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O vazio da frustração

Por Carlos Chagas
De quando em quando surpreendem-me cobranças de gente séria, amigos e companheiros de longa data, alguns até indignados com comentários de minha lavra, cáusticos para com o ex-presidente Fernando Henrique. Afinal, durante longos anos admiramos a trajetória do Príncipe dos Sociólogos, personalidade que emergia dos porões da ditadura como esperança bem nascida para o Brasil superar os tempos bicudos e obscuros do pensamento único e do enquadramento de nossa sociedade nas jaulas do obscurantismo. Afinal, de jovem participante da campanha do “Petróleo É Nosso” ao professor universitário que contestava o modelo imposto pelo capitalismo selvagem do chamado “Mundo Livre”, sem radicalismos, ele apontava novos rumos para o Terceiro Mundo. Nada de aventuras inspiradas pela justa indignação dos oprimidos de armas na mão, mas um roteiro social aberto à construção do futuro comum onde a Humanidade prevaleceria sobre o egoísmo das elites ensandecidas pela loucura do lucro a qualquer custo.  Por conta de sua pregação igualitária, foi perseguido, obrigou-se a deixar o país, resistindo no Chile, na Sorbonne e depois, antes mesmo da anistia, na cruzada pela redemocratização nacional.  Poucos se deram conta de sua enrustida metamorfose financiada pela Ford Foundation, mas nada havia de pecaminoso em dialogar com os contrários.

Carlos Chagas: Candidato errado, do partido errado, na hora errada

Briguilino: artigo errado, de jornalista errado, na hora errada

Lula, Dilma e o PT estão confundindo tudo. Armam um grande barraco para evitar que  Eduardo Campos consolide sua candidatura presidencial. Perdem tempo e dinheiro caçando um fantasma que não assusta ninguém, exceção dos companheiros, da atual e do ex-presidente. Porque além de não ser conhecido fora das fronteiras de Pernambuco,  carece de uma ideologia definida, ao contrário do saudoso avô, Miguel Arraes. Confraterniza com o que de mais reacionário seu estado possui, apesar de presidir um partido dito  socialista, sem estruturas doutrinárias ou funcionais.
                                                        
No governo, está na moda a “eduardofobia”, que o governador aproveita para tentar romper o  véu da indiferença nacional. Sua meta não está nas eleições de 2014, talvez nem de 2018. Fosse o conclave do Vaticano realizado em Recife e certamente se candidataria a Papa.
                                                        
Pelo jeito, Lula, Dilma e o PT teimam em não olhar um pouco mais à frente, na luta pela reeleição. Não se trata de Aécio Neves, nem de Marina Silva o adversário que precisarão enfrentar. Muito menos Eduardo Campos.
                                                        
O candidato chama-se Joaquim Barbosa, ainda hoje capaz de levar à barra do Supremo Tribunal Federal quem ousar referir-se à hipótese. Por onde ele passa, é aplaudido com entusiasmo. Ainda agora, num restaurante, num cinema, num espetáculo musical, é reconhecido e cortejado pelo cidadão comum, aquele que realmente decide qualquer eleição.
                                                        
Não demora que um partido, pequeno ou mesmo de aluguel, tome a iniciativa de lançar o presidente do STF. Ele vai rejeitar, reafirmar que a política nunca foi  a sua praia, distribuir grosserias e fechar-se em seu gabinete. Só que adiantará muito pouco. Exprime o modelo que o eleitor médio espera faz muito para livrar-se da imensa maioria dos políticos profissionais. Quando a hora chegar, e positivamente não é essa, irromperá como um tsunami incontrolável. Quem viver, verá...

Carlos Chagas: cabritos na sucessão


 É conhecida a história daquele caboclo  que, estando o fazendeiro de viagem, botou um cabrito nos ombros e ia atravessando a porteira, já pensando no lauto jantar, quando viu-se surpreendido pelo dono da terra. Interpelado sobre o óbvio roubo do animal, respondeu angelicalmente: 

                                                        
No Brasil, hoje, tem gente demais carregando cabritos. O governador Eduardo Campos, depois de novo encontro com a presidente Dilma, declarou aos jornalistas que nem de longe cuidaram da sucessão de  2014 e que ele não será candidato, por apoiar a reeleição da presidente. Ela,  em entrevista no final do ano, perguntada sobre seus planos para um segundo mandato,  cortou a conversa dizendo nem cogitar do assunto. Já o ex-presidente Lula rebate a questão como zagueiro de time de várzea, acentuando que a vez é de Dilma. Michel Temer, vice-presidente, renova juras de amor ao PT e prepara seu partido, o PMDB, para as  eleições de 2018. Do outro lado, Aécio Neves desconversa e adia seu périplo pelo país para mais tarde. Geraldo Alckmin sustenta que é cedo para definições. A própria Marina Silva fala em montar um partido, primeiro.
                                                        
Aqui para nós, estão todos com cabritos no ombro, já tendo atravessado a porteira faz tempo. O fazendeiro, no caso, somos todos nós, que ao cobrarmos o domínio do fato, ouvimos palavras de surpresa, até de  indignação.  Só que os cabritos estão  sendo levados, indagando-se apenas qual deles dará o melhor jantar.

