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A razão do desencontro

por A. Capibaribe Neto
em Crônicas esquecidas
Cheguei cedo ao lugar de costume para dividir boas taças de vinho com amigos e fiquei olhando em volta. À minha frente, quase na penumbra, estava um homem a consultar, hora o relógio, hora o celular. Diante dele, dois pratos, duas taças. Uma estava vazia e a dele pela metade, devido ao bebericar sem graça pela espera ansiosa de quem não chegava. Olhava o relógio, conferia o celular e não tirava os olhos da porta de entrada. Meus amigos chegaram depois de quase meia hora e logo estávamos degustando um Pinot Noir acessível e de boa safra. O homem continuava no ritual angustiante da espera e a garrafa diante dele já estava pela metade...Existe uma certa tristeza naqueles que tomam café da manhã, almoçam ou jantam sozinhos em mesa de restaurante de hotel, mas a tristeza de alguém diante de uma garrafa de vinho e uma taça à espera de uma companhia para um brinde é tristeza maior...Já estávamos na segunda garrafa e o homem sozinho agora apoiava o queixo em uma das mãos enquanto o dedo indicador da outra contornava a borda da taça meio vazia fazendo um barulho irritante como um grito estridente intermitente...Quando do som ambiente veio uma música romântica ele respirou fundo, bebeu mais gole solitário...Voltei a prestar atenção na conversa descompromissada dos amigos. De onde estava, podia ver o semblante do homem, antes carregado de ansiedade, agora estava rendido à tristeza de uma quase certeza de que a outra taça à sua frente permaneceria vazia e naquela noite ele seguramente não brindaria com ninguém. Por um momento, ele quase se levanta por conta de uma mulher que assomara á porta, mas logo sentou-se quando a mulher que acabava de entrar estava acompanhada...Quando esperamos por alguém e essa espera fica comprida demais, a imagem que carregamos junto com a espera faz com que comecemos a ver em outras pessoas o rosto que nunca chega...Na garrafa de vinho do homem não estava apenas a verdade que dizem estar no vinho, estava também uma certeza de que a ausência sentida se confirmava, a cada gole bebido sozinho que uma promessa feita não seria cumprida. A verdade que estava no vinho do homem sozinho estava diante da mentira que ocupava o vazio da outra taça, cheia de mudas interpelações diante dele. Os minutos das horas lerdas que não passavam eram como açoites invisíveis a castigar sem pena seu coração dentro do peito angustiado. Para nós, festejando apenas a alegria de mais uma mesa de vinhos o tempo era generoso a passar no seu ritmo comum. ..Vi quando o homem pediu a conta ao garçom e pediu e que lhe chamasse um taxi. Dez minutos depois que ele foi embora deixando uma taça vazia, uma garrafa com algum vinho por beber e uma taça largada pelo meio sobre a mesa, vi quando uma mulher parecida com a que o homem achou que fosse ela chegou apressada e dirigiu-se ao mesmo garçom...
 Deu para escutar a resposta "se é quem estou pensando acabou de sair não tem dez minutos..." Ao que ela respondeu como uma desabafo: "ai, meu Deus. Fui assaltada, levaram minha bolsa, documentos, celular..." E saiu do lugar quase correndo em direção à porta. 
Bebi as duas últimas taças da noitada com a alegria comprometida e não comentei nada. Não pela contumácia dessa violência sem jeito que nos faz parecer indiferente, mas pela sensação de não saber como ajudar, a não ser que ela encontrasse o homem que bebeu sozinho e foi embora triste, sem saber que dentro da taça vazia agora tinha uma certeza de que a mulher estivera ali para o desencontro.

Crônica dominical

Orfãos da esperança
Os noticiários do dia-a-dia, não só aqui, no Brasil, como no resto do mundo são os arautos da tristeza, das desgraças, do infortúnio e da infelicidade alheia. Tirante as fofocas sociais, as vitórias do time preferido, o peitoral da Tammy, o decote generoso ou as transparências da moda. Tudo é desgraça, é morte lenta e gradual de qualquer esperança que se vislumbre e se alimente. Os lugares bonitos que conheci no interior do Afeganistão não são notícia, mas os insistentes ataques terroristas dos talibãs idiotas e radicais, sim. É papel e responsabilidade da imprensa de informar as mazelas diárias. A imprensa não pode nem deve ser calada ou censurada, é verdade sólida, mas aí vem a tentativa ridícula de controla-la. Não para esconder as dores causadas pela violência à qual todos já se acostumaram, mas para minimizar escândalos, os mesmos que são responsáveis pelos doentes deitados nos corredores de hospitais, sejam quais forem os hospitais, não importa em que Estado. É de doer ver um médico ser esfaqueado por delinquentes protegidos. Abandonados, nunca. São os mais focados pelas leis vigentes, e ai de quem tocar neles! A eles, tudo. Sem exagero. Podem portar armas de fogo ou facas afiadas. Inimputáveis, esses pequenos monstros assassinos só podem ser apreendidos, termo apenas legal para dar a eles maior cobertura e certeza de impunidade e liberdade imediata para repetir seus gestos de crescente violência, contra quem lhes apareça pela frente, não podem ser mostrados. As vítimas podem ser exibidas, sangrando serenamente deitadas no asfalto, na calçada, dentro de casa, atrás dos muros, onde der. Ele, não. Proteção total! E que ninguém se meta a besta de querer se defender. Não pode. Menor é protegido pela lei. Um pai de família, um cidadão decente será punido por crime inafiançável se fizer uso de uma arma para defender a família ou a própria vida dentro de casa, pasmem! Vez por outra, deixo o romantismo de lado, esqueço das estrelas das quais cuido e explodo assim, em uma revolta que é da maioria. Ainda tenho bem nítido na memória as vezes que pude me afastar da cidade e passear de mãos dadas com o perfumes Trussardi ou até mesmo mais baratos, na dunas mágicas no lugar onde é o Porto das Dunas.
Além de praticamente não ter mais dunas, ir lá na companhia de um amor proibido em noite de lua cheia é suicídio. Melhor Cabul ou Mazar-E-Sharife. "Perdeu! Perdeu!" Frase mágica que imobiliza e congela, em uma fração de segundo, a decisão de morrer ou sobreviver. E esse "perdeu" tanto vale para um celular barato, uma bolsa Prada, uma correntinha Michelin como para as vidas diante da frieza de um bandido de 14, 15,16, 17 anos e 364 dias, portando um 38 ou uma pistola que roubou de... Quem? Um policial. Bandido roubando e matando policial e tatuando, acintosamente: matador de polícia! E aí, a esperança morre também. Os cidadãos não têm o direito à defesa de suas vidas, da santidade de seus lares. Os bandidos mirins estão protegidos pelas leis e a conveniência política os quer protegidos e apenas apreendidos, e isso se for um crime muito bárbaro, mas logo estão rindo da nossa cara e pisando sem dó sobre os restos de esperança das pessoas boas. Aquele cidadão decente, sua mulher que trabalha, seus filhos que estudam, e que moram nas periferias, são, e quando são, sobreviventes ao voltar inteiros para casa.
Algum deles geralmente retorna com uma violência que viu para contar ou sem um objeto que se lhes tenham sobrevivido dentro de um ônibus, nos terminais, nas ruas iluminadas, escuras e becos impunes. A polícia tenta, mas geralmente bem depois, quando a bandidagem corre e some pelos mesmo becos das favelas à margem da via Expressa, por exemplo. E fogem rindo, gritando, debochando das pessoas e matando retalhos dessa esperança que um dia já foi a profissão do brasileiro. Esperança? Estamos órfãos!
by A. Capibaribe Neto



