser provada".
O subtítulo realçava tratar-se de "um dos responsáveis por teoria citada no julgamento do STF", o "domínio do fato". A expressão refere-se ao conhecimento de uma ocorrência, em princípio criminosa, por alguém com posição de realce nas circunstâncias do ocorrido. É um fator fundamental na condenação de José Dirceu, por ocupar o Gabinete Civil na época do esquema Valério/PT.
As jornalistas Cristina Grillo e Denise Menchen perguntaram ao jurista alemão se "o dever de conhecer os atos de um subordinado não implica corresponsabilidade". Claus Roxin: "A posição hierárquica não fundamenta, sob nenhuma circunstância, o domínio do fato. O mero ter que saber não basta". E citou, como exemplo, a condenação do ex-presidente peruano Alberto Fujimori, na qual a teoria do "domínio do fato" foi aplicada com a exigência de provas (existentes) do seu comprometimento nos crimes. A teoria de Roxin foi adotada, entre outros, pelo Tribunal Penal Internacional.
Tanto na exposição em que pediu a condenação de José Dirceu como agora no caótico arranjo de fixação das penas, o relator Joaquim Barbosa se expandiu em imputações compostas só de palavras, sem provas. E, em muitos casos, sem sequer a possibilidade de se serem encontradas. Tem sido o comportamento reiterado em relação à quase totalidade dos réus.
Em um dos muitos exemplos que fundamentaram a definição de pena, foi José Dirceu quem "negociou com os bancos os empréstimos". Se assim foi, é preciso reconsiderar a peça de acusação e dispensar Marcos Valério de boa parte dos 40 anos a que está condenado. A alternativa é impossível: seria apresentar alguma comprovação de que os empréstimos bancários tiveram outro negociador -o que não existiu segundo a própria denúncia.
Outro exemplo: a repetida acusação de que José Dirceu pôs "em risco o regime democrático". O regime não sofreu risco algum, em tempo algum desde que o então presidente José Sarney conseguiu neutralizar os saudosos infiltrados no Ministério da Defesa, no Gabinete Militar e no SNI do seu governo. A atribuição de tanto poder a José Dirceu seria até risível, pelo descontrole da deformação, não servisse para encaminhar os votos dos seguidores de Joaquim Barbosa.
Mais um exemplo, só como atestado do método geral. Sobre Simone Vasconcelos foi onerada com a acusação de que "atuou intensamente", fórmula, aliás, repetida de réu em réu. Era uma funcionária da agência de Marcos Valério, por ele mandada levar pacotes com dinheiro a vários dos também processados. Não há prova de que soubesse o motivo real das entregas, mesmo admitindo desde a CPI, com seus depoimentos de sinceridade incomum no caso, suspeitar de motivo imoral. Passou de portadora eventual a membro de quadrilha e condenada nessa condição.
Ignoro se alguém imaginou absolvições de acusados de mensalão. Não faltam otimistas, nem mal informados. Mas até entre os mais entusiastas de condenações crescem o reconhecimento crítico do descritério dominante, na decisão das condenações, e o mal-estar com o destempero do relator Joaquim Barbosa. Nada disso "tonifica" o Supremo, como disse ontem seu presidente Ayres Britto. Decepciona e deprecia-o -o que é péssimo para dentro e para fora do país.

A verdade sempre prevalece. É apenas uma questão de tempo

Tão próximas e tão opostas 
O Rio fazia o máximo de sensacionalismo, inclusive com falsificações, nos seus anos críticos de violência urbana. São Paulo procurou esconder e negou sua presença entre os Estados onde, nos últimos 30 anos, foi ou é mais virulenta a epidemia da criminalidade. O governo paulista persiste no erro, de consequências sempre graves.


É recente a abertura de espaço na imprensa rica de São Paulo para ocorrências criminais e problemas da segurança paulista e, mais ainda, paulistana.

No Rio, o sensacionalismo leviano, e muito infiltrado de objetivos políticos, atrapalhou os esforços intermitentes de ação governamental contra a disseminação da violência, e afundou a cidade e sua imagem em mitologias destrutivas.