Carlos Chagas: Trotski, Dilma e o cachorro


Leon Trotski foi tão importante quanto Lênin, nos preparativos, na deflagração e nos primeiros anos da revolução bolchevique. Tanto que uma vez conquistado o poder, o  novo regime voltou-se para ele quando  doze países capitalistas mantiveram ou enviaram tropa armada para apoiar russos brancos, cossacos e generais  dissidentes  na tentativa de estrangular aquele fantasma erigido pela miséria  e a revolta.  Lênin sugeriu que depois  de chefiar  a delegação enviada a Brest-Litowski para obter o cessar fogo com os alemães, Trotski fosse nomeado Comissário da Guerra e assumisse o comando do  recém formado Exército Vermelho.    Durante três anos, a bordo de um trem-blindado, ele percorreu as múltiplas frentes de batalha,  estimulando a resistência.   As forças invasoras dispunham de grandes  recursos  e contavam com o apoio da mídia européia e  americana da época, que enviavam  correspondentes e repórteres para acompanhar  a tentativa de sufocar o governo  sediado em Moscou. Como sempre, os jornalistas exageravam.
                                                        
Numa das batalhas onde os bolcheviques levaram a pior, os telegramas mandados para as principais capitais mundiais davam  conta  de que Trotski fugira a poucos minutos de ser derrotado,  não conseguindo  levar no trem o seu cachorro de estimação, que os adversários haviam  capturado.
                                                        
Depois de a História haver encenado  mais uma de suas tragédias,   vitorioso militarmente mas perseguido por Stálin e obrigado a refugiar-se no México,  Trotski escreveu em suas memórias: nunca me preocupei em desmentir aquelas notícias, até porque, jamais tive um cachorro...
                                                        
O episódio se conta a propósito do exagero repetido todos os dias  pela chamada grande imprensa a respeito das dificuldades enfrentadas pela presidente  Dilma na condução do governo. É claro que o mar não está para peixe.

Carlos Chagas: Joaquim Barbosa presidente


Não é brincadeira, não. Se um pequeno partido lançar, e se o ministro-relator aceitar, o rastilho logo estará queimando no  país inteiro. Fala-se da hipótese de Joaquim  Barbosa tornar-se candidato à presidência da República.  

Num Brasil  de tantas decepções, de vez em quanto surgem  personagens mágicos capazes de empolgar todo mundo.  Geralmente não dá certo, como não deram Jânio Quadros, Fernando Collor e até o ... (*cala-te, boca).

A verdade é que o inflexível caçador de mensaleiros situa-se na crista da onda. Não há quem não o admire. Reconhecido nas ruas, é  aplaudido com entusiasmo. Até sua cor o favorece, menos, é claro,  do que seu empenho em botar na cadeia ladrões por enquanto favorecidos pela impunidade permanente que marca nossa sociedade.  Parece óbvio que a possibilidade dele tornar-se candidato assusta muito mais as elites do o Lula assustou. Um torneiro-mecânico criou   pânico menor  do que poderá  criar um aplicador da lei.  

Uma coisa parece certa:  Joaquim Barbosa jamais escreverá uma “Carta aos Brasileiros” capaz de acomodar interesses.  

*Fernando Henrique Cardoso                                               

por Carlos Chagas

A TERRA É AZUL

Mais do que necessários, são imprescindíveis os mergulhos no passado. Acaba de completar 50 anos o primeiro vôo espacial da História. Um russo foi para o céu, assombrando o mundo inteiro. Por menos de duas horas Yuri Gagárin, major, 27 anos, circundou o planeta a bordo de uma  cápsula onde mal cabiam suas pernas.

A festa durou dias. O jovem comandante recebeu todo o tipo de homenagens, a começar por um tapete vermelho de quase um quilômetro, que percorreu acompanhado por câmeras de televisão e máquinas fotográficas, para no final levar um beijo do então todo-poderoso Nikita Kruschev. A União Soviética não se cansava de alardear a vitória do socialismo sobre o capitalismo. Anos antes os russos já haviam lançado o Sputnik, primeiro satélite artificial, conquistando agora inegável supremacia científica  sobre os americanos.

Naqueles idos, o Muro de Berlim ainda não havia sido levantado, a invasão da Hungria pelo Exército Vermelho era tida como reação  necessária à conspiração da CIA e, na União Soviética, ninguém pensava em ocupar o Afeganistão. O perigo, para os russos, estava na China, demonstrando como Mao Tzetung era precavido. John Kennedy, nos Estados Unidos, dava a impressão de promover ampla reviravolta para extirpar o racismo e a pobreza.  Fidel Castro ensaiava os primeiros passos para transformar Cuba numa República Popular, com Che Guevara empolgando a juventude. A França ressurgia das cinzas pela volta de De Gaulle ao poder, Nehru, na Índia, e Tito, na Iugoslávia, assentavam as bases do Terceiro Mundo. No Vaticano, um velhinho feito Papa para protelar um impasse eclesiástico surpreendia céus e terra ao realizar formidável alteração de rumos na antes conservadora  Igreja Católica. Até no Brasil um líder meio histriônico, meio doido, concentrava as atenções. Ora a esquerda, ora a direita, aplaudiam o recém-eleito Jânio Quadros.

