por Luiz Carlos Azenha e Conceição Lemes, a partir de leitora indignada da Folha
Há muitas críticas sinceras aos programas do governo Dilma no setor da Saúde, dentre os quais o Mais Médicos. O próprio Viomundo já publicou várias delas, aqui, aqui e aqui.
Porém, causa-nos estarrecimento ler nas redes sociais manifestações de xenofobia, racismo e desrespeito aos médicos estrangeiros, para não falar da completa piração direitista de que os médicos cubanos viriam ao Brasil promover uma revolução comunista.
As entidades médicas, por razões corporativistas, dizem que não faltam médicos no Brasil e que o problema seria a má distribuição. Não é verdade. Faltam profissionais nas regiões mais distantes e nas periferias das grandes cidades e eles também estão mal distribuídos. Nas regiões Sul e Sudeste do País há maior concentração de médicos, enquanto no Norte, Nordeste e Centro-Oeste, ela é menor.
A leitora indignada que nos procurou protestou contra a cobertura distorcida que, segundo ela, é dada pelaFolha de S. Paulo ao assunto, especialmente no caso do programa Mais Médicos.
Ela aponta para a seguinte sequência de eventos:
Senhora presidente, mais um clamor, respeitoso. Assuma a determinação política de priorizar recursos para as áreas sociais. Atue na saúde com competência e sensatez, não com respostas transloucadas aos gritos indignados da nação. Para que os brasileiros possam vislumbrar o alvorecer com esperança. E combata com arrojo o grupo de ímprobos e incompetentes instalados no teu entorno. Sem esquecer o arcebispo Desmond Tutu: “Se ficarmos neutros numa situação de injustiça, teremos escolhido o lado do opressor”.
Difícil conseguir isso? Não, se reconhecermos entre nossos dirigentes aqueles dotados de sabedoria e integridade, capazes de transformar a sociedade, tornando-a mais justa para seus filhos. Com esses sentimentos, coloco-me ao lado de José Serra.Pode-se concordar ou não com sua forma de se relacionar, muitas vezes difícil, mas não há como ignorar algumas marcas incomparáveis da sua atuação política. Nos cargos públicos que ocupou, suas ações beneficiaram não apenas os mais desprotegidos, mas todos os estratos da nação. Na saúde, Serra opôs resistência quase solitária aos interesses indevidos que, com uma frequência além do razoável, rondam o setor.
Até aí, normal. Ter opinião é necessário e importante, diz a leitora.
Porém, hoje, a Folha deu na capa do caderno Cotidiano: “Médicos alegam falta de direitos e desistem de programa de Dilma”.
Leiam o subtítulo: “Profissionais recuam de inscrição ao saber que não há décimo-terceiro e FGTS” (grifo nosso).
É fato que este é um dos aspectos mais criticados do programa: a falta de garantias trabalhistas para os profissionais. Bolsistas ou contratados? É um debate justo e necessário.
Porém, dos 11.701 médicos inscritos no programa, a Folha só ouviu dois, ambos apresentados como desistentes.
Ambos disseram ter se inscrito e desistido do Mais Médicos por deficiência do programa.
Porém, é importante destacar que houve um movimento de doutores no sentido de sabotar o programa. Como? Fazendo a inscrição e desistindo posteriormente ”para atrapalhar o cronograma e o recrutamento dos médicos estrangeiros”, segundo a própria Folha explicou.
Impossível dizer se os dois médicos ouvidos pela Folha pretendiam desde o início participar do protesto. Eles se manifestaram como se tivessem sinceramente desistido por objeções à iniciativa posteriores à inscrição.
O fato é que a reportagem que motivou o protesto da leitora traz uma imensa foto do dr. Cesar Camara, com a frase:
“Não há direito algum. Fica complicado aceitar um trabalho nessas condições”, diz o urologista Cesar Camara, 38, de São Paulo, que fez a inscrição e desistiu de efetivá-la.
E quem é o dr. Camara?
Assistente do dr. Miguel Srougi, conforme ele próprio escreve em sua página no Facebook:
Na terça-feira que precedeu a reportagem (publicada quinta) ele pede ajuda para encontrar médicos que tenham se inscrito e posteriormente desistido do Mais Médicos.
Cesar faz parte do corpo clínico do setor de Urologia do Hospital Clínicas da Faculdade de Medicina da USP, cujo professor titular é o dr. Miguel Srougi. As áreas dele são litíase (cálculo renal) e endourologia (área endocrinológica da urologia).
As relações do dr. Cesar Camara com a família do chefe vão além. Ele trabalha na clínica médica do dr. Thomaz Srougi, filho do dr. Miguel, que fica na entrada da favela de Heliópolis e só realiza consultas particulares, que custam de R$ 40 (clínica-geral) a R$ 60 (especialidades). Não vale convênio, tampouco cartão do SUS.
César também trabalha no Hospital Sírio-Libanês. Aliás, ele usa na clínica de Heliópolis o jaleco que tem costurado o nome do Sírio-Libanês. Segundo matéria publicada no Estadão, a sua consulta particular custa R$ 450.
César iria largar tudo isto — carreira promissora na Urologia da USP, trabalho no Sírio-Libanês, um dos mais prestigiados hospitais do Brasil, consultas de R$ 450 no seu consultório e a clínica com o filho do chefe — para participar do programa Mais Médicos, para atender pacientes do SUS?
O programa Mais Médicos, vale lembrar, pagará uma bolsa de R$ 10 mil por mês, mas os médicos terão de cumprir 40 horas semanais de trabalho. Supondo que Cesar tivesse escolhido ir para a periferia da cidade de São Paulo, onde encontraria tempo para as suas outras atividades?
O jornal não sabia disso? Não questionou o médico para saber se ele se inscreveu apenas para desistir e atrapalhar a implantação do programa, cujo objetivo é atender de graça nas periferias, através do SUS, pacientes como os que ele atende cobrando em Heliópolis?
Independentemente das respostas do doutor Cesar, de uma coisa estamos certos: a leitora indignada tem razão.
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