A vaidade tem um preço

E muitas vezes paga-se caro por ela
por A. Capibaribe Neto
Na verdade, a vaidade, em si, não custa tanto assim, mas o que vem junto no mesmo pacote e o que ela vai causando em seu desfile aparentemente exuberante. Assim como alugo, vez por outra, ouvidos amigos, provo, igualmente, da necessidade de praticar a paciência para escutar confissões que aparentemente diminuem o peso daquele que carrega uma dor, seja ela qual for. Estava a mais de onze mil metros de altitude, sobre o deserto da Arábia, em um voo de Istambul para Kathmandu, no Nepal, nessas coincidências que juntam duas pessoas aleatoriamente por conta da vizinhança determinada pelo número dos assentos. Em momentos assim, sou de pouco falar, de puxar conversa para ver se o tempo passa mais depressa por conta desses voos longos demais.
E estava ali, ainda me acomodando na poltrona do corredor, vendo o que havia para leitura de bordo, essas coisas, quando um cidadão me ofereceu um jornal. Não era bem isso que eu tinha em mente, mas aceitei, e nesse aceitar, quando vi, estávamos conversando sem ao menos nos apresentarmos. Descobrimos algumas coincidências entre nós que foram abrindo portas, abrindo as janelas da vida de cada um. Tinha filhos que já quase não via, tinha netos, tinha histórias e essas histórias davam conta de casamentos, separações, alegrias, decepções. Descobrimo-nos sentimentais e quase tínhamos o mesmo cuidado com as estrelas, as mesmas que podíamos ver, bem acima das nuvens, pela janela do avião. Minha visão dessas estrelas era romântica e com elas eu fazia as minhas confidências e conseguia acalmar as mágoas.
A visão dele era através de um potente telescópio com o qual se divertia quando se refugiava em sua casa de campo, não lembro mais onde. Lembrei-me de um ditado espanhol que diz: "duas pessoas olham através da mesma janela; uma vê o campo, a outra, as estrelas...". No nosso caso, víamos as mesma estrelas com olhares e sentimentos diferentes. Com o telescópio ele conseguia trazê-las para mais perto; eu costumava deixa-las onde estavam e passear, sem pressa, através de suas distâncias incomensuráveis, mas tudo no mesmo universo cheio de histórias, de mistérios e confissões. Ele falou da ex-mulher, da que veio depois dela e que morreu. Falou da tristeza de sua morte anunciada, do luto, do tempo que levou para cicatrizar o vazio aberto em seu peito e de outra que veio poucos anos depois. Até ensaiou mostrar a fotografia dela, mas desistiu de pegar a mochila no compartimento acima da minha cabeça. Melhor assim. Falou do filho irresponsável e da filha mais ainda, da qual não tinha notícias havia mais de dois anos. "É assim mesmo - tentei ajudar - filhos quando criam asas vão para longe, tentar descobrir seus espaços e horizontes...", coisa com a qual ele não concordou porque fora criado de forma diferente, apegado ao pai, protegido pela mãe. Enfim, um filho com família e com valores do que uma família representa. Aqui e ali, eu conseguia falar também. Passei a sentir uma necessidade de abrir-me, falar das minhas histórias, das malas que carregava. Consegui dizer pouco, quase nada, pois quando menos esperamos, chegou a comissária de bordo para perguntar se queríamos frango ou carne e sobre as nossas preferências pelo que beber. Enquanto ele havia falado até aquele momento eu pensava nas coincidências com as quais ele não podia imaginar. Acabou o jantar, a comissária simpática recolheu as bandejas e os copos e ele emendou. Emendar aqui é força de expressão, porque ele recomeçou o papo por outro capítulo... O que falava dos lugares por onde tinha andado, das fotografias que tinha feito. Nesse momento, eu consegui dizer que também gostava de fotografia, mais nada. Queria comentar que acabara de deixar o Afeganistão para trás, mas não houve jeito. Não houve espaço para a minha vaidade. Nem lembro mais de quantas coisas ele falou até dizer que ia cochilar um pouco. Logo depois que uma turbulência acordou a maioria, menos ele, que dormia como um anjo, a voz do chefe de cabine informava que logo aterrissaríamos no aeroporto de Kathmandu, antes do terremoto, bem entendido. Ah, queria dizer que eu tinha uma filha, mas não deu tempo, nossa viagem chegara ao fim.
no Diário do Nordeste

Crônica dominical

Desejo levado pelo rio
de A. Capibaribe Neto

O nome da cidade não faz diferença, pois ninguém vai se importar com um lugar na distante Ásia, mas ali, pelo menos durante o tempo em que me esbaldei com as imagens que o ambiente oferece, me interessei pelas luzes que seguiam o rumo da corrente do rio sem pressa. Luzes de pequenas velas ficam acondicionadas em caixinhas coloridas e são colocadas na superfície da água, representando um desejo. Os turistas se divertem e não ligam em pagar um dólar para fazer um desejo ou simplesmente fazer parte da brincadeira. Depois de esgotar a criatividade, resolvi comprar uma dessas caixinhas já com a vela colada dentro. Pedia à mocinha que me vendeu para não acendê-la, pois queria eu mesmo acender em um lugar mais afastado, onde pudesse me concentrar no que ia desejar. Logo depois da primeira curva desse rio preguiçoso, sentei-me sobre uma pedra desconfortável para pensar no que ia pedir àquelas águas estranhas. Respirei fundo e deixei que os pensamentos fizessem a sua escolha. Não pensei em pedir dinheiro, pois bem sei que mais me tomam do que poderia o destino me oferecer assim. Pensei nas perdas que ficaram penduradas nas despedidas e transformadas em saudades choradas, presas a arrependimentos sem mais jeito. Pedir para consertar o passado seria acreditar em um milagre, e milagres, sei muito bem, só acontecem nos picadeiros dos circos de fé, onde os palhaços estão na imensa plateia e no picadeiro um leão insaciável urra feroz pedindo dinheiro, cada vez mais é sempre muito. O momento me remeteu a uma breve reflexão: "será que eu queria mesmo ter uma nova chance para estar diante do grande amor que ficou trancado pelo lado de dentro e eu mesmo quebrei a chave da porta?" Aquele momento estava pensado desde há muito e só seguiu o caminho ladeira abaixo pela teimosia de tentar segurar ouro em pó na concha de mãos sem cuidado. A rotina fez uma imensa falta. O silêncio da nova solidão era como o corte fino de uma navalha amolada chegando devagar perto do coração. Cada noite de angústia um talho. Sangrei até quase desfalecer, não fosse o grito providencial da realidade... Mas, e se eu pedisse só para ver o que iria acontecer? Afinal de contas, estava a milhares de quilômetros dela e quando o dia amanhecia aqui, à margem desse rio, ela já estaria em casa, em um novo ritual. E o pior, na companhia de uma nova escolha a prometer o mesmo amor para sempre. Que diabos, eu também fui um desses para sempre. Sabia que essas promessas duram pouco ou um pouquinho mais, mas levei a caixinha para perto da água, e depois de colocá-la com cuidado sobre o rio, preparei-me para transferir a chama do isqueiro que me dera a mocinha para o pavio. Na terceira tentativa fracassada descuidei-me para ver se havia fluido e a caixinha escapou de mim e foi fugindo devagar com a vela apagada. Foi melhor assim. Em algum lugar, sei lá onde, a minha caixa com um desejo não feito deve ter encalhado em qualquer margem como eu encalhei naquela despedida em um momento da minha vida.




no Diário do Nordeste

Fuxico, que palavra pobre!




Depois de muito além
Acho que confundi o tempo porque muito pouco liguei para ele. Aquele que sai por aí em busca de limites nunca vai achar que encontrou o seu. Foi assim mesmo. Muitas vezes, acordei de uma canseira exagerada, e as dores espalhadas pelo corpo faziam cobranças... E aí, levantava com preguiça, mas as promessas do novo lugar davam forças e ânimo, e logo fazia delas um bálsamo perfumado ou uma massagem com jeito e logo estava de pé. Em alguns momentos, nem lembrava de onde vinha, onde estava. Só sabia que iria encontrar o que buscava em forma de imagens que me esperaram uma vida inteira e aquele seria o momento do nosso encontro. No ritual de arrumar as mochilas de bagagem pouca, cuidar das lentes, da carga das baterias e das câmaras fiéis, encontrava espaço para lembrar das pessoas queridas e escolher as melhores saudades para sentir. "Ah, se vocês estivessem aqui...!" E ia embora de novo para chegar outra vez lá onde a paisagem fazia suas curvas no meio de cores especiais ou em mil tons de cinza de sensualidade especial. Os rostos que "sequestrava" numa fração de segundo muitas vezes sorriam para mim, aquiesciam e até pediam para fazer uma foto de lembrança. Era sempre muito boa e divertida a sensação de haver ficado, eu também, como recordação para pessoas que possivelmente nunca voltarei a encontrar outra vez. Até parece que foi ontem que deixei o Brasil para trás e saí sem destino. Haviam mil horizontes, mil entradas, mil montanhas, vales e paisagens deslumbrantes... Em várias delas quase morri de frio, nas armadilhas das curvas sem proteção no alto de montanhas selvagens, ou porque na avaliação de talibãs em meio a uma tempestade de neve eu não valia um tiro sem motivo. A sensação de só saber disso depois dá um frio cortante que percorre o corpo sobrevivente sem saber do que podia ter acontecido. Sobreviver sem ter vivido a ameaça não tem graça. E seguia adiante e ria das loucuras procuradas. Um dia, no meio da madrugada, acordei sem saber onde estava, procurando mais calor debaixo de uma coberta pouca para o meu tamanho por conta do frio que entrava curioso pelas frestas e se instalava ao meu redor. Tremer de frio não é bom, não é agradável, não tem graça. A saída era esperar que o sol tivesse pressa e viesse em meu socorro. Foi sentindo frio assim que deixei muita coisa "pra lá"; que refleti sobre os últimos anos da minha vida; sobre o que podia ter feito ou deixado de fazer, mas em nenhum momento provei de arrependimentos maiores que as culpas de tê-los provocado. A vida só tem sentido quando permite erros. Corrigir as rotas permite fazer curvas, desviar das pedras, descobrir atalhos e evitar abismos. Ou cair neles. E depois fazer todo um caminho de volta até o topo. Fiz isso. Fez-me valorizar as escolhas, com poucas exceções. Deixei mágoas em meio às flores selvagens de lugares inesquecíveis. Descobri mil motivos para perdoar as maldades alheias e vi quão pequenas são as pessoas pobres de espírito que se alimentam de fuxico. "Fuxico!" Que palavra pobre! Do alto dessas montanhas as pessoas que vivem disso parecem muito pequenas. Deixei de me preocupar com os nomes dos lugares aonde queria chegar e dos lugares por onde andei. Apenas vivi suas cores, seus sons e seus cheiros. As montanhas me fizeram bem à alma, ao espírito. Menos ao joelho que machuquei... Já passou. Quando me dei conta já estava ficando "tarde" e era hora de fazer a curva, voltar ao ponto de início. Uma viagem nunca termina. Quando ela acaba é apenas o momento de começar outra porque existe muito mais depois de muito além...