Em suma, para os jovens, o mundo se descortinava à frente como um imenso paraíso. O futuro pertencia a todos nós.

Depois, foi o que se viu. Nem é preciso lembrar que Kruschev foi deposto, Mao impôs ao seu povo uma abominável Revolução Cultural, Kennedy acabou  assassinado, Fidel, transformado em títere, Nehru e Tito passaram, De Gaulle renunciou, João XXIII foi para o céu e Jânio Quadros surpreendeu o país na tentativa de dar  um golpe, felizmente malogrado, para tornar-se ditador.

Cinqüenta anos depois, o socialismo saiu pelo ralo, o Terceiro Mundo se desfez e o Brasil viveu 21 anos de ditadura militar. Valeu? Pelo menos  naqueles dias em que Yuri Gagárin transmitia, lá de cima, que a Terra era azul.

Reforma política


ENXUGANDO GELO E ENSACANDO FUMAÇA

Depois de duas semanas de ócio,  prepara-se o Congresso para começar a debater a reforma política.  Reúnem-se terça-feira as comissões especiais da Câmara e do Senado, claro que em separado. Umanão sabe nem se interessa em saber o que fará a outra. Semanas, talvez meses, vão decorrer antes que deputados, de um lado, e senadores, de outro, cheguem a qualquer conclusão, tendo  em  vista divergências partidárias internas profundas, lá e cá.

Ainda que por milagre venha a haver maioria  para a aprovação de determinadas propostas no plenário da Câmara, o mesmo acontecendo no Senado, a etapa seguinte se afiguraria intransponível, tendo  em vista que o projeto aprovado numa casa irá  para a outra, e vice-versa.  Estes modificariam a proposta daqueles, e aqueles, a destes.

Resultado: preparam-se os deputados  para enxugar gelo e  os senadores para ensacar fumaça, numa prática corporativa típica. E pode esperar sentado quem  imaginar o Executivo intrometendo-se para alcançar um texto comum. No fim, salvo    engano, a grande decisão dos políticos sobre a reforma política será não tomarem decisão alguma. Ou no máximo paliativos, para burlar  a opinião pública.
por Carlos Chagas

FHC, o megalomaniaco mor

Por trás da megalomania ou o Dr. Pangloss tropical 

 Mais do que  megalomania, é remorso,  diria um estudante do primeiro ano de Psicologia. Uma necessidade absoluta de, auto-elogiando-se, tentar  inutilmente demonstrar  que fez o melhor para o país e que não traiu seu eleitorado em 1994. Porque quando Fernando Henrique Cardoso firmou-se como candidato, graças ao apoio do então presidente Itamar Franco, trazia o perfil de um socialista moderado. Era alguém que daria mais alguns passos no rumo da justiça social, que governaria para o andar de baixo e para a classe média, respeitando e até ampliando os direitos trabalhistas e afirmando a soberania nacional.

Não é brincadeira: por isso ele foi votado, em contraposição a um Lula ainda tido como o lobisomem das elites e do mercado. O país queria mudanças, mas dentro da tranqüilidade, sem radicalismos.

Depois, foi o que se viu. A farsa da flexibilização, que o candidato jamais admitiu em campanha. O desmonte dos direitos sociais fixados na Constituição, a  quebra dos monopólios essenciais à nacionalidade e a entrega pura e simples de nossa economia ao estrangeiro. Mais  as  privatizações, boa parte com dinheiro público,  dos fundos de  pensão, do BNDES, do Banco do Brasil e similares.

Tudo isso era o oposto do que o Brasil esperava, mas,  como o andar de cima entrou em orgasmo  financeiro, ampla campanha de propaganda ofuscou a perplexidade e a indignação nacional. O campeão do socialismo transmudou-se em tirano do neoliberalismo sem que seus eleitores nada pudessem fazer.

Nem  se fala, hoje, do golpe sujo da reeleição comprada a dinheiro vivo, muito menos do uso da máquina pública para garantir-lhe mais um mandato.

O resultado aí está: de forma compulsiva, FHC não perde um dia sem aparecer na mídia, buscando travestir a História e mostrar-se como quem mudou o Brasil, conforme ainda esta semana declarou num programa de televisão. Chegou a dizer, “sem falsa modéstia”, que o país era um, antes dele, passando a ser outro, depois.  Nesse particular pode ter razão: outro que ele transformou em  paraíso dos especuladores e inferno do trabalhador e dos assalariados de pequena renda, sem falar nos miseráveis cujo número  multiplicou-se.

Vendo as coisas  mudarem nos anos Lula, ainda que nem tanto na economia, o ex-presidente passou a exaltar o que realizou de pernicioso como se tivesse sido a base do que o sucessor realizou de benéfico para a população carente. Um artifício de raciocínio digno do Pinóquio, no qual ninguém mais acredita.

Assim estamos quando o ex-presidente começa a trocar o  alvo de suas invejas. Do Lula, está passando para Dilma, a quem acusou de não terminar raciocínios, não entendendo o que ela quer dizer. Deve-se, essa oclusão, a estar utilizando um tipo novo de óculos, no caso, de um dr. Pangloss dos trópicos...