Em São Paulo, a longa omissão jornalística, por mera vaidade provinciana, deixou sua contribuição para a insegurança continuada, ou mais do que isso.

A omissão jornalística dos assuntos de dimensão social resulta na omissão das pressões políticas e administrativas implícitas no jornalismo. Não por outro motivo foi sempre tão fácil para o poder político, décadas após décadas, preservar no Brasil as desigualdades sociais em todas as suas muitas formas, sem complacência nem sequer com as mais perversas.

Na atual onda paulista de homicídios, já em setembro o seu número na capital chegou a mais de 102%, ou 144 mortes, acima do havido em setembro do ano passado, com 71 mortes.

O governador Geraldo Alckmin e seu secretário de Segurança, Antonio Ferreira Pinto, negaram a onda, negaram conexão entre assassinatos, negaram motivação de algum bando.

O secretário chegou a estabelecer em apenas 40 os criminosos integrantes de organização.

Em outubro, na mesma cadência do aumento dos homicídios diários a repetidos picos, governador e secretário negaram-lhes maior anormalidade e algum problema na segurança governamental.

Daí, o governo paulista foi para a desculpa final, aquela a que só resta penetrar no ridículo: o aumento do índice de crimes deve-se à mobilidade das motos e à falta de combate ao crime, pelo governo federal, nas fronteiras. Mas antes da atual onda de homicídios as motos já eram como são, e a situação nas fronteiras já era o que é.

Já não importa a continuação das negaças. O governo não resistiu à pressão das evidências noticiadas.


Admita-o ou não, lançou-se em uma operação em áreas de favelas que desmente todas as suas recusas a ações conectadas na onda de homicídios e, portanto, intencionais por parte de um dos bandos (ou facções, ainda na velha maneira de não admitir que São Paulo tenha bandos).

Cada região assolada pela epidemia de criminalidade requer estratégias e táticas adequadas às condições locais.

O que tem alcançado êxitos no Rio não é, necessariamente, o procedimento a ser aplicado a problemas alheios. Mas um fator adotado no Rio é indispensável a todos: a recusa a subterfúgios, sempre interesseiros ou temerosos, e o reconhecimento franco da realidade. Até porque a população sabe o que a aflige e não cai nas tapeações de governantes.
Daniel Marenco/Folhapress
Janio de Freitas, colunista e membro do Conselho Editorial da Folha, é um dos mais importantes jornalistas brasileiros. Analisa com perspicácia e ousadia as questões políticas e econômicas. Escreve na versão impressa do caderno "Poder" aos domingos, terças e quintas-feiras.