por A. Capibaribe Neto


Os nomes das Saudades

Crônica dominical de A. Capibaribe Neto

Cada saudade tem um nome.
Cada saudade tem um adjetivo.
Saudade grande....
Saudade pequena...
Saudade boba...
Saudade que vale a pena, violenta...
Saudade amena...Continua>>>


Crônica

de A. Capibaribe Neto 

Um lugar para pagar promessas

Na agonia das culpas que arrastam arrependimentos impossíveis de reparar, a falta de uma luz nos faz andar em círculos e nos apegar à paciência de quem elegemos para chamar de amigo. E fazemos dessas pessoas o confessionário para os pecados, as histórias repetidas desses sofrimentos particulares e nem nos damos conta de que abusamos desses ouvidos compreensivos. Nas buscas vãs para expiar as falhas que não nos perdoamos, fazemos promessas de absurdos com as tentativas ridículas de apressar um fim ou desafiar o que já está escrito. E nem nos damos conta de que nos colocamos, voluntariamente, no meio de um picadeiro com a máscara de um palhaço triste a contar a mesma história com palavras diferentes. E não adianta fingir que as vaias são aplausos e que os comentários debochativos são demonstrações de simpatia. Em algum momento é preciso não apenas aparentar que se é sério, mas ser realmente sério e assumir que a cama de fama que se preparou ao longo da vida é a que nos espera para o incômodo repouso definitivo. Não adianta demonstrar coragem, mas ser corajoso. E coragem não é escalar a montanha mais alta, desafiar curvas perigosas, partir de peito aberto para mares revoltos ou gritar ao vento frio e cortante de lugares distantes de silêncio pesado. Isso é tolice. Na verdade, ninguém pode prometer que vai morrer, só por dizer, por que essa promessa já vem incluída no pacote, quando recebemos, ingenuamente, a responsabilidade e assumimos os riscos dessa experiência incrível que é a vida. Viver pode até não ser uma escolha, mas o modo de viver a vida, seguramente, é. Morrer sem que tenha chegado a hora pode até ser uma atitude radical e dramática, mas morrer mesmo não pode ser uma opção. A gente pode até cansar da vida que leva, cansar de carregar as malas cheias de lembranças difíceis de esquecer, daqueles arrependimentos que acompanharam as atitudes impensadas e as ações que podiam ter sido evitadas cinco segundos antes de se assinar o papel com as letras miúdas das consequências que sempre advêm. Em um certo momento da vida, somos surpreendidos pelos ecos das reflexões que incomodam dentro da consciência, sentimos as cobranças imperdoáveis dos nossos débitos e nos damos conta de que os nossos créditos não valem absolutamente nada. É de pouca valia argumentar que talvez não sejamos melhores ou piores, assumindo que somos diferentes. Diferentes do quê? Nossas diferenças poderiam ter ficado só pra nós se tivéssemos assimilado as lições básicas de que em boca fechada não entra mosca e que o silêncio é a melhor resposta para as indagações que somente a nós dizem respeito. De que adianta argumentar que a juventude é passageira só por que não somos mais? É melhor assumir a culpa da velhice que criticar a felicidade passageira da juventude. O único remédio para um erro é reconhecê-lo, assumir a culpa por suas consequências e fazer o possível para não repeti-lo. Um erro é diferente de um arrependimento. Um erro até pode ser reparado e o pagamento por ele é à vista, mas o arrependimento é sempre em prestações que arrastamos dentro de malas que não conseguimos deixar ao longo do caminho ou em qualquer estação de trem pelos trajetos que escolhamos para empreender nossas fugas. O espetáculo de monólogos assim geralmente perde a graça, entedia a plateia pouca, o circo vai saindo de fininho, e quando menos esperamos, estamos sós em pleno picadeiro de um circo de lona surrada, sem mais leões, elefantes e as bailarinas lindas que um dia fizeram a festa do palhaço.



Cultuando o nada

por A. Capibaribe Neto

Interessante! Fui pesquisar o significado de "beleza" e lá estava: qualidade do belo, coisa muito agradável ou gostosa. "A festa foi uma beleza", mas pode ter sido de arromba; "que beleza este bolo!" Mas, o que é belo? Segundo o seu Aurélio, é aquilo que tem forma perfeita e proporções harmônicas, que é agradável aos sentidos, elevado, sublime, ameno, aprazível, sereno, e por aí vai. Voltando à "beleza" o vocábulo pode designar também, do ponto de vista da Física, o número quântico introduzido para caracterizar propriedades de certos tipos de partículas que contêm pelo menos um "bottom" e, por convenção, o "bottom" tem beleza. Na Maçonaria, significa uma das três colunas que sustentam uma loja (beleza, força e sabedoria). Já estupidez é a falta de inteligência, de discernimento. Vamos ao foco da abordagem do culto ao nada.

Cada um de nós tem uma percepção pessoal, diferente e especial do que seja beleza ou belo, mas beleza não é uma profissão. Pode até contar ponto na hora da escolha para uma determinada função, mas sempre precisa de qualidades acessórias para uma contratação isenta de intenções além do nível profissional, mas é preciso ter cuidado para não fazer constar dentre os requisitos exigidos para a contratação e que possa ser visto, legalmente, como forma de discriminar as mulheres ditas feias, porque aí vai dar confusão com direito a mídia. A bem da verdade, uma mulher feia inteligente é igual a uma mulher bonita inteligente; só que feia, digamos assim, o que não deixa de fazer uma diferença. Para que serve, por exemplo, uma mulher melão ou melancia, se nem orgânicas elas são? Repaginadas, enxertadas com isso e aquilo, saradas, adulteradas com mil produtos, elas não têm tempo de pensar, de estudar, de ler, de se informar porque precisam estar no noticiário. A Geisy Arruda, por exemplo, foi expulsa de uma Universidade, em São Bernardo do Campo, por estar usando um vestido cor de rosa, muito justo, muito curto, saiu escoltada pela polícia por uma porta e logo entrou pela porta do sucesso imediatamente. Hoje, Geisy Arruda é notícia quase diariamente. Não pode levantar uma perna, tossir, mostrar a calcinha que logo aparece na primeira página dos noticiários eletrônicos, principalmente depois de haver passado por uma reforma geral.

O Thor Batista, cuja profissão é rico decadente, afora isso, não passa de uma montanha de músculos exagerados que ele faz questão de inflar quando passa e manda "beijinho no ombro" para os invejosos dele. Dizem que quando ele leva uma mulher para o quarto, de preferência com espelhos nas paredes e no teto, ao invés de aproveitar a companhia da mocinha igualmente sarada e turbinada, ficam lá os dois apenas mostrando os peitorais, os bíceps, as panturrilhas, inchando feito um baiacu. A mocinha também mostra lá os seus peitorais, mas ele nem liga. Eles se amam, se cultuam, se admiram feito Adonis sem sexo. Literalmente! E logo dizem "vamos malhar"? Pois bem, são campeões de nada sem mais tempo para coisa nenhuma. E isso tem lá as suas consequências. Andressa Urach, por exemplo, já foi notícia pela beleza artificial dos arquitetos do corpo.

