Em fevereiro de 2000, o jornalista Aloysio Biondi publicou um artigo relatando os planos dos tucanos para esquartejar a Petrobras. "No Brasil a estratégia de destruir a Petrobras está sendo posta em prática pela Agência Nacional de Petróleo, confiada ao genro do presidente Fernando Henrique Cardoso, o senhor David Zylhersztajn", relatou Biondi. Para tanto, relata ainda o jornalista, fatos de impacto estavam sendo usados para desmoralizar a empresa, mostrando-a incompetente e tentando jogar a sociedade contra ela. Algo parecido com o atentado do RioCentro, que a extrema direita planejou para inculpar as esquerdas e dificultar os planos de redemocratização do País. O texto permanece atual.
Aloysio Biondi, na Carta Maior (artigo publicado originalmente em 1° de fevereiro de 2000, na revista Bundas) Primeiro, uma palavrinha aos incrédulos, ou crédulos. Na mesma semana em que a Petrobrás teve sua imagem destroçada com o vazamento na baía de Guanabara, lá longe, na Alemanha, o chanceler Schroeder pedia a criação de uma comissão independente para investigar a venda, em 1992, de uma refinaria da ex-Alemanha Oriental ao grupo estatal francês Alf-Aquitaine. Motivo: indícios de suborno e pagamento de propinas, da ordem de 45 milhões de dólares ao governo e ao próprio então chanceler democrata-cristão Helmut Kohl. E mais: tudo por ordem do ex-presidente socialista, francês, Miterrand. O episódio envolve países tidos como respeitáveis e líderes tidos como acima de qualquer suspeita até recentemente. Por isso mesmo, é um caso exemplar para relembrar aos brasileiros que a guerra secular para dominar ou garantir forte participação no setor petrolífero nunca terminou.
Assassinatos, golpes de Estado, invasão de países nunca foram descartados nesse conflito. Essas estratégias extremadas rarearam nos anos recentes, já que a "onda neoliberal" levou países de governos apátridas como o Brasil a começarem a entregar seu petróleo aos países ricos e suas multinacionais. No Brasil a estratégia de destruir a Petrobrás está sendo posta em prática pela Agência Nacional de Petróleo, confiada ao genro do presidente Fernando Henrique Cardoso, o senhor David Zylbersztain. Primeiro houve os leilões para "venda" de áreas petrolíferas descobertas pela Petrobrás realizados no ano passado, e com novos leilões marcados estes primeiros meses do ano. Recentemente Zylbersztain anunciou a venda de refinarias, oleodutos, gasodutos, postos de gasolina da Petrobrás – sob os argumentos mais cretinos do mundo.
A esta altura, porém, o clima de apatia em relação às privatizações sofreu substancial modificação, pela série de motivos que todos conhecem: desde os bloqueios nas rodovias à época das chuvas do começo do ano, à crise militar provocada pela tentativa de transferir o controle das indústria de aviões Embraer, estatal privatizada para grupos franceses. Diante dessa "virada", nada melhor do que um fato de impacto para desmoralizar a Petrobras, jogar a sociedade contra ela, mostrá-la incompetente, indiferente à população. Algo parecido com o atentado do RioCentro, que a extrema direita planejou para inculpar as esquerdas e dificultar os planos de redemocratização do País. As circunstâncias que cercam o vazamento de petróleo mostram a necessidade de uma investigação independente, a cargo do Ministério Público.
Eis os principais "mistérios" a elucidar:
Pressão – o bombeamento começou à 1h00 da madrugada. Com o "rombo" no oleoduto, a quase totalidade do petróleo começou a ser despejada no mar. Logicamente, a pressão que o petróleo, fluindo, exerce sobre as tubulações (como a água no encanamento de uma casa) caiu, no trecho situado do rombo em diante. A alta direção da Petrobrás diz que a queda de pressão não foi detectada por um defeito do programa do computador, dando a impressão de que esse sistema é altamente refinado, moderno. Ora, sistemas para medir e controlar a pressão existem há séculos. Até as locomotivas Maria Fumaça tinham obviamente pequenos aparelhinhos, "reloginhos" para mostrar o nível da pressão nas caldeiras de vapor para evitar explosões. Os dispositivos de controle de pressão existem tanto no ponto de partida do oleoduto, como no ponto de chegada, junto aos tanques de armazenamento. Pergunta: os dois sistemas, nas duas pontas, falharam?