Jânio de Freitas: A mentira, a mesada e o mensalão


Passados sete anos, ainda não se sabe quanto houve de mentira na denúncia inicial de Roberto Jefferson
A mentira foi a geradora de todas as verdades, meias verdades, indícios desprezados e indícios manipulados que deram a dimensão do escândalo e o espírito do julgamento do "mensalão".
Por ora, o paradoxo irônico está soterrado no clima odiento que, das manifestações antidemocráticas de jornalistas e leitores às agressões verbais no Supremo, restringe a busca de elucidação de todo o episódio. Pode ser que mais tarde contribua para compreenderem o nosso tempo de brasileiros.
Estava lá, na primeira página de celebração das condenações de José Dirceu e José Genoino, a reprodução da primeira página da Folha em 6 de junho de 2005. Primeiro passo para a recente manchete editorializada -CULPADOS-, a estonteante denúncia colhida pela jornalista Renata Lo Prete: "PT dava mesada de R$ 30 mil a parlamentares, diz Jefferson". O leitor não tinha ideia de que Jefferson era esse.
Era mentira a mesada de R$ 30 mil. Nem indício apareceu desse pagamento de montante regular e mensal, apesar da minúcia com que as investigações o procuraram. Passados sete anos, ainda não se sabe quanto houve de mentira, além da mensalidade, na denúncia inicial de Roberto Jefferson. A tão citada conversa com Lula a respeito de mesada é um exemplo da ficção continuada.
A mentira central deu origem ao nome -mensalão- que não se adapta à trama hoje conhecida. Torna-se, por isso, ele também uma mentira. E, como apropriado, o deputado Miro Teixeira diz ser mentira a sua autoria do batismo, cujo jeito lembra mesmo o do próprio Jefferson.
Nada leva, porém, à velha ideia de alguém que atirou no que viu e acertou no que não viu. A mentira da denúncia de Roberto Jefferson era de quem sabia haver dinheiro, mas dinheiro grosso: ele o recebera. E não há sinal de que o tenha repassado ao PTB, em nome do qual colheu mais de R$ 4 milhões e, admitiria mais tarde, esperava ainda R$ 15 milhões. A mentira de modestos R$ 30 mil era prudente e útil.
Prudente por acobertar, eventualmente até para companheiros petebistas, a correnteza dos milhões que também o inundava. E útil por bastar para a vingança ou chantagem pela falta dos R$ 15 milhões, paralela à demissão de gente sua por corrupção no Correio. Como diria mais tarde, Jefferson supôs que o flagrante de corrupção, exibido nas TVs, fosse coisa de José Dirceu para atingi-lo. O que soa como outra mentira, porque presidia o PTB e o governo não hostilizaria um partido necessário à sua base na Câmara.
Da mentira vieram as verdades, as meias verdades e nem isso. Mas a condenação de Roberto Jefferson, por corrupção passiva, ainda não é a verdade que aparenta. Nem é provável que venha a sê-lo.
MAIS DEDUÇÃO
Em sua mais recente dedução para voto condenatório, o presidente do Supremo, Ayres Britto, deu como certo que as ações em julgamento visaram a "continuísmo governamental.
Golpe, portanto, nesse conteúdo da democracia que é o republicanismo, que postula renovação dos quadros de dirigentes".
Desde sua criação e no mundo todo, alcançar o poder, e, se alcançado, nele permanecer o máximo possível, é a razão de ser dos partidos políticos. Os que não se organizem por tal razão, são contrafações, fraudes admitidas, não são partidos políticos.
Sergio Motta, que esteve politicamente para Fernando Henrique como José Dirceu para Lula, informou ao país que o projeto do PSDB era continuar no poder por 20 anos.
Não há por que supor que, nesse caso, o ministro Ayres Britto tenha deduzido haver golpe ou plano golpista. Nem mesmo depois que o projeto se iniciou com a compra de deputados para aprovar a reeleição.

Artigo semanal de Jânio Freitas


Culpados ou não
Dois erros comprometedores da acusação, cometidos e repetidos pelo procurador-geral Roberto Gurgel e pelo ministro-relator Joaquim Barbosa, no julgamento do mensalão poderiam ser muito úteis aos ansiosos por condenações gerais, prontos a ver possíveis absolvições como tramoia.
A acusação indicou que a SMPB, agência publicitária de Marcos Valério, só realizou cerca 1% do contrato de prestação de serviços com a Câmara dos Deputados, justificando os restantes 99%, para efeito de recebimento, com alegadas subcontratações de empresas.
A investigação que concluiu pela existência desse desvio criminoso foi da Polícia Federal, no seu inquérito sobre o mensalão. Iniciado o julgamento, várias vezes ouvimos e lemos sobre o desvio só possível com o conluio entre a agência e, na Câmara, interessados em retribuição por sua conivência.
O percentual impressionou muito. Mas o desvio não foi de 99%.
O ministro Ricardo Lewandowski, revisor da acusação feita pelo relator e, por tabela, da acusação apresentada pelo procurador-geral, deu-se ao trabalho de verificar os pagamentos feitos pela SMPB, para as tais subcontratações referidas pela acusação.
Concluiu que os pagamentos por serviços de terceiros, alegados pela agência, estavam bastante aquém do apresentado na acusação: cerca de 87% do contratado com a Câmara.
Como admitir que um inquérito policial apresente dado inverídico, embora de fácil precisão, com gravíssimo comprometimento das pessoas investigadas?
E como explicar que o Ministério Público, nas pessoas do procurador-geral e dos seus auxiliares, acuse e peça condenações sem antes submeter ao seu exame as afirmações policiais? E o que dizer da inclusão do dado inverídico, supõe-se que também por falta de exame, na acusação produzida pelo relator? Isso já no âmbito das atribuições do Supremo Tribunal Federal.
O erro de percentual está associado a outro, de gravidade maior. Assim como não houve os 99%, não houve a fraude descrita na acusação, ao que constatou o ministro revisor.
Os pagamentos às supostas empresas subcontratadas foi, de fato, pagamento de publicidade institucional da Câmara de Deputados nos principais meios de comunicação, com o registro dos respectivos valores. O percentual gasto foi adequado à média de 85% citada por publicitários ouvidos para o processo.
Faltasse a verificação feita pelo revisor Lewandowski, o dado falso induziria a condenações -se do deputado João Paulo Cunha, de Marcos Valério ou de quem quer que fosse já é outro assunto.
Importa é que, a ocorrer, seriam condenações injustas feitas pelo Supremo Tribunal Federal. Por desvio de veracidade.
Uma das principais qualidades da democracia é o julgamento que tanto pode absolver como condenar, segundo os fatos conhecidos e a razão. É o que o nosso pedaço de democracia deve exigir do julgamento do mensalão.