Turbinou tudo, e agora corre o risco de ser "demolida" ou até mesmo virar notícia triste. Esses campeões do NADA sincronizado, que se mostram através de cansativos selfies, ainda são moda; ainda há quem goste, quem admire, mas é aí que entra a estupidez e define muito bem a falta de discernimento só quando é tarde demais.




Fechando a conta

Crônica de A. Capibaribe Neto

Nem lembro a razão de haver guardado a conta de um jantar que coloquei junto com as nossas últimas fotos e outros pequenos registros de uma história de amor que se aquietou na gaveta das melhores saudades, mas quando olhei no verso do comprovante lá estava o motivo: havia um coração desenhado e um "eu te amo" confessado. O "para sempre" estivera implícito nos olhares cúmplices que se misturaram com o vermelho do vinho em comemoração a mais um ano juntos. Pelo registro do tíquete da conta passamos mais de duas horas à mesa, um de frente para o outro, lembrando das coisas boas vividas até ali. Procurei, entre as lembranças que não tive coragem de jogar fora, outro registro depois daquela noite. Não encontrei. Não havia mais nada depois daquele dia, hora e minutos constante do registro detalhado, como o número de pessoas e quanto seria para cada um no caso de dividir o total. Voltei no tempo e procurei lembrar o que havia acontecido depois para explicar a ausência de datas guardadas. É bem verdade que havia jogado fora, num ímpeto de emoções precipitadas, as mais belas passagens e capítulos de uma história que escrevemos juntos acreditando que havia um lugar especial na eternidade para cada "para sempre" que encerrava todas as dedicatórias em cartões, bilhetinhos deixados sobre a mesa de cabeceira e fotografias antes desses selfies aborrecidos.


O passar do tempo já se impôs. Não como um remédio, uma solução ou um bálsamo para os arrependimentos tardios, mas pelo seu próprio passar que foi aumentando as distâncias entre o último "para sempre" e a realidade. Naquela noite, brindamos aos bons momentos, às dificuldades decorrentes do começo tumultuado, confuso, mas também e principalmente à força e determinação com que nos demos as mãos e mergulhamos nos braços que nos tornavam fortes, invencíveis, sem medo de ser feliz. O hiato que aconteceu entre aquele comprovante de conta com o coração desenhado e a promessa que não foi cumprida muita coisa aconteceu. Vez por outra uns flashes mostram detalhes nítidos das partes desgastadas da complexa engrenagem de uma convivência. Os sons das mesmas vozes ternas e quase sussurradas nos abraços que misturavam as peles, os cheiros, os arrepios, apareceram alterados, ríspidos, como nas disputas por razões ou confissões de culpas sem sentido. O que se ganha com a culpa do outro? O que fazer com a razão que não tem lugar dentro do perdão? O pior é quando a lembrança mais nítida é de uma chave partida ao meio, jogada sobre uma cama e o orgulho desnecessário a bater uma porta que se fechou de vez. No comprovante da conta estava descrito o prato que pedimos e o bom vinho que atiçou o desejo que nunca arrefeceu durante anos de cumplicidade, e não havia, naquele momento mágico a mais leve sombra de bruxas que se arrastam pelas escadas com suas vassouras agourentas assustando a felicidade alheia. Depois do último gole da última taça do vinho - com um olhar transbordante de desejo a escorrer pelo rosto insinuante, ela falou com uma voz morna: "vamos embora daqui... Quero te beijar muito, fazer muito amor contigo..." A rosa vermelha que dei a ela ainda sobreviveu vários dias ao lado da cama sempre cúmplice, testemunha dos aconchegos e dos diminutivos que me acompanham em silêncio, me acordam no meio da noite e me levam à janela para contemplar as mesmas estrelas que curtíamos juntos da janela que não existe mais... Em algum lugar de um "para sempre" mágico, alguém pediu a conta de uma história de amor único e ela foi fechada para sempre...

Crônica de A. Capibaribe Neto

Coisas imutáveis
O mundo gira sem se importar com os passageiros circunstantes. E tudo no mundo muda a cada instante dentro do universo particular que existe em cada um de nós. Chega uma hora em que precisamos olhar para dentro de nós mesmos e procurar dentro do coração para ver aquelas coisas que se mantiveram imutáveis com o passar do tempo. Quando li certa vez, sobre um escritor que apregoava a arte de esquecer parei para pensar se ele não teria confundido os verbos; talvez estivesse usando o verbo esquecer como sinônimo de perdoar. Ser seletivo nas lembranças; boas ou ruins, não faz meu gênero. Lembro e pronto. Se forem lembranças de coisas ruins elas podem servir de lição, de luz de advertência que pisca avisando sobre a iminência do perigo de insistir pelo caminho que acaba em um abismo intransponível, da existência de pedras que machucam ou de areias escaldantes que esfolam os pés do viajor. As lembranças boas são os privilégios ou as merecidas pagas pela colheita das boas semeaduras. Dei-me conta depois que ele se referia à necessidade de esquecer as dores de amores vividos, de saudades sem jeito impostas por decisões sobre as quais não somos consultados. Quando alguém decide ir embora, por mais motivos que justifiquem a partida, quem fica geralmente quer ir junto ou mergulha em tristeza profunda que cola na alma fito pele colada no corpo. Tenho cá as minhas lembranças, as minhas saudades, as cicatrizes que não me largam e as feridas teimosas que não saram mesmo com os remédios modernos cuja bula garante que o tempo cura tudo. Mentira! É só desculpa para mostrar orgulho besta, machismo ou feminismo que só deixa de doer abraçado ao travesseiro que abafa os gritos roucos da dor que dói sem dar trégua ou das lembranças e saudades vingativas, insistentes e fiéis que ficam ali, sentadas, vigiando a nossa alma, incomodando a paz de espírito que se ausentou depois do primeiro minuto da primeira hora, do primeiro dia e se agigantou à proporção que o tempo foi passando e ficando mais difícil fazer o caminho de volta. Existem experiências assumidamente irresponsáveis, inconsequentes e ruins que se pudéssemos as arrancaríamos do nosso corpo mesmo à custa de um braço, um olho, mas por outro lado deixaram o bálsamo de um sorriso ingenuamente infantil, que ameniza o ódio profundo e a ira santa, mas deixa pra lá, faz parte, também são coisas imitáveis. De que adianta sentir ódio de um tolo quando sua melhor qualidade é ser inseguro? O mundo segue girando em torno do Sol e a Lua em volta da Terra. As estrelas, bem, as estrelas estão bem acima de todas as vaidades. Minhas melhores lembranças, as saudades mais profundas estão guardadas debaixo de sete chaves, do lado esquerdo do peito, são imutáveis, e mesmo que percamos a consciência por um erro de percurso, continuarão eternas porque nada no mundo se perde, tudo se transforma pois quando retornarmos ao pó voltaremos as origens de todas as origens...