O anúncio do ministério

Quando completar suas escolhas  e anunciar o ministério inteiro, se é que ainda não fez,  o que dirá a presidente Dilma Rousseff, com referência à nova equipe?

Certamente não anunciará “o melhor ministério da história da República”, até porque não é e nem ela parece imbuída dos exageros do Lula.

Falará do “melhor ministério possível”, numa lembrança das  pressões sofridas e das  ambições sentidas pelos partidos? Também não, porque seria igualar aos demais uns poucos ministros competentes que existem no conjunto, além de comprar briga com os urubus que esvoaçaram ao seu  redor.

Também não irá referir-se ao “ministério da experiência”, como um dia Getúlio Vargas definiu seus  primeiros ministros,  deixando claro que em poucos meses mudaria muita gente ou todo mundo. A presidente poderá até dispor dessa intenção, mas jamais a tornará pública.

Sendo assim, o provável é que Dilma apenas se dirija à imprensa salientando: “Esse é o ministério.” E ponto final, até sem particular que “esse é o MEU ministério”. Porque com toda certeza não é.
por Carlos Chagas
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A responsabilidade dos consumidores de drogas ilegais


Quando eclodem as guerras, os países envolvidos dedicam-se a analisar suas causas, justificando-se pelo envolvimento nos confrontos. Ainda em 1939 as democracias européias acusavam a Alemanha de invadir outras nações, ao tempo em que Adolf  Hitler alegava o esbulho do Tratado de Versailles contra o povo germânico.

Sucedem-se as explicações sobre a conflagração no Rio, com a polícia e as autoridades denunciando a extensão do crime organizado no controle das favelas e os narcotraficantes sustentando que a miséria e o desemprego não lhes deixaram outra opção de sobrevivência.

Só que ambos os lados em choque, com raras exceções, omitem o fator principal de responsabilidade pela conflagração: os usuários de droga. Não tivessem os viciados se multiplicado em progressão geométrica e não estaríamos assistindo essa novela de horror.

Os números não deixam mentir: só da Vila Cruzeiro escaparam perto de 600   narcotraficantes, refugiando-se no Complexo do Alemão. Multiplique-se pelas outras mil favelas fluminenses o número de bandidos empenhados em adquirir, vender e distribuir cocaína, maconha e outras drogas, e se terá o número aproximado de dezenas de milhares de criminosos assolando a antiga capital e adjacências.

Isso significa número muito maior de viciados, daqueles que recebem a droga a domicílio ou freqüentam as bocas de fumo. Duzentos mil, quinhentos mil, no Rio? São eles os responsáveis pela guerra. Carregam a culpa pela intranqüilidade da população inteira, mais os assassinatos, os roubos e  as depredações.  No entanto, são tratados como vítimas, coitadinhos, pobres doentes contaminados pela angustia...

Aqui para nós, é preciso criminalizá-los. Identificá-los. Expô-los à sociedade. Torná-los responsáveis perante a Justiça, aplicando-lhes penas que, mesmo não sendo de prisão,  precisam ser conhecidas dos vizinhos, parentes, patrões e empregados. Em especial os melhor favorecidos, os ricos e os integrantes das elites. Vale repetir, são eles os culpados pelo que vai acontecendo, porque se não existissem, não existiria o narcotráfico. Nem a guerra.

Carlos Chagas

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Abominável loteamento

Quem quiser que bote panos quentes, mas a verdade é que neste período de montagem do ministério de Dilma Rousseff o país vem assistindo o mais um abominável espetáculo de loteamento do poder público e de chantagem explícita feita contra a presidente eleita.  Desde a instauração da Nova República não se via coisa igual. Aliás, é preciso debitar parte da precipitação da doença de Tancredo Neves às pressões por ele sofridas nas vésperas de sua posse, que não houve. Naqueles idos, PMDB e Frente Liberal, cada um com grupos e alas conflitantes, todos de goela aberta, levaram o saudoso mineiro a desabafar: “resolvam vocês mesmo, eu já não agüento”. E não agüentou.


Dilma agüenta, mas enfrenta verdadeiro massacre que Fernando Collor, Itamar Franco, Fernando Henrique e o próprio Lula não enfrentaram. Dirão os otimistas que na transição da ditadura para a democracia reuniram-se forças tão díspares ao redor de Tancredo quanto outras se juntaram agora, para a eleição de Dilma. Pode ser, mas a explicação não justifica essa corrida desavergonhada ao poder.



Porque não se trata apenas de reivindicações do PMDB, do PT e dos penduricalhos. Falasse cada partido uma só linguagem e  ainda poderiam compor-se com Dilma. O diabo é que em todas as legendas situam-se alas e grupos estanques e independentes, cada qual  julgando-se no direito de impor seus representantes.



Por exemplo: há o PMDB de Michel Temer, mas também o PMDB do Rio de Janeiro e o PMDB do Nordeste. Como existe o PT de Minas Gerais, o PT de São Paulo, o PT do José Dirceu e o PT da Bahia, entre muitos. Já não tentam impor apenas ministérios, tanto os que detém no governo Lula quanto outros. Levam abertamente aos coordenadores da transição imposições a respeito das presidências e das diretorias do Banco do Brasil, da Caixa Econômica, do Dnit, da Petrobrás e de uma infinidade de empresas públicas e órgãos da administração direta.



