Rachel Duarte
A fim de pressionar o governo e o legislativo brasileiro sobre a questão de seus reajustes salariais, a categoria que recebe alguns dos mais altos salários do funcionalismo cruzou os braços na quarta-feira (7). Segundo a Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), quase a totalidade dos juízes federais e trabalhistas do país paralisaram as audiências e a publicação de sentenças e despachos. Em diversos estados ocorreram mobilizações em frente aos tribunais e os atos voltarão a acontecer nesta quinta-feira (8). Além da paralisação, 90% dos juízes também optaram por boicotar a Semana Nacional da Conciliação, promovida pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), de 7 a 14 de novembro.
Na sétima edição, a campanha envolve todos os tribunais brasileiros, os quais selecionam os processos que tenham possibilidade de acordo, solicitando às partes envolvidas que conversem a fim de solucionarem conflitos. A medida faz parte da meta de reduzir o grande estoque de processos na justiça brasileira. Neste ano, a Semana Nacional de Conciliação promove ações no sábado (10) e no domingo (11). Em 2011, o mutirão fez 349 mil audiências e cerca de 168 mil acordos de mais de R$ 1,07 milhão.
O coordenador do Movimento Gestor da Conciliação do CNJ, conselheiro Neves Amorim, não concorda com o boicote como forma de pressionar pelo reajuste reivindicado pelos juízes. “Não podemos avaliar o impacto que terá na campanha, mas utilizá-la para reivindicar reajuste só prejudica a população. Esta pressão interna feita em cima do CNJ, que é um órgão de gestão e de auxílio dos tribunais e não tem ingerência na atuação política junto ao STF (Supremo Tribunal Federal), é ineficiente”, considerou.
Os juízes reivindicam recomposição salarial de 28,86%. “Estamos no nosso limite. Já perdemos quase um terço do nosso poder aquisitivo. Não podemos mais conviver com esta indefinição da nossa política salarial”, afirma o presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), Renato Henry Sant’Ana.
O governo federal ofereceu reajuste de 15,8% até 2015, o mesmo percentual acordado com demais servidores federais em agosto deste ano. Os juízes federais e trabalhistas não aceitaram e propuseram uma readequação para cobrir as perdas dos anos anteriores. Com o protesto, os magistrados esperam sensibilizar os parlamentares sobre a decisão da taxa de reajuste e formas de atualizar salários por tempo de serviço. “Existem três projetos enviados pelo STF, que totalizam os 28% de ajuste, no Legislativo. Não há posição do parlamento, porém, sobre colocá-los em votação”, cobra o presidente da Anamatra.
Juízes defendem que não são os mais altos salários do país
Segundo Henry, desde 2005 a categoria não recebe um reajuste. O salário inicial de um juiz do trabalho é R$ 21.776,15, mas Henry defende-se das críticas que acusam os servidores responsáveis pela greve de receberem alguns dos mais altos salários no país. “A divulgação dos salários na internet ajudou a acabar com o mito de que os juízes recebem os maiores salários do funcionalismo. Existem outros servidores, como parlamentares e advogados da União, que no acumulado de gratificações e benefícios ganham muito mais do que o que aparece no bruto da folha”, afirma.
Um juiz substituto recebe um salário bruto de R$ 21.776,15. Quando é titularizado, o valor aumenta em 5%. A cobrança dos magistrados é devido a não haver outros ganhos relativos a tempo de serviço ou progressão de carreira, como outras categorias. “A divulgação dos salários do funcionalismo na internet ajudou a acabar com o mito de que os juízes ganham os maiores salários. Fiscais de tributos e mesmo ministros de estado ganham muito mais do isso, o que significa uma total inversão de valores: os salários dos juízes, que deveriam ser teto, acabaram virando piso dos altos cargos do funcionalismo”, compara.
Ele reconhece que a paralisação de dois dias acarretará prejuízos para os trabalhadores, que são os principais beneficiários da Justiça do Trabalho, mas acredita que a sociedade saberá entender a importância do movimento. “Quando um trabalhador que vive de salário deixa de se preocupar com seus ganhos, é porque arrumou outra forma de conseguir dinheiro. E não é isso que a sociedade espera dos juízes. Além disso, acredito que nossos vencimentos são compatíveis com o grau de responsabilidade do cargo”, acrescentou.
A Ordem dos Advogados do Brasil não se posicionou oficialmente sobre o tema. Já as seccionais tiveram posicionamentos individuais, como a OAB-SP, que criticou o movimento e o classificou como “corporativista”. A OAB-RS não tem opinião formada a respeito, informou o presidente Cláudio Lamachia. “Ainda não tive tempo de discutir com o colegiado”, disse.