Crônica dominical de A,Capibaribe Neto

Para onde vai o tempo

A solidão voluntária é a melhor companhia para ajudar na reflexão sobre o tempo em que fazíamos planos e tínhamos projetos. Para tudo na vida existe um tempo... Cheguei a pensar que eram mesmo da sabedoria de Salomão os dizeres sobre a existência de um tempo para plantar e um tempo para colher o que se plantou. Não foi Salomão que escreveu. Não vem ao caso, não importa. Quem quer que tenha escrito estava certo. Existe mesmo um tempo para tudo nessa vida. Tempo de ser criança, de fazer travessuras nas ausências de adultos e de ser adulto e descobrir que um dia correu mil perigos para acreditar que existem anjos da guarda. Existiu um tempo para sentir o coração bater diferente quando uma menina de tranças passou e o acertou com um olhar carregado pela magia da primeira paixão... Depois, pouco tempo depois, veio o tempo de descobrir que dificilmente o primeiro amor e o primeiro beijo são eternos e que aquelas emoções vão parar num fundo de uma gaveta chamada passado. Existe um tempo para pensar no tempo, como agora... Todas as conquistas, todas vitórias, mas também o tempo em que nos sentimos derrotados. Tempo das alegrias e o tempo de enxugar as lágrimas pelas perdas, pelas dores dessas perdas e pelas certezas das coisas do nunca mais, só porque de todos os tempos do mundo o "nunca mais" é o pior deles. Houve um tempo, já faz muito tempo, em que pouco era permitido e muito proibido em nome do pecado. Depois, o pecado teve seu tempo de ser tolerado e passou a ser comum. Foi quando chegou o tempo de pouco tempo, o tempo que pouco sobrava escorria pelas frestas dos corações que esfriaram. Para tudo na vida sempre existiu um tempo e muita gente nem se dá conta que existe um lugar para onde vai o tempo... E de repente, sem avisar, descobri, que estamos no resto de tempo para lembrar dos bons tempos que não voltam mais. O menino hoje tem cabelos brancos, tem filhos e os filhos têm netos e agora é quase esquecido porque sempre foi assim... Transformaram-se em águias e as águias aprenderam a voar, e depois, o céu é o limite de todas as águias. O tempo não cuida de ninguém. O tempo não cura. É mentira que o tempo cura as dores do amor que tivemos colado ao peito e que tolamente perdemos. O tempo que existe para somar as lágrimas de saudades pesadas habita o mesmo lugar das tristezas que não se cansam de gemer e estão fadadas a navegar pelo rio de lágrimas que não conseguimos conter ou esconder. O tempo antes da tempestade tinha ondas mansas, águas tranquilas, céu límpido e cheio de estrelas... Pelos cantos das melhores casinhas cheias de diminutivos ecoavam cuidados carinhosos que se cansaram pela falta de eco, por respostas parecidas...

E agora, descobrimo-nos diante do tempo que nem sabemos quanto nos resta para perguntar, meio perdidos, para onde foi tanto tempo vivido? Para onde foram as lembranças que carregamos nas malas das nossas saudades? O tempo se afastou de nós. Está muito longe. O tempo de hoje, do aqui, do agora dura pouco e o tempo para frente é uma enorme dúvida dentro da vontade de fugir para bem longe, onde o tempo não tem mais nome nem importa se chegamos, se vamos embora no dia seguinte ou se é um lugar onde vamos ficar para sempre...



Crônica semanal de A. Capibaribe Neto

Lembranças do futuro
Lembrar das coisas que já vivemos pode ser fácil, principalmente se apelarmos para a memória recente ou mesmo aqueles acontecimentos marcantes que fizeram parte da vida. Lembrar do hoje é fácil. Até demais. Planejar o amanhã, se não for uma coisa que faça parte da rotina será apenas um desejo porque não existe nenhuma certeza de que tudo acontecerá conforme o planejado. Nos dias de hoje, é praticamente impossível até mesmo dizer algo como "quando eu voltar hoje..." porque as surpresas desagradáveis nos espreitam a partir do momento em que saímos de nossas jaulas e ficamos desprotegidos no meio da selva de tigres e outros animais predadores que nos espreitam em cada esquina. Daí resolvi viajar para o futuro e me projetei no ano de 2025... É bem verdade que não estarei vivo, mesmo com toda a saúde que penso ter e o atrevimento da coragem de não ter receio de desafios atrevidos. Em 2025 eu me lembro de que foi um ano cheio de coisas boas. Em 2025 eu sou uma pessoa feliz. Fui escolhido para fotografar na Lua. Ganhei em um sorteio bem no dia do meu aniversário. O turismo espacial ficou monótono, o céu congestionado, cheio de naves malucas circulando a Terra em órbitas perigosas por conta dos novos meninos ricos que não respeitam os satélites de orientação. Tenho uma amante jovem que me espera na face oculta da Lua onde nem é tão difícil chegar...


Não, não estou maluco ou mais doido do que me chamam... Não perdi o rumo, nem a direção, continuo sonhador e sempre me foi exageradamente fácil viajar nas asas da imaginação. É fácil viver no futuro. Lembranças boas só existem por lá, principalmente na Lua e especialmente na face oculta, aquela que da Terra ninguém vê e que está voltada apenas para as estrelas. Amigos que estiveram no futuro me contaram que não se nota muita diferença das estrelas quando vistas de lá e a que é vista da Terra lá dos confins do espaço dá uma sensação de um planeta bonito, habitável, mas quem está no ano 2025 sabe muito bem que não é assim. Pois bem, tenho boas lembranças do futuro e poderia passar um tempão falando delas sem ninguém me desmentir. Poucos são os que se lembram do futuro e bem poucos ainda acreditam que estiveram lá. Em 2025, eu sou uma pessoa feliz, realizada, plena, completa. Tenho tudo o que quero e o que me sobrou vou doar ao passado. Mil malas cheias de velhas lembranças inúteis que deixei pelo caminho, mas trouxe algumas das quais não abro mão, nem que escritores renomados tenham apregoado que o passado é uma coisa inútil. Em 2025 eu ainda tenho as minhas melhores saudades, aquelas imorredouras, as que valeram a pena, mesmo que me tenham custado caro. Tê-las comigo em 2025 foi uma prova de que achei bom, muito bom ter passado pelas experiências que passei. O melhor de 2025 é que serei eterno dali pra frente. Lembro bem do dia em que cheguei ao futuro. E se vocês me perguntarem o porquê de "2025" é porque me inspirei em uma música antiga "In The Year 2525", que fica ainda mais distante e com o qual não posso sonhar. Basta-me a certeza de estar em 2025 porque é justamente o ano em que comecei a ser eterno e posso encontrar os caminhos onde marquei encontro com os amores para quem disse um dia: "em algum lugar do futuro, sentado à margem de um caminho entre as estrelas estarei esperando por você para ser eternamente feliz..."

A razão do desencontro, por A. Capibaribe Neto



Cheguei cedo ao lugar de costume para dividir boas taças de vinho com amigos e fiquei olhando em volta. À minha frente, quase na penumbra, estava um homem a consultar, ora o relógio, ora o celular. Diante dele, dois pratos, duas taças. Uma estava vazia e a dele pela metade, devido ao bebericar sem graça pela espera ansiosa de quem não chegava. Olhava o relógio, conferia o celular e não tirava os olhos da porta de entrada. Meus amigos chegaram depois de quase meia hora e logo estávamos degustando um Pinot Noir acessível e de boa safra. O homem continuava no ritual angustiante da espera e a garrafa diante dele já estava pela metade. Existe uma certa tristeza naqueles que tomam café da manhã, almoçam ou jantam sozinhos em mesa de restaurante de hotel, mas a tristeza de alguém diante de uma garrafa de vinho e uma taça à espera de uma companhia para um brinde tem tristeza maior. Já estávamos na segunda garrafa e o homem sozinho agora apoiava o queixo em uma das mãos enquanto o dedo indicador da outra contornava a borda da taça meio vazia fazendo um barulho irritante como um grito estridente intermitente. Quando do som ambiente veio uma música romântica ele respirou fundo, bebeu mais gole solitário. Voltei a prestar atenção na conversa descompromissada dos amigos. De onde estava, podia ver o semblante do homem, antes carregado de ansiedade, agora estava rendido à tristeza de uma quase certeza de que a outra taça à sua frente permaneceria vazia e naquela noite ele seguramente não brindaria com ninguém. Por um momento, ele quase se levanta por conta de uma mulher que assomara á porta, mas logo sentou-se quando a mulher que acabava de entrar estava acompanhada. Quando esperamos por alguém e essa espera fica comprida demais, a imagem que carregamos junto com a espera faz com que comecemos a ver em outras pessoas o rosto que nunca chega. Na garrafa de vinho do homem não estava apenas a verdade que dizem estar no vinho, estava também uma certeza de que a ausência sentida se confirmava, a cada gole bebido sozinho que uma promessa feita não seria cumprida. A verdade que estava no vinho do homem sozinho estava diante da mentira que ocupava o vazio da outra taça, cheia de mudas interpelações diante dele. Os minutos das horas lerdas que não passavam eram como açoites invisíveis a castigar sem pena seu coração dentro do peito angustiado. Para nós, festejando apenas a alegria de mais uma mesa de vinhos o tempo era generoso a passar no seu ritmo comum. Vi quando o homem pediu a conta ao garçom e pediu e que lhe chamasse um taxi. Dez minutos depois que ele foi embora deixando uma taça vazia, uma garrafa com algum vinho por beber e uma taça largada pelo meio sobre a mesa, vi quando uma mulher parecida com a que o homem achou que fosse ela chegou apressada e dirigiu-se ao mesmo garçom. Deu para escutar a resposta "se é quem estou pensando acabou de sair não tem dez minutos..." Ao que ela respondeu como uma desabafo: "ai, meu Deus... Fui assaltada, levaram minha bolsa, documentos, celular..." E saiu do lugar quase correndo em direção à porta. Bebi as duas últimas taças da noitada com a alegria comprometida e não comentei nada. Não pela contumácia dessa violência sem jeito que nos faz parecer indiferente, mas pela sensação de não saber como ajudar, a não ser que ela encontrasse o homem que bebeu sozinho e foi embora triste, sem saber que dentro da taça vazia agora tinha uma certeza de que a mulher estivera ali para o desencontro...