Raras vezes se tem loteado o poder como agora. Registre-se o brado ímpio do ressuscitado  Severino Cavalcanti , do PP: “Pernambuco não pede. Pernambuco exige!”


Completa essa equação de horror o componente Lula. Por mais que o presidente repita  não indicar nem vetar ninguém, do lado da Dilma todos pisam em ovos na simples suposição de que o primeiro-companheiro poderia gostar ou não gostar desta ou daquela indicação.   Acresce que eles tem conversado sobre nomes, como na madrugada de terça-feira, no palácio da Alvorada.



Em suma, se não tiver havido ou se não houver um basta, nas próximas horas, a nova presidente da República assumirá enfraquecida e refém do que há de pior em sua base política. Como temos sugerido, urge um murro na mesa e uma determinação fundamental para o futuro: escolher os melhores e os mais capazes sem aceitar imposições.

Carlos Chagas
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Carta aos jovens jornalistas

Existem momentos, raros, na vida de todos nós, em que o tempo parece interromper-se.
O que era, deixou de ser.
O que será, ainda não é.
O passado terminou e o futuro  não começou.
O presente, assim, adquire as características do eterno.
As formaturas exprimem esses momentos.
Ao entrar neste auditório, vocês deixaram de ser alunos da UNB.
Quando saírem, depois de diplomados, serão jornalistas, publicitários, cineastas - enfim, comunicadores sociais.
Importa, então, aproveitar estes instantes eternos para, pela última vez,  em conjunto, praticarmos aquilo que alunos e professor praticaram nos últimos anos.
Vamos continuar questionando.
Vamos cultivar a dúvida.
Vamos erodir as teorias.
Vamos contestar os mitos.
Vamos  implodir os modelos.
Vamos desfazer verdades absolutas.
Porque esta é a função primeira do jornalismo:
Opor os fatos às ilusões.
No exercício de nossa profissão, do princípio ao fim,  nosso trabalho pode ser pautado pela realidade.
É ela o Deus que devemos adorar.
As ilusões, as verdades absolutas, os modelos, os mitos e as teorias, são o demônio que precisamos  exorcizar.
Comecemos pelo nosso próprio mundo, a universidade.
Ao contrário do que muitos pretendem,  a universidade não é uma simples matriz produtora de mão de obra para a sociedade.
Jamais, apesar  das tentativas, a universidade será reduzida a um forno produtor de pão para o banquete das elites.
É claro que  vocês se prepararam para trabalhar nos jornais, nas revistas, no rádio, na televisão, nas agencias de notícias e nas assessorias de imprensa.

Vocês estão preparados para ingressar nesse estranho universo cibernético de sites, blogs, e-mails, portais e equivalentes.
No entanto, muito mais do que preparados para ganhar salários  nessa variada gama de atividades e de serviços, vocês estão preparados para questioná-los.
Vocês estão em condições de renová-los, reformá-los e até, se preciso for, de revolucioná-los.
Porque uma universidade não é uma instituição destinada a servir aos detentores do poder, seja esse poder político, econômico, sindical, esportivo, artístico ou cultural.
Uma universidade existe para contestar o  mundo á sua volta.
Até para rejeitá-lo, repelí-lo e modificá-lo.
Uma universidade também existe para revolver as entranhas do mundo situado dentro de nós  mesmos.
Significa, uma universidade, um centro permanente de não aceitação de postulados, programas, doutrinas e ideologias de qualquer espécie.
Somos,  por isso, uma fonte inesgotável de resistência ao que acontece à nossa volta.
Um arquipélago de divergências em  meio a um oceano de dúvidas.

Será preciso, assim, de humildade para compartilharmos essa última trincheira de resistência, esse derradeiro refúgio da liberdade.
No ano de 1900, na sorbonne, o mais famoso dos  catedráticos de física, o professor Lipmann, iniciava sua aula inaugural dizendo-se com dó de seus alunos.
Com pena deles porque haviam decidido estudar física.
Porque a física, dizia o  catedrático, já estava pronta, acabada, definida e empacotada. Nada  mais  haveria a descobrir e a pesquisar.
Pobre professor Lipmann, que para sorte dele morreu antes de saber da existência de Einstein e da teoria da relatividade, da física quântica e de quanta fascinação veio e continuará a vir.
Não é a oportunidade, agora, mas não resisto à tentação de questionar a mais nova  das verdades absolutas, o  mais cruel dos  mitos  de nosso tempo,  a chamada  globalização.
Para uns tantos  ingênuos e outro tanto de malandros, globalização significa o fim da história.
Depois da globalização não existe mais  nada.
Argumentam esses patetas a prevalência absoluta do capitalismo, só porque o dinheiro consegue circular de um extremo a outro do planeta em questão de segundos, num digitar de teclas.
Carlos Chagas
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O day after

A partir de hoje segunda-feira [01/11/2010] dois tipos de reunião estão acontecendo no país inteiro. De um lado, os vitoriosos, planejando o futuro. De outro, os derrotados, lamentando o passado.

