Esse está sendo um ano bem intenso. Teve Copa. Com protestos abafados perto dos estádio caros. Agora, as eleições mais loucas da histórias estão tomando seu rumo, enquanto leitos e muitos outros recursos insistem em ir embora, cubanos, beltranos e ciclanos chegaram e devem continuar a vir.
O debate arrefeceu, como de praxe. O mais próximo que temos chegado de uma “discussão” resume-se à divulgação acrítica de condutas erradas dos profissionais estrangeiros, ou de notícias sobre suas “fugas”, acompanhadas de frases de efeito algo levianas e infantis. Manifestações assim parecem apenas reforçar estereótipos e congelam ainda mais o diálogo verdadeiro. Por mais que tenhamos visto atrocidades serem cometidas pelos colegas expatriados, reforçar essa cisão não parece produzir mais do que embate cego e estéril. E é exatamente o que vemos, invariavelmente, nas caixas de comentários dessas notícias.
De um lado, médicos brasileiros se assustam, revoltam-se e choram abraçados os erros daqueles. Do outro, opiniões veementes fundamentadas em preconceitos sustentam a empáfia dos que apontam o dedo mais uma vez para a classe surrada dos possuidores de CRM.
Não há dúvidas de que a pauta precisa ser retomada. As intenções duvidosas daqueles que nos “representam” parecem ter seu caminho abonado. A eleição está aí.
Saúde = Medicina?
É até difícil escolher um ponto de partida, tamanha a quantidade de ingerências e erros de conceito das últimas ações do governo nesta área, mas provavelmente o maior dos equívocos se resume à redução da atenção à saúde ao atendimento médico.
Considerando a imagem que o governo tem pintado (e muita gente comprou) dos médicos – arrogantes, elitistas, preconceituosos e corporativistas – talvez espante alguns leitores minha defesa de que a saúde vai muito além das ações pontuais que terminam com meu carimbo e assinatura.
Sei disso em primeiro pessoa, entretanto, tendo visto de perto. Conheço boa parte dos cenários e realidades do Brasil, não só no que diz respeito à saúde. Cada pequena experiência me ensinou um motivo diferente para que a presença do médico por si só não chegue a fazer grande diferença na vida de ninguém, além de me garantir tranquilidade em afirmar categoricamente que a tão alegada omissão dos usuários de avental branco não figura entre os principais motivos para a situação de guerra em que nos encontramos na atenção à saúde.
Nasci e me criei na Serra Gaúcha, com toda sua rica cultura e seu IDH igual ao da Bélgica. Em meio à polêmica, presenciei amigos de Carlos Barbosa – o município com maior Índice de Desenvolvimento Socioeconômico do estado – relatando os problemas que o município enfrenta para contratar médicos. Se o problema não é só com os rincões pobres e longínquos do país, deve haver algo mais a desmotivar os médicos além do “custo-benefício” monetário e do conforto pessoal, como alegam seus detratores.
Estudei medicina na Universidade de São Paulo, o que me colocou em contato com uma infinidade de mundos. Alguns professores da Casa de Arnaldo lecionam também em Harvard e outros centros de referência. Ouvi de um deles, na recepção aos calouros, que boa parte dos nossos alunos do quarto ano desempenharia melhor que os recém-egressos das melhores escolas médicas americanas, por conta, entre outros fatores, de sua desenvoltura relacional e postura humanizada. Não parece, então, que o problema repouse em uma formação deficiente e dependente de tecnologias, ou de “falta de humanidade” dos médicos brasileiros, como já se advogou.
Frequentei desde cedo o maior complexo hospitalar da América Latina, que conta com tecnologias inexistentes na maioria dos hospitais do mundo e sofre com absurdos gerenciais e executivos que espantam os mais calejados; que opera com material humano tão heterogêneo quanto desvalorizado; onde UTIs fecham leitos por falta de utensílios básicos, deixando médicos ociosos e pacientes desassistidos; onde feudos de especialidades dispõem dos materiais e recursos mais esdrúxulos enquanto faltam luvas, cateteres e outros dispositivos prosaicos no vizinho; onde é mais fácil comprar equipamentos bonitos que contratar enfermeiros ou provê-los de condições mínimas de trabalho.
Faz sentido gabar-se de filigranas estapafúrdias quando o básico é insuficiente? Se não faz na saúde, para a política parece uma boa estratégia.
Durante a graduação, estagiei em Brescia, na Itália, junto a estudantes de medicina de vários países – não só europeus. Pude discutir com muitos deles sobre os modelos de atenção à saúde em seus locais de formação e atuação. Absolutamente nenhum deles relatou qualquer movimento em direção à priorização da atividade médica nos seus sistemas de saúde; pelo contrário, a multidisciplinaridade e a interdisciplinaridade já perpetraram há tempos a transição do status de “tendências” para “o padrão”.
A Austrália, por exemplo, é referência mundial em cuidados a pacientes graves e isso não foi conquistado com batalhões de médicos. Em um artigo de 2007 explicando os resultados surpreendentes do país, em periódico científico de grande impacto, um dos grandes “astros” da Medicina Intensiva – Prof. Rinaldo Bellomo – salientou a atuação de enfermeiros, fisioterapeutas e farmacêuticos entre os fatores principais da excelência do sistema.
Participei – em uma edição como membro-aluno e em duas como diretor – do maior projeto de extensão da USP, a Bandeira Científica, iniciativa nascida na Faculdade de Medicina na década de 50 e que hoje leva centenas de profissionais de vários campos de estudo (não só os diretamente relacionados à saúde) a localidades com carência de recursos e desassistidas. Conheci vários locais no Norte e Nordeste e explorei seus sistemas de atenção à saúde in loco, por dentro. Boa parte das ações mais modificadoras e perenes do projeto vieram da atuação das outras unidades da Universidade; a Medicina – que me perdoem os colegas – é coadjuvante.