Combustível – para o motorista saber se o tanque de seu veículo está cheio ou precisa ser reabastecido, qualquer automóvel, caminhão, trator dispõe, desde priscas eras, do marcador do nível de combustível. Óbvio que tanques gigantescos para armazenagem de combustível, como os da Petrobrás, igualmente dispõe desses marcadores, para possibilitar o controle do nível armazenado – e para detectar vazamentos eventuais. Não funcionaram, também?
Demora – diz a direção da Petrobrás que um técnico "desconfiou" de algo errado por volta das 3 horas da madrugada. Mas o bombeamento, segundo ela própria, prosseguiu até às 5h30.
É nesse ponto, exatamente, que se reforça a suspeição de que tudo foi feito para ampliar ao máximo possível os estragos devastadores do vazamento, garantindo assim sua presença durante dias e dias nas manchetes dos jornais e, principalmente na televisão, para desmoralização total da Petrobrás. Além de prolongar o vazamento, a alta direção da Petrobrás retardou sempre todas e quaisquer medidas corretivas:
Mutirão – até prédios com grande movimentação de pessoas, hoje, têm "brigadas contra incêndio", planos de emergência para sinistros. Empresas como a Petrobrás, que lidam com material combustível e explosivo, obviamente sempre tiveram um e outro. Além da refinaria, a Petrobrás tem oleodutos, gasodutos, campos de poços de petróleo no Estado do Rio. Tem equipes de segurança, "brigadas" nesses locais. Por que, ao tomar conhecimento do desastre – às 5h30 o bombeamento foi suspenso- todo esse pessoal não foi mobilizado para reduzir os efeitos do acidente?
Enganação – aqui é preciso ressaltar que a direção da Petrobrás induziu os meios de comunicação a aceitarem uma explicação falsa para o problema que, mais uma vez, desmoraliza a empresa. Na versão oficial, tudo aconteceu porque ela "não tem uma política para o meio ambiente". Que fosse. Mas esse é um argumento sem vergonha; o que evita desastres é a política de segurança da empresa. E, essa, a Petrobrás sempre foi forçada a ter. Por que ela não foi posta em prática?
Ocultação – a direção da Petrobrás deveria ter estabelecido comunicação com os governos do Estado e municípios para um "mutirão ampliado" (participação do Corpo de Bombeiros, etc.) e mobilização da sociedade. Mas o fato somente foi revelado à imprensa já à noite – dando tempo, mais uma vez, para que os efeitos do desastre fossem irreversíveis.
Contenção – para a mancha de petróleo não se deslocar no mar, há o recurso das redes de bóias, que absorvem e contêm o produto. Ela não foi utilizada no primeiro dia. Por que? Depois, verificou-se que o material disponível era suficiente. Demorou-se para tomar a decisão de importar um reforço que uma semana depois ainda não tinha chegado.
O acidente - finalmente, cabe investigar as causas do acidente. Segundo técnicos da Petrobrás, em entrevista à imprensa, houve um "deslocamento do terreno" em que o oleoduto estava assentado, e ele se rompeu. Por que não se pode aceitar a explicação? Para explorar petróleo no fundo do mar, realmente a Petrobrás teve que desenvolver técnicas sofisticadíssimas, inclusive, a "invenção" de metais novos, que "combinem" duas qualidades (em linguagem de leigo precisam ser "fortes" para resistir a correntes submarinas, ondas, ventos – mas também precisam de flexibilidade (molecular) para não quebrarem diante de pressões exageradas ou deslocamentos de terreno. Poucos brasileiros sabem, mas a Petrobrás é campeã mundial, premiada por instituições internacionais, como líder absoluta na exploração de petróleo no fundo do mar, graças à técnicas que tem desenvolvido desde meados dos anos 60. Agora, a direção da Petrobrás alega que o oleoduto se rompeu porque o terreno ali é de tipo diferente, de "calcáreo", e sofreu um grande deslocamento para o qual os materiais do oleoduto não eram adequados. Santa desculpa. As grandes descobertas da Petrobrás no litoral do Rio se devem exatamente às técnicas de perfuração do "calcáreo". Há 25 anos, a Petrobrás opera ali, conhece o "calcáreo". E o oleoduto foi construído há apenas dez anos.
Um incrédulo rejeitará a hipótese de que a incrível extensão do desastre ecológico tenha sido planejada. Aos incrédulos é bom lembrar que tampouco os cidadãos alemães e franceses suspeitavam de Kohl e Miterrand. Como parecia inverossímil que o atentado do RioCentro fosse um plano militar. Somente o Ministério Público pode dar uma resposta aos crédulos. E impedir o esquartejamento da Petrobrás.