Quem ganhar a eleição evitará ilações sobre a formação do ministério, mas não deixará, no recôndito da euforia, de estar escalando em silêncio a equipe que o acompanhará a partir do primeiro dia de janeiro.


Quem perder buscará garantir espaços para incluir-se  na linha de frente da oposição naturalmente formada pela voz das urnas. Sobreviver será sua  preocupação maior.


Os partidos estarão em efervescência, com vistas a aglutinar-se no próximo Congresso. Os governadores, de seu turno, pensarão em  acomodar-se diante do novo quadro nacional, influindo ou insinuando-se.


Quanto aos integrantes do governo atual, já então arrumando as malas para voltar à planície ou conseguir permanecer no alto da montanha,  precisarão aguardar com ansiedade redobrada. Em suma, nada de novo debaixo do sol.
Carlos Chagas


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Cuidado com os desatinos da elite

por Carlos Chagas

Seria oportuno que Dilma Rousseff e José Serra dessem uma olhada  para fora,  preparando-se para os efeitos da segunda etapa da  crise já avançada na Europa, prestes a cruzar o Atlântico.    Ela coincidirá  com a posse do novo governo,  encerrando o período de euforia um tanto fictícia dos dois mandatos do presidente Lula.

França, Grécia, Portugal, Espanha, Inglaterra e Alemanha, entre outros,  defrontam-se com o que suas elites denominam de necessidade de evitar a bancarrota através do equilíbrio entre receita e despesa. Mais uma vez, guardadas as peculiaridades de cada nação, coincidem todas na solução anacrônica e perversa do sacrifício das massas assalariadas. Numa palavra, a supressão de direitos  sociais conquistados a duras penas. A conta será enviada    para onde sempre foi,  ou seja,  os ombros dos menos favorecidos. No Velho Mundo,  os especuladores multiplicaram seus ganhos, os banqueiros locupletaram-se com a poupança popular, os investidores criaram ilusões e os governos acobertaram a lambança. 

Agora, impõem restrições  às aposentadorias, dispensas em massa no serviço público,  desemprego nas atividades privadas, redução nos salários, aumento de taxas e impostos,  limitação de benefícios trabalhistas, enxugamento da máquina administrativa, corte de gastos e de investimentos públicos, aviltamento da moeda  e toda a tradicional receita imposta goela abaixo dos mesmos de sempre.

As imagens transmitidas pelas telinhas variam apenas na intensidade das forças policiais baixando o cassetete e arremessando bombas de gás lacrimogêneo nas praças, avenidas e esquinas de suas capitais e principais cidades.  As greves são tidas como subversão explícita ao tempo em que a autoridade pública sustenta  não haver outra saída.

Concluirão pelo sacrifício dos outros    aqueles sempre preparados para preservar suas benesses, prontos para participar até o último momento da farra de seus privilégios. Depois, que os governos se disponham a socorrê-los, ainda que às custas da maioria.

O problema é que com a nova onda de convulsão econômica  à vista, graças à mídia eletrônica  desta vez também  vem chegando até nós as manifestações de protesto, capazes de pegar feito sarampo.

Na hipótese da vitória de Dilma Rousseff, ficará difícil ao seu governo explicar como exigir medidas de contenção e sacrifício depois de tão prolongada euforia lulista. Mesmo prevendo-se que continue  imposta a mordaça aos   movimentos sindicais, a classe média se insurgirá. No improvável  reverso da medalha, isto é, com a eleição de José Serra, será impossível evitar  a rebelião das massas frustradas por  oito anos  de ilusões. 

Em suma,  quem vier a tornar-se presidente da República deve estar preparado  para enfrentar de imediato a segunda rodada  da crise que falsamente fomos os últimos a sentir e os primeiros a cair fora. Como? Ora, adotando as mesmas fórmulas do modelo aplicado há séculos, de levar a população  a pagar  pelo desatino das elites. Pode ser que desta vez não dê certo.           

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Deus não tem partido

Houve tempo, nas décadas de quarenta, cinquenta e sessenta, em que a Igreja Católica participava ativamente do processo eleitoral. Bispos e até cardeais divulgavam  listas de candidatos nos quais os fiéis estavam proibidos de votar, sob pena de excomunhão. Nos sermões de domingo, não apenas os filiados ao Partido Comunista eram proscritos. Também os desquitados e os que viviam um segundo casamento. Ameaçava-se com o fogo do inferno quantos descumprissem as diretrizes eclesiásticas.

A própria Igreja encarregou-se de corrigir aqueles excessos, entendendo que a opção político-partidária nada tem a ver com o dogma ou  a liturgia. E até  desestimulando padres de concorrer a postos eletivos.

O diabo [com perdão do substantivo mal-empregado] é que outras igrejas proliferaram e se transformaram em agentes político-partidários. Apresentam candidatos em proporção muito maior do que os católicos apresentavam antes, bem como se arvoram em árbitros eleitorais. Exigem dos candidatos compromissos  formais com suas doutrinas, intimidando-os e levando-os a perigosas omissões por conta da ameaça de colocá-los num index redivivo.

Seria bom o poder público prestar atenção nos possíveis desdobramentos desse fenômeno. Afinal, as igrejas não pagam imposto...