Servi voluntariamente à Força Aérea Brasileira como Oficial Médico, na Amazônia, entrando em contato com realidades ainda mais diversas – no próprio meio militar e em comunidades “civis” que nem sonham com os direitos a que remete essa nomenclatura “taxonômica” de ser humano. Apesar da experiência enriquecedora (para mim), não pude mudar muito suas vidas.
Em todas essas vivências, estive cercado de mestres não-médicos, que me ensinaram muito. Hoje, trabalhando em UTI, tenho ainda mais certeza de que não faço nada sozinho.
Pra início de conversa, portanto, restringir – ou mesmo concentrar – os esforços em aumentar o número de médicos é ignorar uma parte gigantesca do que chamamos de “saúde”.
Saúde é só saúde?
Além de ignorar a atuação dos outros profissionais de saúde, nosso governo e boa parte dos que se manifestam a respeito do assunto parecem esquecer-se da infinidade de outros fatores que compõem esse conceito intrincado.
A Organização Mundial da Saúde, em sua Constituição – numa definição que foi repetida incontáveis vezes ao longo da minha graduação – preconiza algo muito além da mera ausência de doenças. “Saúde”, segundo esta entidade, pode ser definida como “um estado de completo bem-estar físico, mental e social.” Ou como “a medida em que um indivíduo ou grupo é capaz, por um lado, de realizar aspirações e satisfazer necessidades e, por outro, de lidar com o meio ambiente”, como propõe o Escritório Regional Europeu da OMS.
Isso dificulta um pouco a resposta a uma pergunta feita por um amigo em meio à discussão: “como se faz nos países em que o sistema de saúde funciona?”.
O ponto cego dessa questão é que sistemas de saúde que “funcionam” existem em sociedades que “funcionam”. Muito pouco podemos fazer pela saúde em determinadas situações sem modificar toda a estrutura social profundamente.
Suponhamos, por exemplo, que eu ignore vários preceitos éticos, feche os olhos às circunstâncias criminosas e aceite ir para qualquer município desassistido nos extremos do nosso país, motivado a levar “saúde” àqueles que dela necessitam.
Sabemos que boa parte dos determinantes da saúde passa por manter hábitos saudáveis. Boa alimentação, atividade física regular, prevenção de vícios como tabagismo e etilismo, vacinação, cultivo da mente, desenvolvimento de habilidades e obtenção de conhecimento, interação social e participação na vida comunitária – e uma infinidade de etc.
Como um médico de formação razoável e intenções das melhores, procuro orientar meus pacientes nesse sentido, obviamente. Procuro tratar as doenças crônicas também, para prevenir complicações e melhorar sua qualidade de vida. Nos poucos casos em que essas complicações são inevitáveis, referencio os pacientes aos centros determinados pela organização do SUS, para o tratamento devido.
Acontece que o seu Severino – meu primeiro paciente neste hipotético município – está bem longe de poder comprar ou obter de outra forma comida minimamente saudável. Talvez, mesmo que tivesse o dinheiro, não conseguisse obter por aqui algo muito diferente da sua dieta hipoprotéica, baseada em carboidratos de alto índice glicêmico e gordura saturada.
A dona Raimunda, por sua vez, terá alguma dificuldade em exercitar-se diariamente – descalça em terreno irregular, com pouco acesso a água e sob o sol escaldante. Ainda mais tendo nutrientes valiosos roubados pelas verminoses que a pouca água disponível lhe fornece.
O filho deste casal oprimido mudou-se para São Paulo, tentando a sorte num filme que todos já viram muitas vezes. Vive exposto à violência, deslocando-se longas distâncias em meios de transporte que lhe presenteiam toneladas de poluentes, sem tempo, recursos ou conhecimento para cuidar da própria saúde. Está cada vez mais deprimido e ansioso e as garrafas de cachaça barata, com níveis tóxicos de metanol, parecem atraentes. Meus colegas que ficaram no Hospital das Clínicas pouco poderão fazer por ele quando chegar ao pronto-socorro cego, com acidose metabólica grave e com disfunção cardíaca por conta disso.
Um amigo desse paciente grave anda fumando cada vez mais – mas não consegue comprar o cigarro estiloso que alguns talvez consumam com ares de James Dean nos bares das faculdades. Fuma cigarros paraguaios contrabandeados, comprados no “comércio informal”, com níveis ilegais de nicotina e filtros irregulares (quando presentes), que viciam algumas vezes mais e o matarão um pouco mais rápido – não antes sem que necessite de investigações e cuidados cujos custos suplantam algumas dezenas de vezes o que custariam medidas de educação e fiscalização para barrar o processo no início.
Sua companheira, menor de idade, terá dificuldades para criar o terceiro filho – já a caminho – sem a pequena mas providencial renda dos seus “freelances” de auxiliar de obras, feitos sem registro, direitos ou equipamentos de proteção individual. Essa frágil família talvez seja obrigada a voltar para a cidade em que a moça nasceu, muito parecida com aquela em que me estabeleci.
Não precisamos nos estender muito mais. Provavelmente, todos perceberam que minha presença, ou de quantos médicos houvesse no mundo, não deve beneficiar de qualquer forma nenhum desses seres.
Mais ou Menos Médicos
Finalmente, como exercício mental, suponhamos que nossa prioridade fosse de fato arrebanhar um contingente maior de médicos. E que fosse válido “importa-los” de algum jeito.
Quando visitei a Holanda durante minhas férias, em 2011, tive uma inoportuna sinusite e pude constatar duas coisas. A primeira é que em Amsterdã podem-se comprar tranquilamente, a qualquer hora do dia, uns vinte tipos diferentes de maconha, haxixe, cogumelos alucinógenos e materiais variados para contrabando e consumo de drogas – mas nunca antibióticos ou corticóides sem receita médica. A segunda é que minha Identidade Médica, emitida pelo Conselho Federal de Medicina, não tem valor algum fora da terra brasilis.