O que faz a democracia não é a alternância; é o voto livre e consciente, não importa qual seja

Desde o primeiro turno e ainda mais no segundo, encontra-se como justificativa da escolha eleitoral, até por eleitores do calibre de Hélio Bicudo, a crença ou a alegação de que a alternância de orientação político-partidária no poder é bastante para determinar a escolha, porque é essencial à democracia. Não é insultuoso constatar que se trata de velho chavão. Nem é insultuoso considerar que se trata de um dos péssimos modos de selecionar o voto.


Não é excepcional que a mudança completa no controle do poder produza resultados positivos. Mas a causa desse efeito não foi, como não é onde se esteja mostrando, a alternância em si. Alguma lógica eleitoral e, com frequência mais perceptível, o acaso costumam proporcionar as explicações.


Vou começar por um exemplo extremo, o republicano belicista George W. Bush fez governo melhor, seja em que quesito for, com sua alternância ao governo do democrata Bill Clinton? O centro-direitista Jacques Chirac foi melhor presidente do que François Mitterrand, do Partido Socialista Francês? Na Espanha, os ultra-direita liderados por Aznar fizeram alguma coisa melhor do que Felipe Gonsalez do inovador Partido Socialista Espanhol? No Brasil, Collor foi alternância positiva ao peemedebismo que se impôs à sucessão da ditadura e ao governo Sarney?



São todos esses exemplos, além de apenas ilustrativos, de nossos tempos recentes. Ampliar a geografia dos casos e descer na história desfaz toda a pretendida ligação essencial entre alternância político-partidária no poder e construção ou permanência democrática. Ou, por extensão, a alternância como razão para tal ou qual escolha do voto.



Voto consciente, já o nome indica, provém da identificação com o que o candidato expressa, provém do sentir-se mais representado por ele, ainda que em medida incompleta, do que por qualquer outro. Inclui-se em parte nesse caso a militância sectária, cujas opções estão mais afinadas com religiosidade desviada para a política e, tanto quanto a religiosidade voltada para o sobrenatural, oferecida à obediência. É um modo de identificação.



O voto é ato político. A impressão que fica, porém, na maioria dos recursos a argumentos como alternância, para justificar o voto, é a de que são usados como pretexto. Melhor, como biombos das razões da escolha ou da disposição de enunciá-las. Por quê? Ninguém está obrigado a expor sua escolha. Se decide fazê-lo, o sentido político do seu ato só será completo se houver a mesma sinceridade aplicada à escolha. Do contrário, é agir como o recriminado na prática dos políticos.



O que faz a democracia não é a alternância. É o voto livre e consciente, não importa qual seja.
por  Jânio de Freitas 

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