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Freio de arrumação nas pesquisas eleitorais?

por Carlos Chagas

Tempos atrás singular solução foi encontrada pelos motoristas de ônibus, no Rio, quando não havia metrô e os transportes coletivos eram piores do que hoje. Diante da lotação total das viaturas e da necessidade de recolher mais passageiros nos pontos, sem espaço para entrar, os imaginativos motoristas gritavam para os trocadores, lá atrás: “vamos para mais um freio de arrumação!”

Uma freada súbita levava primeiro para a frente e depois para a retaguarda os montes de passageiros que viajam em pé, no corredor, abrindo-se espaços entre os que se agarravam aos bancos e os que iam caindo. Assim, entrava mais gente.

Guardadas as proporções, é o que acontece com as pesquisas eleitorais, com raras exceções uma atividade comercial como qualquer outra, onde o faturamento se torna essencial. Como são muitos os candidatos, os números começam não batendo, para depois chegarem a uma espécie de pré-consenso, não  necessariamente um espelho das tendências populares. Entram nessas contas os patrocinadores, os clientes, os veículos onde serão publicados os resultados e, com todo o respeito, os interesses empresariais.


Apesar da sofisticação das metodologias e da capacidade dos responsáveis, sabem todos que por impossibilidade prática ou por malandragem, das dificuldades de aferir corretamente as tendências de um eleitorado de 132 milhões cidadãos e cidadãs num universo de 5.583 municípios através de consultas a no máximo 4 mil eleitores em apenas 200 cidades.


O problema é que o tempo vai passando, as campanhas se acirram e às  vésperas do pleito é preciso dar um freio de arrumação nas pesquisas. Acoplá-las o melhor possível ao resultado próximo das urnas, medida imprescindível para garantir clientes nas próximas eleições. 


Quando os números começam a mudar, surgem três indagações: 
1. Estavam errados os percentuais divulgados até então, não era aquele o sentimento popular. 
2. Estavam certos e as alterações de última hora refletem desesperada tentativa de atender a interesses obscuros. 
3. O povo é instável, volúvel e bobo, porque mudou como biruta de aeroporto.


De modo geral os institutos ficam com a última hipótese, insurgindo-se contra a possibilidade de terem sido parciais e cometido erros, jogando a responsabilidade nos mesmos de sempre, os eleitores. Só que vigarice tem limites. O que estão fazendo é dar um freio de arrumação nas pesquisas, quando a solução natural seria, lá como cá, investir em melhores transportes coletivos ou ampliar substancialmente o leque das consultas eleitorais.


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Uma rígida professora


Caso até domingo não sobrevenha um inusitado de olímpicas proporções, Dilma Rousseff estará eleita presidente da República. Só um milagre, e dos grandes, impedirá a candidata de vencer, provavelmente no primeiro turno.
Sucedem-se as perguntas, a partir daí: seu governo será um vídeotape do governo Lula, até pela manutenção de ministros atuais ou antigos? Conseguirá o PT maiores espaços na administração e nas decisões políticas? Qual o papel do PMDB, presumindo-se que venha a eleger as maiores bancadas na Câmara e no Senado? Haverá um dialogo diferente com as oposições? A influência do presidente Lula será ostensiva ou velada? A política econômica sofrerá mudanças?
Mais um milhão de  indagações poderiam seguir-se a essas, registrando-se apenas a evidência de estar o país no limiar de um novo modelo de governar. Menos pelo fato de pela primeira vez uma mulher assumir o poder, mais pelas características pessoais de Dilma. Dificilmente ela conservará a imagem a duras penas mostrada na campanha, eivada de amenidades, sorrisos e rapapés.  Por natureza, a nova presidente é rígida, áspera e até intolerante. Não mudará, em especial quando se vir a braços com desafios, incompreensões, críticas e a óbvia incompetência que marca a ação da máquina governamental.
Em suma, deve o país preparar-se para ser dirigido por uma professora disposta a cobrar o dever de casa logo no primeiro dia de aula. Alguém de poucas palavras e muita cobrança, bem diferente do tolerante e loquaz antecessor.
Carlos Chagas

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Sinceridade faz mal. De mais ou de menos

Ao disputar a presidência da República em 1960, o marechal Henrique Lott caracterizou-se pela sinceridade de suas mensagens e pronunciamentos. Não fazia concessões a temas e situações. Vinha defendendo a estatização completa do ensino primário e médio, com o fim das escolas privadas. Chegando em Santa Catarina, foi procurado ainda no aeroporto de Florianópolis por uma comissão do PSD, maior partido nacional, que o apoiava. Com muito jeito, Celso Ramos, cacique local, chamou-o de lado e apelou para que não abordasse o assunto, no comício daquela noite. Não pedia que mudasse de proposta, mas, simplesmente, que a omitisse, porque no estado o ensino privado ultrapassava 80% das escolas.
O marechal  não disse nada, pareceu concordar. No palanque, depois de  pronunciar-se sobre montes de projetos nacionalistas, preparava-se para encerrar sua fala e não havia tocado na questão do ensino. Todos pareciam satisfeitos quando, puxando Celso Ramos para o seu lado, disse ao microfone suas últimas palavras: “quero demonstrar como sou sincero. Meu amigo Celso pediu-me para silenciar quanto às escolas, mas não tenham dúvidas, se eleito, vou estatizar  todas elas!” Perdeu de lavada a eleição em Santa Catarina.
Essa historinha se conta em função da teoria dos contrários. Um pouquinho de sinceridade faria bem aos atuais candidatos,  mestres em omitir temas capazes de tirar-lhes votos. Dilma não fala no lucro dos bancos, Serra silencia diante das privatizações do governo Fernando Henrique, Marina evita abordar o asfaltamento da rodovia  Manaus-PortoVelho e Plínio esquece de  lembrar que o comunismo saiu pelo ralo... 
Carlos Chagas