A discussão sobre entorpecentes fica para uma outra ocasião, mas os outros aspectos do sistema de saúde holandês são absolutamente louváveis. Não me senti discriminado, diminuído ou hostilizado. Não foi pessoal, nem preconceito racial, de classe ou geográfico. São apenas regras, ponderadas para a proteção de todos.
Qualquer médico que se aventure à prática em outros países passa por processos de avaliação de suas competências para ser reconhecido como profissional de saúde habilitado. O fato de médicos estrangeiros – venham de onde vierem – privarem-se desta obrigação ao submeterem-se às condições daquele conhecido programa do governo brasileiro é apenas um dos contrassensos absurdos das políticas demagógicas desses anos.
No que diz respeito ao processo específico de reconhecimento dessas competências na nossa pátria amada (o famigerado “Revalida”), enormidades de desconhecimento e discursos descartáveis afloraram nas discussões.
Como não gosto de opinar sobre o que não conheço, busquei investigar esse mecanismo e o que se diz sobre ele. A avaliação abrange as áreas básicas do conhecimento médico, aferindo habilidades que se consideram fundamentais ao médico generalista para uma prática aceitável e segura.
Tive acesso à prova teórica objetiva, que é o maior balizador da primeira fase do processo. Trata-se de um exame com 110 questões, que o candidato deve responder em 5 horas. São aprovados aqueles que obtêm um desempenho maior do que 55% de acertos.
Formado há cinco anos e especializando-me em Clínica Médica e Medicina Intensiva, há muito não estudo a fundo diversos assuntos que não dizem respeito à minha área de atuação (como pediatria ou ginecologia, por exemplo). Ainda assim, respondi a prova em 2h30min e acertei 75% das questões, sem nenhuma dificuldade.
Espantoso verificar que em 2012 cerca de 92% dos colegas imigrados foram reprovados nesta prova que fiz brincando, privado de sono em um pós-plantão. Muito mais espantoso ainda é ler alguns discursos proclamando que o exame é “feito para reprovar”, com nível de exigência propositadamente muito elevado e questões muito complexas. Difícil saber se a base desses discursos é desinformação inocente ou interesses escusos.
“Que mal tem”?
Se alguém ainda considera que possa haver algum benefício em trazer supostos médicos a preço de ouro no contexto de caos da nossa saúde, basta lembrar de alguns outros percalços do programa e da prática médica no Brasil, além dos aspectos conceituais que explorei.
Muitos municípios demitiram os médicos que já trabalhavam em suas Unidades Básicas de Saúde para obter o benefício de um profissional cujo “salário” é pago pelo governo federal, ou seja, com a desculpa de que não há médicos, importamos quase-escravos de formação pífia para aloca-los em postos já previamente ocupados.
pro-saude-curso-uti
Isso vem somar-se a inúmeros relatos de médicos que se aventuraram em locais inóspitos e viram a promessa de um trabalho digno e significativo tornar-se um pesadelo de pressões políticas, coação, violência e ausência de recursos para o trabalho ou de remuneração. A presença de um médico é uma arma política utilíssima, independente do trabalho que possa fazer. Transformar esses profissionais em marionetes indefesas nunca foi muito difícil para nossos coronéis, sendo a única saída mais ou menos digna a “deserção” do posto.
Não é de espantar, ainda, que muitos médicos brasileiros, também enganados, tentassem inscrever-se para trabalhar no programa do Governo Federal e não conseguissem de jeito algum. Brincou-se, no meio médico – não sem um tom de tristeza resignada – que, se o candidato preenchesse o campo “CRM” no cadastro, estava automaticamente desclassificado do Mais Médicos.
Não é nada fácil ouvir que a culpa é sua depois disso tudo.
Médicos e Monstros
O duelo entre médicos e população esvazia-se por completo quando lembramos que queremos a exata mesma coisa: saúde de qualidade acessível de forma equânime.
A estratégia do governo tem sido retratar a classe médica como um grupo de milionários inescrupulosos reunidos em torres altas e escuras, torturando gatinhos, maquinando maldades contra os pacientes e planejando dominar o mundo. Pitoresco e estúpido, mas infelizmente muita gente comprou a ideia.
Não temos interesse em piorar a saúde das pessoas. Estudamos e trabalhamos para fazer o inverso. Ter que escrever isso, com todas as letras, como se não fosse óbvio, é tão ridículo quanto trágico.
E a tragédia, como sempre, se abate sobre aqueles que não podem se defender. Nesse abjeto jogo de forças, cai tudo sobre as mesmas cabeças de sempre. Os pacientes, especialmente os mais pobres, sofrem e são enganados mais uma vez.
Talvez devêssemos ouvir um pouco mais esses seres que dedicam suas vidas a cuidar do outro, já que o assunto é justamente esse. Se perderam a aura do sacerdócio (apesar de ainda serem exigidos nestes termos), devíamos ao menos respeitar o pouco conhecimento que acumulam tão arduamente. A fala dos médicos ecoa há tempos na esperança de frear os interesses sórdidos que têm minado e impedido nosso trabalho. Seu discurso pode não ser a epítome do saber, mas certamente é melhor embasado que opiniões construídas em mesa de bar ou leituras rasas na internet.
Não somos cegos ou hipócritas. Não defendemos nesta guerra interesses egoístas, mesmo porque essa encenação toda praticamente não afeta pessoalmente a grande maioria dos médicos. Não queremos “proteger o mercado”, como foi dito. Não concorreremos com os colegas estrangeiros.
Nossa dor reside na ruína dos valores que prezamos e nos insultos seguidos à nossa ética. Nossa dor reside em ver agora aquele por quem nos dedicamos, mais do que apenas desamparado: iludido. Cai vertiginosamente, com fé cega na rede de proteção que lhe foi anunciada. O impacto é iminente.
Ofensas vazias voam na direção dos médicos sem qualquer critério e não é por esse caminho que avançaremos. Não somos mercenários. Não somos cínicos. Não somos covardes.