Crônica dominical de A. Capibaribe Neto

Missão impossível
Por mais hercúleos que sejam os esforços para vencer desafios físicos nenhum deles tem força para ganhar do poder de sentimentos aparentemente simples como a paixão, o amor, a saudade. Nenhum desses tem uma forma definida, um tamanho mensurável, uma cor. Não adianta ser fisicamente forte, psicologicamente preparado para a complexidade das equações do conjunto de neurônios de um ser humano. Cada um desses sentimentos pode mover montanhas, é capaz de vencer distâncias com velocidade maior que a luz e pode transformar o homem em um deus amorfo ou um demônio formidável numa fração de tempo. Por mais que o poeta se atenha aos rigores da boa escrita para transmitir o que lhe dita a alma, ele não conseguiria falar de sentimentos assim sem a leveza do espírito, para que se possa distinguir os vácuos das versões dos apaixonados. Só assim pode prevalecer a finura das análises para que predominem o peso e a medida certas sem as quais as consciências não podem descansar em paz. Em cada saudade existe um culpado, mas os pesos são diferentes. Cada saudade tem uma cor impossível de distingui-la mesmo dentro das infinitas variações do espectro visível. A cor de uma saudade é única, é pessoal, intransferível, resistente, impertinente, teimosa. Ninguém foge de uma saudade, para mais distante que se vá. No alto de uma montanha solitária, debaixo do frio, ao som de um vento cortante, venha do norte, do sul, ou seja, cortante como o vento polar que se entranha na carne e chega ao coração despedaçado. Eu sei. Descobri e senti na carne. A saudade é uma companhia impiedosa, silenciosa, e que não cuida, não conforta, não diminui, nem com o tempo. Só aquieta, porque de alguma forma é preciso sobreviver. A saudade pode ser ridicularizada, banalizada, e pode até travestir-se, aos olhos alheios, de roedeira de periferia. Não importa. Saudade é um patrimônio de cada um e que não rende juros bons para o espírito. A saudade é inconveniente. Chega, se abanca, fica, dá plantão e nunca se toca que faria melhor se fosse embora discretamente ou à francesa. E não sai, não arreda o pé. Impossível de expulsá-la, de tentar arrastá-la para fora com todas as forças do mundo. Nada.



Uma saudade só pode ser preenchida, mas vez por outra aparece nas diferenças e ri da nossa cara, levando-nos às silenciosas comparações que tanta falta fizeram no auge de uma dor incapaz de diagnóstico para uma cura fora do corpo. Saudade são definitivas como a vida até que essa se esvaia, mas muitas vezes seguram nossas mãos no derradeiro pensamento antes da derradeira passagem para o finalmente "eternamente teu...". Somos capazes de ir ao fim do mundo, sobreviver ao frio, ao sol escaldante de um deserto sem fim, de suportar a sede até o limite... Tiramos forças até de um suspiro que beira o último, mas não temos forças para vencer a uma saudade que chegou muito antes da surpresa do abismo que se abriu, para determinar onde a realidade se dividiu em duas metades diferentes e por caminhos diferentes. Vencer uma paixão pode ser através da lógica. Vencer o amor que se perde pode até ser com a chegada de um outro amor, mas ganhar de uma saudade, é uma missão impossível. Melhor render-se a ela, tratá-la bem, com carinho, com respeito e esperar que ela adormeça...
Publicado originalmente na coluna Estrelas esquecidas - Diário do Nordeste

A vez da última vez

A gente nunca sabe quando é a última vez de verdade. Seja do que for. Como aquela "última vez" que vem na extremidade de uma insatisfação ou na ameaça que traveste um pedido magoado: "seja a última vez que você faça isso comigo...!" Um dia, quando menos se espera, esse tipo de última vez foi a última mesmo, e aí, não tem mais jeito, foi como a última gota d'água que fez o copo da paciência transbordar. Existe a "última vez" que, com as promessas oportunas no reconhecimento dos erros que se comete, vão doer bem fundo dentro de um coração apaixonado. Existe sempre uma "última vez" disso, daquilo ou para aquilo, mas a maioria nunca é levada a sério. Uma das piores "última vez" é aquela com que assumimos um compromisso silencioso dentro de um quarto transformado em caverna, o esconderijo para todos os nossos medos e onde guardamos todas as malas cheias do nosso passado. Geralmente, nunca nos lembramos do primeiro beijo, do primeiro abraço, mas seguramente nunca nos esquecemos da última vez que estivemos na outra ponta de uma despedida com a qual não concordamos e que não houve jeito ou milagre de ainda ter uma promessa de "ultima vez" de ter feito isso ou aquilo. Que bebo, que chego tarde, que grito, que esbravejo, que minto, que engano, que abro a minha porta, a minha janela, que me exponho, que conto meus segredos, que exponho as minhas entranhas, que falo dos meus medos, dos meus desesperos, ou confesso meus absurdos, principalmente quando eles nem precisavam ser confessados assim, mesmo que tenha sido dentro de um desabafo que deveria ter sido só nosso... Na realidade, sempre existe uma última vez escondida e nem sabemos quando ela acontecerá. Ela é traiçoeira, não avisa, mas está sempre lá, à espreita e somos uma presa fácil no ir e no vir, bem na alça da mira de uma flecha certeira, ou, pior, uma bala perdida. Existe a "última vez" que ilustra, dramaticamente, uma história que se conta quando o "ir" já prenunciava o nunca mais voltar. A última vez que vimos, que abraçamos, que brindamos, que rimos juntos, que viajamos, que nos encontramos, que... Tanta coisa! Tanta coisa! Li, nem lembro onde, uma frase que me fez refletir: "o fim da intimidade compulsória com o ritual da despedida..."- que encerra a conscientização da finitude que recusamos aceitar, mas sem jeito de adiar.


Fala-se por aí de um tal de "baixo astral". É preciso explicar melhor o que isso quer dizer, porque por mais baixas que estejam as estrelas elas estão sempre no alto, bem alto, para onde sempre voltamos nossos olhares piegas, nossos pedidos, nossos sonhos. Melhor foi por a culpa nas estrelas. Eu acho que as estrelas sempre têm razão. E como! Quando foi mesmo a última vez que você olhou para cima, para essas estrelas, para a luz, para o céu escuro? Ou céu claro, puro, bem anil ou cheio das cores únicas e mágicas de um nascer ou por do sol? Quando foi a última vez que você deixou rastros alegres ou tristes sobre a areia úmida de uma beira de praia? E quando foi que deixou esses rastros em caminhadas sem pressa, testemunhas de uma parada aqui e ali para um abraço? Não lembro quando foi a primeira vez que fiz isso sobre as dunas de um porto só de nome quando ainda se podia curtir uma noite de luz cheia, mas lembro da última vez que abri um envelope com um lenço que um dia cheirou a Trussardi! O perfume dela, do rosto, escorrendo pelo corpo sem compromisso com qualquer pudor, com qualquer medo. "Vida", estava escrito. Era vida, sim, uma vida que parecia eterna. Foi, nada! Aconteceu a "última vez" e a vida continuou, mas deixando rastros em direções opostas, enquanto envelhecíamos separadamente. Quando tudo chegar perto do fim, quando chegar "a vez da última vez" quero ver o filme passando, nem que seja bem depressa, e só eu saberei qual será o rosto que carregarei comigo pelo resto da eternidade...