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Debates - Insossos, amorfos e inodoros debates


No passado foi sinal de prestígio para as redes de televisão promover debates entre os candidatos presidenciais. Positivamente, hoje não é mais. Pudessem ser realizadas e divulgadas pesquisas amplas, em todo o território nacional, a respeito dos índices de audiência desses debates, e os partidos se surpreenderiam pelo baixo nível de atenção do  cidadão comum diante da repetição das mensagens de cada candidato. Verificariam o esgotamento do formato já ultrapassado de um perguntar para o outro, com tempo restrito para réplicas e tréplicas onde apenas chavões e pegadinhas vão ao ar.

A turma do faturamento das emissoras através da publicidade não anda nada satisfeita. Até   os barões-proprietários começam a duvidar da eficácia de sua presença na portaria e nos corredores  das emissoras,  recebendo os participantes, como forma de mais tarde serem recebidos por um deles, o vencedor, quando chegar ao palácio do  Planalto.
É preciso repensar essa monótona tentativa de angariar votos, por parte de uns, e de programar influência, pelos outros. Um único debate realizado em pool ainda passaria, pela  curiosidade do  eleitor. Cinco, seis e mais encontros dos mesmos, falando as mesmas coisas, só faz despertar sono no telespectador. Mais evidências do desinteresse popular  tivemos ontem, no debate da Record, e teremos quinta-feira, na Globo, como aconteceu antes  na Bandeirantes, na Rede-TV, na Rede Vida e outras. Bem agiu o SBT em não pleitear o seu debate,  limitando-se a abrir espaço para entrevistas isoladas de cada candidato.
Repetir no futuro as mesmas insossas, amorfas e inodoras apresentações equivalerá a desestimular eleitores e candidatos.

por Carlos Chagas



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A nova luta de classes


por Carlos Chagas

Talvez algum sociólogo, quem sabe um cientista político ou um economista, daqui a alguns anos, venham a dedicar tempo e espaço buscando explicar o fenômeno Lula. Tanta popularidade fluiria apenas de ações administrativas corretas e competentes, quer dizer, resultado da aceitação de seu governo pela maioria? Ou a resposta deve ser buscada no extremo oposto, ou seja, nessa maioria, mais do que no governo?
Podemos estar assistindo a versão moderna da luta de classes, não mais plena de batalhas nas ruas, golpes e sucedâneos, mas um embate igualmente profundo entre as massas e as elites, só que pautado pela não-violência. Marx ficaria insatisfeito se pudesse vislumbrar resultados pacíficos num confronto que em seu tempo só se resolveria pela força.
O Lula pode dar-se ao luxo de eleger uma candidata desconhecida para sucedê-lo, ainda que jamais para substituí-lo, pela simples razão de ser ou de ter sido um operário. Um problema a mais para Dilma, que hoje não amealha nem um voto por ter sido guerrilheira. Como é uma amanuense, terá dificuldades em concentrar a mesma popularidade de seu criador, ainda que possa até fazer mais do que ele, em termos administrativos. Apenas, não veio das fábricas ou da enxada, não pertence à legião que hoje se imagina no poder, representada pelo Lula.  
Mas o tema ainda não chegou ao futuro governo. Vale ficar na atualidade que, realidade ou ilusão, exprime a luta de classes, refletindo-se no sentimento da maioria. Vale o presidente Lula mais pela imagem criada, o sonho tornado evidência, de que os operários e camponeses, afinal, chegaram lá. 
Existem contradições nesse embate milenar. As elites ajeitaram-se com o primeiro-companheiro, que não regateou presenteá-las com benefícios, mas permanecem discriminadas e rejeitadas pela massa que vota e, por enquanto, decide. Cada m dos privilegiados que pesquise o sentimento verdadeiro de suas empregadas domésticas, motoristas, serviçais e trabalhadores humildes. No fundo de cada um, instintiva e até inconscientemente, está a rejeição às elites. O povão vai votar a favor do Lula por ser ele, povão, contra os privilegiados. Todos fingem a inexistência desses fatores, uns por esperteza, outros por ressentimento, mas a verdade é que pela primeira vez as massas encontraram alguém saído delas para exercer o comando. Pouco importa que elas  se frustrariam caso examinassem a fundo os resultados do governo pretensamente dos humilhados e ofendidos.  Mas o fator primordial da popularidade do Lula e  da vitória de sua candidata repousa na luta de classes. Felizmente sem as conturbações do passado. Indaga-se, apenas: 
Até quando?

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