Aqui mesmo, já expliquei e defendi o modelo do SUS, contribuí para a promoção à saúde, tentei desfazer enganos e elogiei boas ações do governo quando era justo elogiar. Mas isso que aí está, desculpem, não dá pra engolir.
Só quem já viu pacientes morrerem, cercados de médicos, por falta dos recursos mais básicos conhece o desespero que vivo. E sistemas que jogam médicos e pacientes uns contra os outros só podem resultar em mortes, em ambos os “lados”; a China tem sido prolífica em exemplos e não andamos muito atrás. Ou repensamos profundamente o rumo que estamos tomando ou nos lembraremos para sempre da calamidade que voluntariamente produzimos.
Lucas Pedrucci
Gaúcho expatriado, é pianista aposentado, jogador de rugby em fim de carreira, ex-oficial da FAB, paraquedista das categorias de base e meditante wannabe. Seu principal hobby é a Medicina, que estudou na USP e tem praticado no Hospital das Clínicas.
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Mais que um médico, um Cidadão
E numa clínica particular um diretor apresenta outro conceituado Dr. a uma turma de alunos de medicina:
- Senhores, esse é o único médico brasileiro - que eu conheço -, que vota em Dilma Roussef, disse com um risinho debochado. Foi uma gargalhada geral. O médico apresentado pede a palavra e pergunta:
- Por favor, os que se beneficiam do Fies poderiam erguer o braço? Noventa por cento da turma ergueu os braços. E o médico eleitor do PT, completou:
- É por isso que é voto na Dilma!
Medicina mercantilista
A morte de um cidadão que infartou em frente a porta de um hospital cardiológico reflete uma medicina venal
Médicos com fronteiras
por Pedro Porfírio
Sinceramente, estou chocado com a postura dos médicos do Instituto Nacional de Cardiologia, que negaram qualquer tipo de atendimento a um cidadão enfartado e levado por um motorista de ônibus até a porta do hospital, onde veio a falecer. Os doutores do INC não apareceram para dar nenhum tipo de atendimento: estavam em greve, como acontece todos os anos nos hospitais públicos, enquanto os privados deitam e rolam sem que um único profissional levante a voz e ouse parar suas atividades.
Até um PM foi tentar socorrer o cidadão enfartado. Os médicos no INC em greve não estavam nem aí e não se dignaram a qualquer atendimento.
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O episódio é emblemático e reflete o grau de insensibilidade de uma corporação que perdeu totalmente a noção dos compromissos mínimos de seu ofício, que trata da salvação de vidas, e segue ao pé da letra as determinações da elite mercantilista, indiferente até à dívida com a sociedade que paga mais de R$ 1 milhão pela formação de cada um nas melhores universidades do país.
É possível que eu próprio tenha sido tolerante e/ou compreensivo com certas formas de reivindicar de algumas categorias profissionais, que nunca atingem os responsáveis pela situação. Ao contrário, paralisações de atendimento em hospitais públicos, que se repetem todos os anos, punem cruelmente a população pobre, que não tem nada a ver com o peixe e não vê outra alternativa de socorro.
Ante a insatisfação plausível, seria preciso encontrar outras formas de pressão que não castigasse a população. Greves sempre foram armas bem usadas quando afetam os responsáveis pela situação dos trabalhadores. Ao cruzarem os braços, operários industriais alvejam seus patrões, que ficam no prejuízo e não suportam paralisações demoradas. Mas em serviços públicos como saúde e educação, a única consequência para os governantes é o desgaste político, hoje minimizado pela banalização desse tipo de protesto.
Em ambas as áreas, os excessos de greves fazem o jogo dos interesses privados, que vendem a peso de ouro os serviços que o Estado deve aos cidadãos contribuintes. Aliás, no caso da saúde essa opção parece indisfarçável por parte das entidades de classe, que costumam fazer blitz em hospitais públicos, mas fecham os olhos para as centenas de pardieiros onde o mínimo que se registra é a utilização de profissionais despreparados, que não são submetidos a nenhum concurso ou prova. Onde a fartura de erros médicos tem respondido por centenas de óbitos. Onde práticas ilegais fazem a fortuna de profissionais inescrupulosos.
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Como havia informado, estamos tentando dar uma nova dinâmica ao blog, incluindo atualização diária. Por favor, gostaria de conhecer sua opinião.
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Um homem de 85 anos estava fazendo seu check-up anual
O médico pergunta como ele estava se sentindo.
- Nunca me senti tão bem – respondeu. Minha nova esposa tem 18 anos e está grávida, esperando um filho meu! O que o senhor acha?
O médico refletiu por um momento e disse:
- Deixe eu lhe contar uma história. Eu conheço um cara que era um caçador fanático. Nunca perdeu uma estação de caça. Mas, um dia, por engano, colocou seu guarda-chuva na mochila em vez da arma. Quando estava na floresta, um urso repentinamente apareceu em sua frente. Ele sacou o guarda-chuva da mochila, apontou para o urso e o bicho caiu morto.
- Kkkkkk! Isto é impossível! – disse o velhinho – Algum outro caçador deve ter atirado no urso!
- Exatamente!
A máfia de jaleco branco ataca
O CFM - Conselho Federal de Medicina - entrou com ação civil pública contra a União para suspender o programa Mais Médicos, lançado há dez dias pelos ministérios da Educação e da Saúde.
