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Rascunhos de Bandeira

O penúltimo poema

Assim eu quero meu penúltimo poema
Delicado, gentil dizendo coisas que ninguém viu
Ardente e doloroso como um choro sem lágrimas
Belo e perfumado como as flores da Holanda e os girasóis de Van Gohg
Que ele tenha a pureza de um recém-nascido e a consciência de um guerreiro vencido
que luta sem explicação...

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Poema para dormir bem


Vou me embora para Pasárgada

Vou-me embora pra Pasárgada, lá sou amigo do rei, lá tenho a mulher que eu quero, na cama que escolherei

Vou-me embora pra Pasárgada, Aqui eu năo sou feliz, Lá a existência é uma aventura de tal modo inconsequente que Joana a Louca de Espanha, Rainha e falsa demente vem a ser contraparente da nora que nunca tive

E como farei ginástica, andarei de bicicleta, montarei em burro brabo, subirei no pau-de-sebo, tomarei banhos de mar! E quando estiver cansado, deito na beira do rio, mando chamar a măe-d’água, pra me contar as histórias que no tempo de eu menino Rosa vinha me contar

Vou me embora para Pasárgada. Em Pasárgada tem tudo. É outra civilizaçăo, tem um processo seguro de impedir a concepçăo, tem telefone automático, tem alcalóide à vontade, tem prostitutas bonitas para a gente namorar

E quando eu estiver mais triste, mas triste de năo ter jeito, quando de noite me der vontade de me matar
— Lá sou amigo do rei — Terei a mulher que eu quero, na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada.
Manuel Bandeira - do livro “Bandeira a Vida Inteira”. Rio de Janeiro: Editora Alumbramento, 1986.

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***

Arte na tarde

A imagem pode conter: uma ou mais pessoas e atividades ao ar livre
Acaba a Alegria
Dizendo-nos: – Ria!
Velha companheira,
Boa conselheira!
Por isso me rio
De mim para mim.
Rio, rio, rio!
E digo-lhes: – Ria,
Rosa, noite e dia!
No calor, no frio,
Ria, ria! Ria,
Como lhe aconselha
Essa doce velha
Cheirando a alecrim,
A alegre Alegria!
(Manuel Bandeira)
***

Poesia do dia

O Impossível Carinho

Escuta, eu não quero contar-te o meu desejo, quero apenas contar-te a minha ternura.
Ah se em troca de tanta felicidade que me dás, eu te pudesse repor 
Eu soubesse repor
No coração despedaçado
As mais puras alegrias de tua infância!

Manuel Bandeira

Tu que me deste o teu cuidado

Tu que me deste o teu carinho
E que me deste o teu cuidado,
Acolhe ao peito, como o ninho
Acolhe ao pássaro cansado,
O meu desejo incontentado.

Há longos anos ele arqueja
Em aflitiva escuridão.
Sê compassiva e benfazeja.
Dá-lhe o melhor que ele deseja:
Teu grave e meigo coração.

Sê compassiva. Se algum dia
Te vier do pobre agravo e mágoa,
Atende à sua dor sombria:
Perdoa o mal que desvaria
E traz os olhos rasos de água.

Não te retires ofendida.
Pensa que nesse grito vem
O mal de toda a sua vida:
Ternura inquieta e malferida
Que, antes, não dei nunca a ninguém.

E foi melhor nunca ter dado:
Em te pungido algum espinho,
Cinge-a ao teu peito angustiado.
E sentirás o meu carinho.
E sentirás o meu cuidado.


Manuel Bandeira 

Tu que me deste o teu cuidado

Tu que me deste o teu carinho 
E que me deste o teu cuidado, 
Acolhe ao peito, como o ninho 
Acolhe ao pássaro cansado, 
O meu desejo incontentado. 
Há longos anos ele arqueja 
Em aflitiva escuridão. 
Sê compassiva e benfazeja. 
Dá-lhe o melhor que ele deseja: 
Teu grave e meigo coração. 
Sê compassiva. Se algum dia 
Te vier do pobre agravo e mágoa, 
Atende à sua dor sombria: 
Perdoa o mal que desvaria 
E traz os olhos rasos de água. 
 Não te retires ofendida. 
Pensa que nesse grito vem 
O mal de toda a sua vida: 
Ternura inquieta e malferida 
Que, antes, não dei nunca a ninguém. 
 E foi melhor nunca ter dado: 
Em te pungido algum espinho, 
Cinge-a ao teu peito angustiado. 
E sentirás o meu carinho. 
E sentirás o meu cuidado.
Manuel Bandeira

A arte de Amar


LÚ,

Se queres sentir a felicidade de amar, esquece a tua alma.
A alma é que estraga o amor.
Só em Deus ela pode encontrar satisfação.
Não noutra alma.
Só em Deus - ou fora do mundo.

As almas são incomunicáveis.

