Crônica do A. Capibaribe Netp

Explicando a roedeira

Na mesa do bar ao lado da minha, um grupo de amigos escarnecia um dos presentes dizendo que o mesmo estava sofrendo de "roedeira". O "sofredor da roedeira" tentava disfarçar o incômodo pelo deboche que evidenciava a pletora nas laterais da sua fronte com um riso compulsoriamente cúmplice para não esticar o chiste. Explicando pletora e chiste: o primeiro é a elevação do volume de sangue no organismo provocado pela dilatação dos vasos sanguíneos, e o segundo, é o mesmo que facécia, coisa engraçada ou vista por um ângulo alegre, piada. Aos poucos, a facécia (já explicado), deu lugar a outros chistes e atravessou o clima desconfortável para um assunto sério: a Copa 2014 e o deboche constrangedor de uma vaia deselegante.
O termo era-me familiar, mas fiquei curioso em saber o significado de roedeira. E fui ao Google. Estava lá: trata-se de um regionalismo nordestino, é a epizontia do gado bovino, que determina a queda dos chifres; mal-dos-chifres. Ou seja, um conceito utilizado em veterinária e ecologia para qualificar uma enfermidade contagiosa que atinge grande número de animais em um mesmo lugar, ou, no popular, CIUME! A maioria dos homens já sofreu de roedeira, seja com relação aos chifres que lhes caíram com o tempo que cura tudo ou, mais comumente, com o ciúme.
Para os provectos sibaritas, a roedeira passou a ser de pouca importância e a roedeira deve ser levada na brincadeira, embora cause alguma dor principalmente quando uma ferida ainda mal curada é estocada pelo encontro casual do comborço. Explicando tudo: provecto é o homem adiantado na idade, respeitável, experiente, abalizado: e sibarita é aquele que é dado aos prazeres físicos mesmo que para a evidência prazerosa da pletora necessite do adjutório de recursos azuis. Quanto a comborço, é o atual marido da ex-mulher. A palavra para designar aquele que assumiu a sorte de ser o novo "meu amorzinho" ou tratado como outros adjetivos diminuitivos carinhosos similares por merecimento bem que podia soar melhor aos ouvidos ou parecer mais agradável aos olhos de quem lê essa designação. Tudo explicado. Pois bem, soube depois, que a ingênua vítima do chiste havia, num rasgo de infantil confidenciado aos "amigos" do bar, falado sobre as fotografias do casamento da ex-companheira e de havê-la encontrado, casualmente, na companhia do comborço. Ora, ora, ora, foi falar pra quê? Certas coisas se deve guardar para si, principalmente mesmo sabendo que existe uma enorme diferença entre "roedeira" e confissões de arrependimento. Arroubos de coragem para sair de um relacionamento uma vez, duas, três e o exagero quebrar a chave da porta e jogá-la fora, como demonstração de um "nunca mais" precipitado tem lá consequências, principalmente quando mesmo sem uma outra cópia da chave que partiu em dois e, pior, quem ficou do lado de dentro tomou a providência imediata de trocar a fechadura e colocar uma tranca. Na porta e no coração.
Tudo na vida tem um limite, chega a um fim. O que estava escrito foi cumprido. À risca. O alvo do chiste assimilou a troça e aproveitou a companhia de Baco para ir embora num cambalear inventado disfarçando a mágoa. E sumiu dentro de um táxi, noite cedo afora. Tive vontade de procurar saber o endereço do "chiesteado", mas deixei pra lá. Eu também já senti nas frontes a pletora por raiva e por prazer, e também já fui comborço, não oficial.
Ainda me sobra alguma margem para continuar sibarita, embora provecto. Esta uma explicação percuciente encerra as demonstrações de "roedeira", de arrependimento inócuo, de ciúme tardio, etc. E tal com unilateral humor. Rsrs...!