O conselho contesta a possibilidade de o governo contratar médicos estrangeiros sem que eles tenham de revalidar seus diplomas e comprovar o domínio da língua portuguesa. Leia mais>>>
O conselho contesta a possibilidade de o governo contratar médicos estrangeiros sem que eles tenham de revalidar seus diplomas e comprovar o domínio da língua portuguesa. Leia mais>>>
No levante dos médicos ressoa o engenho colonial
Credite-se à elite brasileira façanhas anteriores dignas de figurar, como figuram, nos rankings da vergonha do nosso tempo. O repertório robusto ganhou agora um destaque talvez inexcedível em seu simbolismo maculoso: uma rebelião de médicos contra o povo. Sim, os médicos, aos quais o senso comum associa a imagem de um aliado na luta pela vida, lutam hoje nas ruas do Brasil. Contra a adesão de profissionais ao programa ‘Mais Médicos', que busca mitigar o atendimento onde ele inexiste. A sublevação branca incluiria táticas ardilosas: uma rede de inscrições falsas estaria em operação para inibir o concurso de profissionais estrangeiros, sobre os quais os nacionais tem precedência. Consumada a barragem, uma desistência em massa implodiria o plano federal no último dia de inscrição. O cinismo conservador é useiro em evocar a defesa do interesse nacional e social enquanto procede à demolição virulenta de projetos e governos assim engajados. Encara-se o privilégio de classe como o perímetro da Nação. Aquela que conta. O resto é o vazio. A boca do sertão,hoje, é tudo o que não pertence ao circuito estritamente privado. O sertão social pode começar na esquina, sendo tão agreste ao saguão do elevador, quanto Aragarças o foi para os irmãos Villas Boas,nos anos 40, rumo ao Roncador. Sergio Buarque de Holanda anteviu, em 1936, as raízes de um Brasil insulado em elites indiferentes ao destino coletivo. O engenho era um Estado paralelo ao mundo colonial. O interesse privado ainda prevalece sobre a coisa pública. Mesmo quando está em questão a vida. Se a organização humanitária ‘Médicos Sem Fronteiras' tentasse atuar no Brasil, em ‘realidades que não podem ser negligenciadas', como evoca o projeto que ganhou o Nobel da Paz, em 1999, possivelmente seria retalhada pelo levante dos bisturis. Jalecos patrulham as fronteiras do engenho corporativo, nas quais não cabem os pobres do Brasil.
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Mais médicos: e os sabotadores do programa
por Luiz Carlos Azenha e Conceição Lemes, a partir de leitora indignada da Folha
Há muitas críticas sinceras aos programas do governo Dilma no setor da Saúde, dentre os quais o Mais Médicos. O próprio Viomundo já publicou várias delas, aqui, aqui e aqui.
Porém, causa-nos estarrecimento ler nas redes sociais manifestações de xenofobia, racismo e desrespeito aos médicos estrangeiros, para não falar da completa piração direitista de que os médicos cubanos viriam ao Brasil promover uma revolução comunista.
As entidades médicas, por razões corporativistas, dizem que não faltam médicos no Brasil e que o problema seria a má distribuição. Não é verdade. Faltam profissionais nas regiões mais distantes e nas periferias das grandes cidades e eles também estão mal distribuídos. Nas regiões Sul e Sudeste do País há maior concentração de médicos, enquanto no Norte, Nordeste e Centro-Oeste, ela é menor.
A leitora indignada que nos procurou protestou contra a cobertura distorcida que, segundo ela, é dada pelaFolha de S. Paulo ao assunto, especialmente no caso do programa Mais Médicos.
Ela aponta para a seguinte sequência de eventos:
Solidariedade cubana
“Meu nome é Juan Carlos Raxach, cubano, que desde 1998 escolhi o Brasil como meu país de residência, e sinto o maior orgulho de ter me formado, em 1986, como médico em Havana, Cuba.
É com tristeza e dor que vejo as notícias publicadas pela mídia e nas redes sociais, a falta de respeito e de solidariedade proveniente de alguns colegas brasileiros, profissionais ou não da área da saúde, que atacam e desvalorizam os médicos formados em Cuba como uma forma de justificar a sua indignação às medidas tomadas pelo governo brasileiro no intuito de melhorar a qualidade dos serviços do SUS.
A qualidade humana e a alta qualificação dos profissionais de saúde cubanos têm permitido que ainda hoje, quando o país continua a enfrentar graves problemas econômicos que se alastram desde os anos 90, após a queda do campo socialista da Europa do leste, os índices de saúde da população cubana seguem colocados como exemplo para o mundo.
São índices de saúde alcançados através do trabalho interdisciplinar e intersetorial desses profissionais.
A expectativa de vida é de 78 anos para os homens e 80 para as mulheres.
E já em 2011 existia um médico a cada 143 habitantes.
Em 2012, a dra. Margareth Chan, diretora-geral da Organização Mundial da Saúde (OMS), reconheceu e elogiou o modelo sanitário de Cuba e destacou a qualidade do trabalho que realizam os profissionais de saúde e os cientistas cubanos, e felicitou às autoridades cubanas por colocar o ser humano no centro da sua atenção.
Não é desprestigiando nossos colegas de profissão, seja qual for o seu país onde tenha se formado, que vamos colocar em pauta e debater as verdadeiras causas da deterioração da qualidade dos serviços de saúde no Brasil.
Na hora de nos manifestar, o respeito, a solidariedade e a ética são necessários para estabelecer o diálogo e ir ao encontro da solução dos problemas.
Solidariamente,
Juan Carlos Raxach
A sociedade de classes se manifesta no serviço médico
... para os muito pobres, nenhum médico; para os muito ricos, hospitais de ponta.
A furiosa campanha corporativista dos médicos contra a vinda de colegas estrangeiros procura alarmar o país. No entanto, a atração de profissionais do exterior é prática antiga a que muito devem os Estados Unidos, a Rússia e muitos outros países. Não podemos ceder a essa manifestação de egoísmo classista, sob pena de ofender os direitos básicos da grande maioria de nosso povo, principalmente quando se sabe que um dos gargalos do nosso desenvolvimento é a carência de mão-de-obra qualificada.
Pesquisa do Ipea, realizada com 2.273 pac ientes do SUS, mostrou que a falta de médicos é o principal problema de 58% dos brasileiros dependentes da rede pública. Temos algo como 300 mil médicos no exercício da profissão e 700 municípios (15% do total) sem um único profissional de saúde. Em outros 1,9 mil municípios, "3 mil candidatos a paciente disputam a atenção de menos de um médico por 30 segundos por pessoa"! (IstoÉ,10/07/2013).