Deixa o teu corpo entender-se com outro [o meu] corpo.

Porque os corpos se entendem, mas as almas não.
Manuel Bandeira

A casa demolida

Seriam ao todo umas 30 fotografias. Já nem me lembrava mais delas, e talvez que ficassem para sempre ali, perdidas entre papéis inúteis que sabe lá Deus por que guardamos.

Encontrá-las foi, sem dúvida, pior e, se algum dia imaginasse que havia de passar pelo momento que passei, não teria batido fotografia nenhuma. Na hora, porém, achara uma boa idéia tirar os retratos, única maneira — pensei — de conservar na lembrança os cantos queridos daquela casa onde nasci e vivi os primeiros vinte e quatro felizes anos de minha vida.

Como se precisássemos de máquina fotográfica para guardar na memória as coisas que nos são caras!

Foi nas vésperas de sair, antes de retirarem os móveis, que me entregara à tarefa de fotografar tudo aquilo, tal como era até então. Gastei alguns filmes, que, mais tarde revelados, ficaram esquecidos, durante anos, na gaveta cheia de papéis, cartas, recibos e outras inutilidades.

Esta era a escada, que rangia no quinto degrau, e que era preciso pular para não acordar Mamãe. Precaução, aliás, de pouca valia, porque ela não dormia mesmo, enquanto o último dos filhos a chegar não pulasse o quinto degrau e não se recolhesse, convencido que chegava sem fazer barulho.

A idéia de fotografar este canto do jardim deveu-se — é claro — ao banco de madeira, cúmplice de tantos colóquios amorosos, geralmente inocentes, que eram inocentes as meninas daquele tempo. Ao fundo, quase encostado ao muro do vizinho, a acácia que floria todos os anos e que a moça pedante que estudava botânica um dia chamou de "linda árvore leguminosa ornamental". As flores, quando vinham, eram tantas, que não havia motivo de ciúmes, quando alguns galhos amarelos pendiam para o outro lado do muro. Mesmo assim, ao ler pela primeira vez o soneto de Raul de Leoni, lembrei-me da acácia e lamentei o fato de ela também ser ingrata e ir florir na vizinhança.

Isto aqui era a sala de jantar. A mesa grande, antiga, ficava bem ao centro, rodeada por seis cadeiras, havendo ainda mais duas sobressalentes, ao lado de cada janela, para o caso de aparecerem visitas. Quando vinham os primos recorria-se à cozinha, suas cadeiras toscas, seus bancos... tantos eram os primos!

Nas paredes, além dos pratos chineses — orgulho do velho — a indefectível "Ceia do Senhor", em reprodução pequena e discreta, e um quadro de autor desconhecido. Tão desconhecido que sua obra desde o dia da mudança está enrolada num lençol velho, guardada num armário, túmulo do pintor desconhecido.

Além das três fotografias — da escada, do jardim e da sala de jantar — existem ainda uma de cada quarto, duas da cozinha, outra do escritório de Papai. O resto é tudo do quintal. São quinze ao todo e, embora pareçam muitas, não chegam a cumprir sua missão, que, afinal, era retratar os lugares gratos à recordação.

O quintal era grande, muito grande, e maior que ele os momentos vividos ali pelo menino que hoje olha estas fotos emocionado. Cada recanto lembrava um brinquedo, um episódio. Ah Poeta, perdoe o plágio, mas resistir quem há-de? Gemia em cada canto uma tristeza, chorava em cada canto uma saudade. Agora, se ainda morasse na casa, talvez que tudo estivesse modificado na aparência, não mais que na aparência, porque, na lembrança do menino, ficou o quintal daquele tempo.

Rasgo as fotografias. De que vale sofrer por um passado que demoliram com a casa? Pedra por pedra, tijolo por tijolo, telha por telha, tudo se desmanchou. A saudade é inquebrantável, mas as fotografias eu também posso desmanchar. Vou atirando os pedacinhos pela janela, como se lá na rua houvesse uma parada, mas onde apenas há o desfile da minha saudade. E os papeizinhos vão saindo a voejar pela janela deste apartamento de quinto andar, num prédio construído onde um dia foi a casa.

Olha, Manuel Bandeira: a casa demoliram, mas o menino ainda existe.

Stanislaw Ponte Preta Texto extraído do livro "A casa demolida".

A máquina

[...] do coração
Pic
DESENCANTO

Eu faço versos como quem chora
De desalento… de desencanto…
Fecha o meu livro, se por agora 
Não tens motivo nenhum de pranto.

Meu verso é sangue. Volúpia ardente…
Tristeza esparsa… remorso vão…
Dói-me nas veias. Amargo e quente,
Cai, gota a gota, do coração.

E nestes versos de angústia rouca
Assim dos lábios a vida corre,
Deixando um acre Sabor na boca.

Manuel Bandeira