Medicina mercantilista

A morte de um cidadão que infartou em frente a porta de um hospital cardiológico reflete uma medicina venal

Médicos com fronteiras

por Pedro Porfírio

Sinceramente, estou chocado com a postura dos médicos do Instituto Nacional de Cardiologia, que negaram qualquer tipo de atendimento a um cidadão enfartado e levado por um motorista de ônibus até a porta do hospital, onde veio a falecer.  Os doutores do INC não apareceram para dar nenhum tipo de atendimento: estavam em greve, como acontece todos os anos nos hospitais públicos, enquanto os privados deitam e rolam sem que um único profissional levante a voz e ouse parar suas atividades.
 Até um PM foi tentar socorrer o cidadão enfartado. Os médicos no INC em greve não estavam nem aí e não se dignaram a qualquer atendimento. 
 
O episódio é emblemático e reflete o grau de insensibilidade de uma corporação que perdeu totalmente a noção dos compromissos mínimos de seu ofício, que trata da salvação de vidas, e segue ao pé da letra as determinações da elite mercantilista, indiferente até à dívida com a sociedade que paga mais de R$ 1 milhão pela formação de cada um nas melhores universidades do país.
 
É possível que eu próprio tenha sido tolerante e/ou compreensivo com certas formas de reivindicar de algumas categorias profissionais, que nunca atingem os responsáveis pela situação. Ao contrário, paralisações de atendimento em hospitais públicos, que se repetem todos os anos, punem cruelmente a população pobre, que não tem nada a ver com o peixe e não vê outra alternativa de socorro. 
 
Ante a insatisfação plausível, seria preciso encontrar outras formas de pressão que não castigasse a população. Greves sempre foram armas bem usadas quando afetam os responsáveis pela situação dos trabalhadores.  Ao cruzarem os braços, operários industriais alvejam seus patrões, que ficam no prejuízo e não suportam paralisações demoradas. Mas em serviços públicos como saúde e educação, a única consequência para os governantes é o desgaste político, hoje minimizado pela banalização desse tipo de protesto.
 
Em ambas as áreas, os excessos de greves fazem o jogo dos interesses privados, que vendem a peso de ouro os serviços que o Estado deve aos cidadãos contribuintes. Aliás, no caso da saúde essa opção parece indisfarçável por parte das entidades de classe, que costumam fazer blitz em hospitais públicos, mas fecham os olhos para as centenas de pardieiros onde o mínimo que se registra é a utilização de profissionais despreparados, que não são submetidos a nenhum concurso ou prova. Onde a fartura de erros médicos tem respondido por centenas de óbitos. Onde práticas ilegais fazem a fortuna de profissionais inescrupulosos.
 
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