O cerne da crise da assistência médica, no Brasil, não está, lamentavelmente, apenas, no minguado número de médicos, e na sua precária distribuição. Está, antes, na própria qualidade da formação médica, a começar pela ausência das cadeiras de ética e deontologia na grande maioria dos cursos. O formando de hoje é treinado para transformar a residência em especialização da subespecialização ditada pelo mercado, e ter seu consultório particular, se possível fechado aos que ainda podem pagar planos de saúde. SUS, ora isso é nome feio. .... O formando em medicina, principalmente em universidade pública, nas quais, em regra, os cursos são bons, é preparado psicológica e eticamente para trabalhar num Sírio Libanês, tendo ao seu lado equipamento de última geração e alimentando a expectativa de fama profissional. |
Ex-ministro de Estado e vice-presidente nacional do PSB, Roberto Átila Amaral Vieira, cearense, 73 anos, é um dos pensadores mais lúcidos do país. Conheço sua trajetória e sua coerência desde quando militantes juntos no movimento estudantil em Fortaleza.
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Resultado do ultimo Revalida
Médicos brasileiros em 6º lugar.
E os cubanos?
Os venezuelanos?
Qual a desculpa agora, Entidades Médicas brasileiras?
Cearense de 15 é autorizado a cursar medicina
O estudante Tiago Saraiva, 15 anos, foi autorizado pelo Conselho Estadual de Educação a cursar, a partir de julho deste ano, o curso de Medicina na Universidade Federal do Ceará, campus de Sobral. Tiago foi selecionado após fazer o Enem, no fim do ano passado, quando tinha apenas 14 anos e ainda cursava o primeiro ano do Ensino Médio.
Para conseguir a validação, Tiago fez dois dias de prova, por recomendação do Conselho de Educação e, segundo o diretor da sua escola, mostrou-se apto para receber o diploma de conclusão do Ensino Médio, aos 15 anos de idade. "Ele teve um desempenho excelente nas provas que foram aplicadas. Nossa preocupação agora é com o emocional. Vamos conversar com a família e prestar todo o apoio que ele necessite", enfatiza Carlos Dias.
O futuro acadêmico foi aprovado para iniciar no curso de Medicina no segundo período. Até lá, Tiago irá cursar o 2º ano do Ensino Médio, segundo Carlos Dias, a pedido dele mesmo.
"Ele é motivo de orgulho e seu exemplo deve ser seguido"
As enfermeiras e o estagiário de medicina
Quatro enfermeiras resolveram pregar uns trotes no estagiário de medicina. Depois se reuniram para contar o que fizeram:
- Eu coloquei algodão no seu estetoscópio- disse a primeira, caindo na risada.
- Eu troquei as fichas dos seus pacientes ! contou a segunda.
- Eu fui mais malvada ! - exclamou a terceira. - Encontrei uma caixa de preservativos no bolso do seu jaleco e furei todinhos com uma agulha !
A quarta enfermeira desmaiou.
Você tem um médico de confiança?
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Antidepressivos
Até cachorros estão tomando
Laboratórios decifram a química do bom humor e faturam como nunca com antidepressivos
Se as pressões da vida moderna deixam o brasileiro com o astral baixo, a indústria farmacêutica é só alegria. No ano passado, as vendas de remédios para combater depressão movimentaram US$ 647,8 milhões no país. Isso representa aumento de 138,5% em cinco anos. Entre os grandes consumidores, o salto só é menor que o da China. Desde o lançamento da fluoxetina no fim da década de 1980, o mercado avançou com a quebra de patentes e a disseminação do uso desses medicamentos. Estima-se que entre 10% e 20% da população do Brasil sofra da doença, o que inclui grande parcela de jovens.
Leite materno
A repórter Manuela Azenha esteve em Cuiabá, Mato Grosso, onde assistiu à defesa de tese da pesquisadora Danielly Palma. A ela coube pesquisar o impacto dos agrotóxicos em mães que estavam amamentando na cidade de Lucas do Rio Verde. A seguir, o relato:
Lucas do Rio Verde é um dos maiores produtores de grãos do Mato Grosso, estado vitrine do agronegócio no Brasil. Apesar de apresentar alto IDH (índice de desenvolvimento humano), a exposição de um morador a agrotóxicos no município durante um ano é de aproximadamente 136 litros por habitante, quase 45 vezes maior que a média nacional — de 3,66 litros.
Desde 2006, ano em que ocorreu um acidente por pulverização aérea que contaminou toda a cidade, Lucas do Rio Verde passou a fazer parte de um projeto de pesquisa coordenado pelo médico e doutor em toxicologia, Wanderlei Pignatti, em parceria com a Fiocruz. A pesquisa avaliou os resíduos de agrotóxicos em amostras de água de chuva, de poços artesianos, de sangue e urina humanos, de anfíbios, e do leite materno de 62 mães. A pesquisa referente às mães coube à mestranda da Universidade Federal do Mato Grosso, Danielly Palma.
A pesquisa revelou que 100% das amostras indicam a contaminação do leite por pelo menos um agrotóxico. Em todas as mães foram encontrados resíduos de DDE, um metabólico do DDT, agrotóxico proibido no Brasil há mais de dez anos. Dos resíduos encontrados, a maioria são organoclorados, substâncias de alta toxicidade, capacidade de dispersão e resistência tanto no ambiente quanto no corpo humano.
No dia seguinte à defesa de sua tese, Danielly concedeu uma entrevista ao Viomundo.
Viomundo – A sua pesquisa faz parte de um projeto maior?