by A. Capibaribe Neto


Crônica do A. Capibaribe Neto

Presságios e pressentimentos

Pressentimento é um sentimento vago ou instintivo do que há de suceder. Ouvir ou perceber ao longe, ou antes, de ver. Tem por sinônimo geral, antessentir. Presságio pode ser também um sinônimo, mas soa como algo mais que é um sinal pelo qual se ajuíza ou se conjectura do futuro, algo que está prestes a acontecer; pode ser também agouro ou augúrio. Uma coisa é certa: ninguém pode alimentar um sentimento vago de que vai morrer. Sim, porque vai mesmo, a data e a hora já estão definidas, só que não se sabe... Já o presságio é aquela sensação, espécie de aviso de que não se deve ir ou voltar. Os melhores pressentimentos são aqueles que alimentamos com a ilusão de que os números que jogamos na loto serão sorteados naquele dia. É bom pressentir coisas assim embora semana após semana a frustração bata à porta. Quando viajei sozinho para um lugar distante, perto do Polo Norte, não tive pressentimento de que iria morrer no meio do nada, debaixo de um frio de menos 26 graus, ao aventurar-me em uma floresta, sozinho, em Pyhätunturi, além de Rovaniemi, na Finlândia. Aventurei-me por ali de atrevido, de maluco, de qualquer que seja o adjetivo para qualificar a empreitada. Já caminhei sozinho pelas dunas intermináveis do Saara, e por lá deixei meus rastros. Não provei de medo do sol escaldante ou do frio cortante das noites do deserto. Faz pouco, foi outra vez à beira do fim do mundo: Akureiry, norte da Islândia...! 
Perdi-me em caminhada solitária no meio da montanha quando nuvens pesadas baixaram, o vento começou a assobiar levantando neve e não havia nenhum ponto de referência para o qual me dirigir, até que vislumbrei, depois de quase uma hora, uma luz acanhada no meio daquele imenso nada, no único poste que havia naquilo que seria a minha salvação. Lembro que não tive nenhum pressentimento que iria morrer, mas não sei explicar porque achei graça da situação enquanto olhava para a placa metálica presa ao pescoço com meu nome e embaixo dele, Brazilian Press. Loucura? Tendência ao suicídio? Idiotice? Não sei... Que digam, que pensem, que falem... Mesmo quando me aventurei no Afeganistão e fui soltar uma pipa em Cabul, e escapei de sumir do mapa quatro vezes ou sei lá quantas mais, que não me dei conta, não pressenti que iria chegar a minha hora. Talvez esteja em busca de alguma coisa que ainda não sei o que seja... Sempre defendi que, em momentos de confusão emocional, as pessoas devem marcar um encontro consigo mesmas. E serem pontuais. É importante que sejam pontuais, seja onde for esse encontro. No deserto, na montanha, às margens de um rio ou de um lago de águas serenas, onde possam refletir ao som de uma brisa de fim de tarde, ou noite adentro, escutando um cricrilar intermitente. 
Às vezes, as consequências de um arrependimento batem forte, e geralmente não é pelas costas, porque arrependimento mesmo é quando as pessoas descobrem no momento da ação ou atitude, que tinham consciência de uma segunda alternativa. 
Interessante, é que nos dias atuais, ao me aventurar pelas ruas hoje covardes e traiçoeiras da cidade onde nasci, sempre tenho um pressentimento de que talvez não volte, que me acidente por conta de um maluco irresponsável e mal educado ou que não sabe quem é o pai, se me faço entender. Loucura é sair à noite. Tendência ao suicídio é se revoltar contra a impunidade ou denunciar falcatruas. Loucura é participar de demonstrações que vestem fantasias de interesse do povo e não passam de armadilhas de mascarados com interesses escusos. Tenho um pressentimento de que ir outra vez ao meu encontro do alto do Tibet, no Deserto de Gobi ou descansar nas areias de Vanuatu não é simplesmente uma aventura ou a busca de imagens que sempre me esperam por onde ando, mas uma forma de ter esperança de que a vida só vale à pena quando se vive sem limites de horizontes ou expectativas de paz.

Crônica do A. Capibaribe Netp

Explicando a roedeira

Na mesa do bar ao lado da minha, um grupo de amigos escarnecia um dos presentes dizendo que o mesmo estava sofrendo de "roedeira". O "sofredor da roedeira" tentava disfarçar o incômodo pelo deboche que evidenciava a pletora nas laterais da sua fronte com um riso compulsoriamente cúmplice para não esticar o chiste. Explicando pletora e chiste: o primeiro é a elevação do volume de sangue no organismo provocado pela dilatação dos vasos sanguíneos, e o segundo, é o mesmo que facécia, coisa engraçada ou vista por um ângulo alegre, piada. Aos poucos, a facécia (já explicado), deu lugar a outros chistes e atravessou o clima desconfortável para um assunto sério: a Copa 2014 e o deboche constrangedor de uma vaia deselegante.
O termo era-me familiar, mas fiquei curioso em saber o significado de roedeira. E fui ao Google. Estava lá: trata-se de um regionalismo nordestino, é a epizontia do gado bovino, que determina a queda dos chifres; mal-dos-chifres. Ou seja, um conceito utilizado em veterinária e ecologia para qualificar uma enfermidade contagiosa que atinge grande número de animais em um mesmo lugar, ou, no popular, CIUME! A maioria dos homens já sofreu de roedeira, seja com relação aos chifres que lhes caíram com o tempo que cura tudo ou, mais comumente, com o ciúme.
Para os provectos sibaritas, a roedeira passou a ser de pouca importância e a roedeira deve ser levada na brincadeira, embora cause alguma dor principalmente quando uma ferida ainda mal curada é estocada pelo encontro casual do comborço. Explicando tudo: provecto é o homem adiantado na idade, respeitável, experiente, abalizado: e sibarita é aquele que é dado aos prazeres físicos mesmo que para a evidência prazerosa da pletora necessite do adjutório de recursos azuis. Quanto a comborço, é o atual marido da ex-mulher. A palavra para designar aquele que assumiu a sorte de ser o novo "meu amorzinho" ou tratado como outros adjetivos diminuitivos carinhosos similares por merecimento bem que podia soar melhor aos ouvidos ou parecer mais agradável aos olhos de quem lê essa designação. Tudo explicado. Pois bem, soube depois, que a ingênua vítima do chiste havia, num rasgo de infantil confidenciado aos "amigos" do bar, falado sobre as fotografias do casamento da ex-companheira e de havê-la encontrado, casualmente, na companhia do comborço. Ora, ora, ora, foi falar pra quê? Certas coisas se deve guardar para si, principalmente mesmo sabendo que existe uma enorme diferença entre "roedeira" e confissões de arrependimento. Arroubos de coragem para sair de um relacionamento uma vez, duas, três e o exagero quebrar a chave da porta e jogá-la fora, como demonstração de um "nunca mais" precipitado tem lá consequências, principalmente quando mesmo sem uma outra cópia da chave que partiu em dois e, pior, quem ficou do lado de dentro tomou a providência imediata de trocar a fechadura e colocar uma tranca. Na porta e no coração.
Tudo na vida tem um limite, chega a um fim. O que estava escrito foi cumprido. À risca. O alvo do chiste assimilou a troça e aproveitou a companhia de Baco para ir embora num cambalear inventado disfarçando a mágoa. E sumiu dentro de um táxi, noite cedo afora. Tive vontade de procurar saber o endereço do "chiesteado", mas deixei pra lá. Eu também já senti nas frontes a pletora por raiva e por prazer, e também já fui comborço, não oficial.
Ainda me sobra alguma margem para continuar sibarita, embora provecto. Esta uma explicação percuciente encerra as demonstrações de "roedeira", de arrependimento inócuo, de ciúme tardio, etc. E tal com unilateral humor. Rsrs...!