No RS 90% aderem a paralisação
A magistratura do Trabalho do Rio Grande do Sul mostrou-se fortemente unida e aderiu de forma significativa ao movimento de paralisação de atividades nesta quarta-feira. De acordo com a Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho da IV Região mais de 90% das Varas do Trabalho gaúchas (são 126 no Estado) estão com as atividades suspensas, num procedimento que deve continuar até amanhã, de acordo com o calendário nacional de protesto contra a desvalorização da carreira e pela recomposição dos subsídios.
Os juízes gaúchos distribuíram mil folhetos explicando outras razões para a adesão ao movimento nacional. O Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região emitiu nota apoiando a paralisação e ao boicote à Semana Nacional de Conciliação, alegando confiança na razão da mobilização. “A Justiça do Trabalho do Rio Grande do Sul, honrando as suas mais elevadas tradições democráticas, sempre respeitou a preponderância da vontade coletiva e a liberdade de expressão”, disse o texto, assinado pela presidenta Maria Helena Mallmann.
Para o juiz do Trabalho do TRT 4, Roberto Siegmann, é necessária a paralisação para a defesa da autonomia do poder judiciário. “A estrutura democrática do país estabelece a separação dos poderes e a autonomia do judiciário. Não podemos ser colocados como o governo federal faz, no mesmo cálculo de recomposições do restante do funcionalismo”, alega. Segundo ele “é constitucional a recomposição anual sobre os vencimentos dos magistrados”, o que não ocorre há seis anos e gerou os quase 30% reivindicados pela categoria.
Os juízes recebiam antigamente os adicionais por tempo de serviço que compunham a remuneração, mas perderam com o ajuste sobre a recomposição ser com base no cálculo sobre o teto dos ministros do Supremo Tribunal Federal. “Queremos a integralidade do que é previsto na lei”, cobra Siegmann. “Como o legislativo e o executivo não tiveram iniciativa, o judiciário protesta porque não pode ficar na mão destes poderes. Se eles quiserem poderão levar à míngua nossos salários”, complementa.
A Semana de Conciliação
Como a mobilização nacional é voltada para os juízes federais, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ-RS) não aderiu o boicote a Semana Nacional de Conciliação. As negociações sobre reajustes em âmbito estadual são feitas direto com o parlamento e governo estaduais, por isso, nesta quarta-feira foi iniciada a conciliação dos 18 mil processos que devem ser mediados durante o período da campanha.
No caso dos juízes federais e do trabalho, o presidente da Amatra IV, Daniel Nonohay, afirma que a paralisação não trará prejuízo à sociedade, pois as audiências que deveriam ocorrer nestes respectivos dias de campanha do CNJ foram adiantadas ou agendadas para datas próximas. “Os juízes comparecem às unidades, despacham. Só não publicam os despachos e sessões ordinárias. Também não realizamos qualquer audiência. Vamos homologar tudo após o dia 15. Não haverá perda para a população”, garante.
Ele qualifica a Campanha Nacional de Conciliação promovida pelo CNJ um evento oportunista e cobra posicionamento da entidade sobre os pleitos dos juízes. “A natureza do nosso trabalho é a conciliação. Já fazemos isso todos os dias do ano. Essa campanha é para promover os membros do CNJ ou acumular dados estatísticos para apresentar à imprensa depois”, critica. E complementa: “Queremos que ele (CNJ) exerça o seu papel. Se não tem poder de deliberar politicamente, que apoie a recomposição para pressionar o Congresso”.
De acordo com a Amatra IV, há outras motivações no rol de reivindicações dos juízes gaúchos para a adesão da paralisação. Ele apresentou uma pauta com a necessidade de um plano de segurança para os juízes que atuam nos conflitos agrários, casos de trabalho escravo ou crime organizado; recomposição inflacionária anual e garantia de aposentadoria compatível com o salário do servidor em atividade. “Temos que ter o padrão compatível com o que ganhamos agora quando nos aposentamos. Nós não podemos exercer atividades comerciais no exercício da nossa profissão. Se justifica a manutenção da previdência integral com o salário recebido”, defende o presidente.
Para o juiz Roberto Siegmann, as reivindicações são importantes, mas o principal é a questão do subsidio. “Todos admiram o trabalho do STF agora (diante do julgamento do Mensalão), mas a justiça trabalha muito. Somos reconhecidos pelo Banco Mundial como uma das justiças que mais trabalha no mundo. Não podemos ter outra atividade remunerada, como declarada ou indeclaradamente parlamentares têm”, justifica.