Danielly Palma – Minha pesquisa foi um subprojeto de uma avaliação que foi realizada em Lucas do Rio Verde e eu fiquei responsável pelo indicador leite materno. Mas a pesquisa maior analisou o ar, água de chuva, sedimentos, água de poço artesiano, água superficial, sangue e urina humanos, alguns dados epidemológicos, má formação em anfíbios.
Viomundo – E essas pesquisas começaram quando e por que?
Danielly Palma – Começamos em 2007. A minha parte foi no ano passado, de fevereiro a junho. Lucas do Rio Verde foi escolhido porque é um dos grandes municípios produtores matogrossenses, tanto de soja quanto de milho e, consequentemente, também é um dos maiores consumidores de agrotóxicos. Em 2006, quando houve um acidente com um desses aviões que fazem pulverização aérea em Lucas, o professor Pignati, que foi o coordenador regional do projeto, foi chamado para fazer uma perícia no local junto com outros professores aqui da Universidade Federal do Mato Grosso. Então, começaram a entrar em contato com o pessoal e viram a necessidade de desenvolver projetos para ver a que nível estava a contaminação do ambiente e da população de Lucas.
Viomundo – E qual é o nível de contaminação em que a população de Lucas se encontra hoje? O que sua pesquisa aponta?
Danielly Palma – Quanto ao leite materno, 100% das amostras indicaram contaminação por pelo menos um tipo de substância. O DDE, que é um metabólico do DDT, esteve presente em 100%, mas isso indica uma exposição passada porque o DDT não é utilizada desde 1998, quando teve seu uso proibido. Mas 44% das amostras indicaram o beta-endossulfam, que é um isômero do agrotóxico endossulfam, ainda hoje utilizado. Ele teve seu uso cassado, mas até 2013 tem que ir diminuindo, que é quando a proibição será definitiva. É preocupante, porque é um organoclorado que ainda está sendo utilizado e está sendo excretado no leite materno.
Viomundo – Foram essas duas substâncias as registradas?
Danielly Palma – Não, tem mais. Foi o DDE em 100% das mães [que estão amamentando]; beta-endossulfam em 44%; deltametrina, que é um piretróide, em 37%; o aldrin em 32%; o alpha-endossulfam, que é outro isômero do endossulfam, em 32%; alpha-HCH, em 18% das mães, o DDT em 13%; trifularina, que é um herbicida, em 11%; o lindano, em 6%.
Viomundo – E o que essas susbstâncias podem causar no corpo humano?
Viomundo – E o que essas susbstâncias podem causar no corpo humano?
Danielly Palma – Todas essas substâncias tem o potencial de causar má formação fetal, indução ao aborto, desregulamento do sistema endócrino — que é o sistema que controla todos os hormônios do corpo — então pode induzir a vários distúrbios. Podem causar câncer, também. Esses são os piores problemas.
Viomundo – Você disse que as mães foram expostas há mais de dez anos. As substâncias permanecem no corpo por muito tempo?
Danielly Palma – Permanecem. No caso dos organoclorados, de todas as substâncias analisadas, o endossulfam é o único que ainda está sendo utilizado. Desde 1998 os organoclorados foram proibidos, a pesquisa foi realizada em 2010, e a gente encontrou níveis que podem ser considerados altos. Mesmo tendo sido uma exposição passada, como as substâncias ficam muito tempo no corpo, esses sintomas podem vir a longo prazo.
Viomundo – Durante a sua defesa de mestrado, em que essa pesquisa foi apresentada, os membros da banca ressaltaram o quanto você sofreu para realizar a pesquisa. Quais foram as maiores dificuldades?
Danielly Palma – A minha maior dificuldade foi em relação à validação do método. Porque, quando você vai pesquisar agrotóxicos, tem de ter uma precisão muito grande. Como são dez substâncias com características diferentes, quando acertava a validação para uma, não dava certo para outra. Então, para ter um método com precisão suficiente para a gente confiar nos resultados, para todas as substâncias, foi um trabalho que exigiu muita força de vontade e tempo. Foi praticamente um ano só para validar o método.
Viomundo – Essas mães que foram contaminadas exercem ou exerceram que tipo de atividade? Como elas foram expostas ao agrotóxico?
Danielly Palma – Das 62 mulheres que eu entrevistei, apenas uma declarou ter contato direto com o agrotóxico. Ela é engenheira agrônoma e é responsável por um armazém de grãos. Três mães residem na zona rural, trabalhando como domésticas nas casas dos donos das fazendas. É difícil dizer que quem está longe da lavoura não está exposto em Lucas do Rio Verde, pela localização da cidade, com as lavouras ao redor. Mas a maioria das entrevistadas trabalha no comércio, são professoras do município, algumas donas de casa, mas não são expostas ocupacionalmente. A questão é o ambiente do município.
Viomundo – Mas a contaminação se dá pelo ar, pela alimentação?
Viomundo – Mas a contaminação se dá pelo ar, pela alimentação?
Danielly Palma - A alimentação é uma das principais vias de exposição. Mas, por se tratar de clorados, que já tiveram seu uso proibido, então eu posso dizer que o ambiente é o que está expondo, porque também se acumulam no ambiente. No caso da deltametrina e do endossulfam, que ainda são utilizados, o uso atual deles é que está causando a contaminação. Mas, nos usos passados [dos agrotóxicos agora proibidos], a causa provavelmente foi a exposição à alimentação — na época em que eram utilizados — e o próprio meio ambiente contaminado.
Viomundo – Quais são as principais propriedades dessas substâncias encontradas?
Viomundo – Quais são as principais propriedades dessas substâncias encontradas?
Danielly Palma – Os organoclorados têm em comum entre si os átomos de cloro na sua estrutura, o que dá uma grande toxicidade a eles. Eles têm alta capacidade de se armazenar na gordura, alta pressão no vapor e o tempo de meia-vida deles é muito longo, por isso que para se degradar demora muito tempo. São altamente persistentes no ambiente, tanto nos sedimentos, solo, corpo humano, e têm a capacidade de se dispersar. Tanto que no Ártico, onde eles nunca foram aplicados, são encontrados resíduos de organoclorados.