Crônica dominical de A. Capibaribe Neto

O fantasma das vaias guardadas

Reis cruzaram o Atlântico em suas caravelas aladas, trazendo suas comidas especiais e fazendo suas exigências exóticas. Esnobaram as paisagens, torceram o nariz para a periferia e posaram de superiores.
Estufaram o peito, cheios de orgulho com o tocar de seus hinos cheios de lanças, guerras, guerreiros, batalhas, vitórias, etc. Até aqui, diga-se de passagem. Times da Copa do Mundo. No dia em que escrevo esta crônica, quarta-feira, um rei laranja sofreu esfalfado para vencer um time canguru. Logo a seguir, os toureiros, cheios de bossa selvagem ainda lambiam suas feridas profundas; cinco, mais precisamente, quando entraram na arena luxuosa e contestada pelos protestos inócuos de meia dúzia de oportunistas arruaceiros, que abriram espaço para marginais, ladrões de galinha e bandidos de periferia darem o ar da graça do lado de fora.
Não "adentraram ao gramado", com a costumeira empáfia, mas ainda eram elegantes e esperavam furar as costas dos índios andinos para arrancar os "olés" de seus iguais. Não deu. Pelo contrário, eles é que ficaram na outra ponta do "olé" em desenvolvimento. Mais duas feridas profundas e como foram letais moralmente, eles agora eram o touro avacalhado, com o rabo entre as pernas, voltando para o hotel para o derradeiro check in e tomar o rumo de casa, sem espaço para desculpas esfarrapadas porque agora a terra selvagem pode se mostrar, via satélite, em tempo real, que o rei estava nu e era feio, magro, só fez um gol.
Neste capítulo, encerra-se uma guerra particular. E nem existe mais um Dom Quixote para enfrentar os moinhos de vento que sopraram um verdadeiro furacão sobre eles. "Que pasó?" Perguntavam entre si. Talvez culpem Diego Costa, porque é brasileiro. É, talvez façam isso, mas quem vai engolir, se nem mesmo a sua famosa paella agora é palatável.
O time do Brasil está cheio de europeus tupiniquins que deixaram suas origens humildes nos bairros pobres de lugares que preferem esquecer. David Luis, até agora, é uma grata exceção. Talvez porque teve berço e deve ter lido alguma coisa sobre humildade. Tirante ele e o Tiago Silva, fica difícil encontrar outro exemplo que não exagere nas plumas do pavão.
Hoje mesmo, quarta-feira, o time deve estar roendo as unhas para ver o que vai acontecer entre Camarões e Croácia. Tristes expectativas para um time de milionários empavonados sobre cujas costas começam a pesar os fantasmas de sonoras vaias se não souberem o significado de EQUIPE! Fred já foi motivo de gozação. Fez nada! Neymar ainda chorou, mas não conseguiu ser mais agressivo que o goleiro que pareceu jogar com um sombrero enorme.
Se pudéssemos viajar no tempo já saberíamos quem ganhou a Copa 2014, mas como isso é impossível, o negócio é contar com uma mãe de santo, preparar uma galinha preta e outras mandingas e torcer muito para que os fantasmas das vaias não atormentem suas cabeças coloridas e acabem com a esperança de milhões de fanáticos, com a reeleição da presidenta e encham a bola, por enquanto murcha, de meia dúzia de mascarados que continuam protestando sem bandeira definida e fazendo molecagens sem sentido pelas ruas, onde os esperam muitas balas de borracha, spray de pimenta e muita truculência orientada. Por enquanto.

Crônica dominical de A. Capibaribe Neto

Manifestações fora de foco

Afinal de contas, qual o objetivo dessas manifestações que grassam pelo Brasil? Que tal se juntos procurarmos uma resposta inteligente? Vamos lá... 

Manifestação contra a corrupção; quem são os corruptos? Vamos tomar como exemplo alguns políticos, esses mesmos, sem um mínimo de vergonha na cara, sem escrúpulos, frios e indiferentes à miséria alheia, principalmente quando se trata do descaso com a educação de crianças de quem se lhes rouba a miséria de uma merenda escolar. 

Ninguém se posta diante da casa deles chamando-os de ladrões, exigindo sua cassação ou vai à Câmara dos Deputados ou ao Senado, mostrar indignidade, pedir providência. Não, não vão. Preferem prejudicar os que já estão prejudicados, dificultando-lhe os ir e vir do trabalho, queimando ônibus, depredando ruas, praças, patrimônio alheio, afugentando investidores e, consequentemente, diminuindo oferta de emprego. Qual é o foco então? 
  • Serão cegos os manifestantes de plantão ou obedecem a alguma diretriz para instalar o caos no que já está ruim? 
  • O que é que os jogadores da seleção têm a ver com a ladroagem, com os superfaturamentos de obras ou a roubalheira das merendas escolares? 
Os turistas são circunstantes; veem e vão embora e suas opiniões serão de pouca valia lá fora. Ninguém tem nada a ver com as nossas mazelas. 

A maioria dos que roubam, desviam verbas, superfaturam vão se candidatar com a maior cara de pau e vão ganhar. Quem vai votar neles? Os que estão aí, empunhando bandeiras e faixas de indignação com frases pouco criativas, repetitivas, como os pedidos de "justiça!" a cada violência que extrapola os limites do que já é uma prática diária. Justiça? Que justiça? A que vende habeas corpus para bandidos? Quem vende? Os que vendem são incomodados? Alguém sai por aí, empunhando faixas com os seus nomes, exigindo providência? Não. Embora os nomes dos cafajestes aparentemente estejam protegidos por "segredo de justiça", todo mundo sabe quem são os desembargadores, advogados de "meu cliente" importante e não se faz absolutamente nada. O foco é sempre um ônibus, uma praça, uma placa, a vitrina de uma loja que não tem nada a ver com a história, um carro que é virado em nome de nada, um grito moleque, anônimo. Qual é mesmo, o foco dessas manifestações? Aparar uma grama é motivo de manifestação e aí, tome bagunça, tome bandeira, tome grito e depois, silêncio total. "Ninguém mexe no Cocó" - e o viaduto está aí. As manifestações só serviram para dar visão a políticos oportunistas, a líderes de torcida que gosta e aplaude violência, baderna molecagem. 

Agora, o foco é a Praça Portugal... De repente, arquitetos salvadores da pátria com projetos mirabolantes carentes de fundamento lógico e técnico, sem visão de futuro, condenando uma cidade que recebe mais de dois mil carros por mês a se espremer pelas ruas cheias de moleques, - sempre moleques, mal educados, que como se não bastasse, ainda ligam seus pisca-alerta para mostrar que possuem carteirinha de moleque profissional. E ninguém se insurge contra eles. O negócio é queimar ônibus, virar carro, sujar as ruas, partir para a violência patrocinada e que esconde interesses escusos dos que ficam na sombra, só se divertindo... 

Qual é mesmo o foco dessas demonstrações? Hem, hem?

Coisas da vida

As letras das músicas atuais, essas inventadas no campo do sem nexo do bate-estaca, não dizem nada, não marcam, não despertam o cantarolar pelo fato de não dizerem alguma coisa que faça parte de uma passagem especial, de uma saudade recente ou das mais antigas. Até mesmo as letras de músicas do Wando, como Moça, contam uma história com cheiro de baseada em fatos reais. Nunca Mais Eu E Você, Ainda Bem, Perduto, da Ornela Vanoni, Dio Come Ti Amo, por aí, mexem com o imaginário do romântico ultrapassado, fora de tempo, fora de época. Não importa. Pois bem, não saberia dizer quando me apaixonei pelas estrelas ou quando o feitiço delas me pegou de jeito, mas o fato é que ainda hoje me enterneço com certas músicas, frases soltas, inclusive algumas poucas que aparecem aqui e ali, pela internet da vida, pinçadas por raros românticos que se refugiam ou buscam efêmeras companhia nos facebooks modernos e que coincidem com o meu pensar, digamos assim. Pouco me importa as rimas, as métricas, as palavras que combinam para fazer de um verso um verso, de uma quadra uma quadra, de um soneto um soneto ou uma poesia uma poesia.
A ordem das palavras nada tem a ver com a ordem dos sentimentos porque esses, sim, fazem sua rima pessoal dentro do peito, onde uma ridícula válvula mitral determina se continuamos vivos ou nos prega um susto quando fibrila. Vi de fato, como uma foto, depois de um hiato longo, onde quase fui preso pela surpresa que não teve força para um susto ou graça no aceno que foi o de menos na coincidência da quase passagem na brincadeira do destino. Vai ver, só para testar se o gostar de um dia ainda mexia ou se o peito queria dizer que se vivia um dia, um dia morria como morreu e ficou só na lápide do nome que se repete por ai, mais comum que nunca, sem remeter ao rosto que passou ao oposto do lado de dentro da porta onde a paixão ficou agonizando e depois morta. E românticos, como sempre, sem saber, continuam acreditando em milagres ou no ressuscitar de uma coisa que foi quando precisou ser e também precisou morrer porque é exatamente assim que são as coisas da vida: um começo, um meio e isso aí. E lá estava ela, na outra ponta de um aceno sem jeito, acanhado, tímido, receoso ou um reflexo sem nexo, sem rima, apenas isso; um aceno educado pendurado no olhar de dois olhos grandes debaixo de sobrancelhas especialmente grandes e que ficaram abertas por séculos, exatamente o que pareceu a fração de segundo da passagem rápida, como tudo na vida, que passa e a gente nem se dá conta.
Quando menos se espera, já passou, como tudo na vida, repito. Esta crônica, por exemplo, é dedicada a um rosto que um dia tivemos na moldura das nossas mãos e hoje, como tudo na vida, mudou de mãos. 
Coisas da vida, como se vê! 
Melhor, como se viu...
by A. Capibaribe Neto