Viomundo – O professor Pignati comentou que a Secretaria da Saúde dificultou um pouco a pesquisa de vocês, mas que vocês fizeram questão da participação do governo. Por que?
Danielly Palma – Nós vimos a importância da participação deles porque, quando a exposição da população está num nível elevado e está tendo uma incidência maior de certas doenças, é lá na ponta que isso vai estourar, é no PSF (Programa Saúde da Família). Então, a gente queria que a Secretaria da Saúde acompanhasse para ver em que nível de exposição essa população está e para que tome medidas. Para que recebam essas pessoas com algum problema de saúde e saibam diagnosticar, saibam de onde está vindo e o porquê de tantas incidências de doenças no município.
Viomundo – Se a maioria dessas substâncias não está mais sendo utilizada, o que pode ser feito daqui para frente para diminuir o impacto delas sobre o ambiente e a saúde?
Danielly Palma – Em relação a essas substâncias que não estão sendo mais utilizadas, infelizmente, não temos mais nada a fazer. Já foram lançadas no ambiente e nos organismos das pessoas. A gente pode parar e pensar no modelo de desenvolvimento que está sendo posto, com esse alto consumo de agrotóxico e devemos tomar cuidado com as substâncias que ainda estão sendo utilizadas para tentar evitar um mal maior.
Viomundo – Como que o agrotóxico pode afetar o bebê?
Danielly Palma – Esses agrotóxicos são lipofílicos e se acumulam no tecido gorduroso, então ficam no organismo e passam para o sangue da mãe. Através da placenta, como há troca de sangue entre mãe e feto, acabam atingindo o feto. E alguns tem a capacidade de passar a barreira da placenta e atingir o feto. Durante a lactação, o agrotóxico acaba sendo excretado pelo leite humano.
Viomundo – Então, mesmo que não amamente o filho, ele pode nascer com resíduo de agrotóxico?
Danielly Palma – Sim, isso se a contaminação da mãe for muito elevada.
Viomundo – Foi o caso nas mães [pesquisadas] de Lucas do Rio Verde?
Danielly Palma – Alguns níveis [encontrados] consideramos altos, até porque o leite humano deveria ser isento de todas essas substâncias. Deveria ser o alimento mais puro do mundo. E a gente vê que isso não ocorre, tanto nos meus resultados quanto em trabalhos realizados no mundo inteiro que evidenciaram essa contaminação. A criança acaba sendo afetada desde a vida uterina e depois na amamentação é mais uma quantidade de agrotóxicos que ela vai receber. Mas é sempre bom lembrar do risco-benefício do aleitamento materno. Nunca se deve incentivar a mãe a parar de amamentar porque seu leite está contaminado. As vantagens do aleitamento materno são muito maiores do que os riscos da carga contaminante que o leite pode vir a ter.
Viomundo – Quais os riscos dessa contaminação?
Danielly Palma – Os riscos saberemos somente com um acompanhamento a longo prazo dessas crianças. O que pode acontecer são problemas no desenvolvimento cognitivo e, dependendo da carga que o bebê receba desde a gestação, pode causar má formação, que pode só ser percebida mais tarde.
Danielly Palma – Os riscos saberemos somente com um acompanhamento a longo prazo dessas crianças. O que pode acontecer são problemas no desenvolvimento cognitivo e, dependendo da carga que o bebê receba desde a gestação, pode causar má formação, que pode só ser percebida mais tarde.
Viomundo – Esse acompanhamento dos efeitos dos agrotóxicos no corpo humano já foi feito ou ainda é uma coisa a fazer?
Danielly Palma – Quanto ao sistema endócrino, existem evidências. Estudos comprovaram a interferência dos agrotóxicos. Quanto a câncer, má formação e ações teratogênicas (anomalias e malformações ligadas a uma perturbação do desenvolvimento embrionário ou fetal), estudos realizados em animais apontam para uma possivel ação dos agrotóxicos nesse sentido. Mas no ser humano não tem como você testar uma única substância. Quando fazem pesquisas, sempre são encontradas mais de uma substância no organismo e, portanto, não se sabe se é uma ação conjunta dessas substâncias que elevou aquele efeito ou se foi a ação de uma substância apenas.
Viomundo – Os resultados da pesquisa são alarmantes?
Viomundo – Os resultados da pesquisa são alarmantes?
Danielly Palma – Foram alarmantes, mas ao mesmo tempo já esperávamos por esse resultado, até porque já tínhamos em mãos resultados da parte ambiental. Vimos que a exposição da população estava muito alta. Com o ambiente contaminado daquela forma, já era esperado encontrar a contaminação do leite, uma vez que o ambiente influencia na contaminação humana também.
Viomundo – O que será feito com esses resultados?
Danielly Palma – Os resultados já foram encaminhados às mães e, no início do projeto, assumimos o compromisso de, no final, nos reunirmos com elas e explicarmos os resultados. Esperamos que as autoridades do município e de todas as regiões produtoras acordem para o modelo de desenvolvimento que eles estão adotando, porque não adianta ter um IDH alto, ter boa educação e sistema de saúde, se a qualidade de vida em termos de exposição ambiental é péssima.
Viomundo – O que será feito com esses resultados?
Danielly Palma – Os resultados já foram encaminhados às mães e, no início do projeto, assumimos o compromisso de, no final, nos reunirmos com elas e explicarmos os resultados. Esperamos que as autoridades do município e de todas as regiões produtoras acordem para o modelo de desenvolvimento que eles estão adotando, porque não adianta ter um IDH alto, ter boa educação e sistema de saúde, se a qualidade de vida em termos de exposição ambiental é péssima.
Para ler entrevista com o professor Wanderlei Pignati, que coordenou toda a pesquisa,clique aqui.
Para ler entrevista com a professora Raquel Rigotto, que pesquisa o mesmo assunto no Ceará, clique aqui.
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