Talvez seja caso para desculpas
As últimas declarações do deputado Jair Bolsonaro (PP-RJ) desencadearam o debate sobre os limites da imunidade parlamentar. Deputados e senadores não podem ser processados por fazerem ataques políticos ou denúncias. É uma prerrogativa vital para a democracia. Sem ela, ficaria mais difícil controlar o poder. Ou impossível.
Mas o que parece simples é um pouco mais complicado. Suponhamos que amanhã um parlamentar espanque certo colega gay no plenário, apenas por a vítima ser gay. A imunidade dificilmente protegerá da cassação o agressor. A imunidade garante o direito de falar, não de espancar.
Até aqui está tudo fácil. O difícil começa quando se lembra que falar também é, ou pode ser, uma forma de espancar. As pessoas têm direito à integridade física, e também têm direito à integridade moral, à imagem, à reputação.
São ambos direitos, tanto quanto a imunidade parlamentar. A imunidade protegeria o senador ou deputado que defendesse a existência de “raças” inferiores e superiores? Seria uma polêmica para o Congresso e os tribunais, mas não creio.
A livre difusão da tese constituiria, em si, uma agressão, uma forma de causar dano. Uma violação de direito.
É um debate difícil, que não tem santos. A justa luta contra a homofobia corre o risco de tomar contornos heterofóbicos, e não será difícil achar um “antibolsonaro” que replique os traços de intolerância do original.
Mas isso não autoriza a neutralidade.
Intolerância e preconceito são coisas que, antes de tudo, cada um sente na própria pele. Dizendo as coisas mais cruamente, é confortável para um branco ser contra cotas raciais nas universidades públicas, assim como é confortável para um negro ser a favor. Difícil é conseguir se enxergar na posição do outro.
Vejam que usei “confortável”. Não usei “certo”, nem “justo”.
É confortável para um judeu ser a favor da existência de Israel. Ou para um palestino ser a favor de haver a Palestina. Já a troca de papeis é algo mais complicada.
Todos têm o direito de não serem atacados por serem diferentes.
Não sou juiz de ninguém. Não vou aqui julgar o deputado Bolsonaro. Que o façam os pares dele. Se acharem conveniente.
O que não impede uma tomada de posição.
Não penso que a imunidade parlamentar deva proteger a emissão de palavras que carreguem o sentido ou a intenção de depreciar ou demonizar indivíduos ou grupos sociais por causa da cor da pele, da religião, da preferência sexual ou da nacionalidade.
Porque tal proteção violaria um bom princípio, transmitido oralmente por gerações: o direito de um acaba onde começa o direito do outro.
E um parêntese. É verdade que nos Estados Unidos impera a mais ampla liberdade de se expressar, mas ela tem uma contrapartida política. O parlamentar que emita declarações racistas ou homofóbicas receberá fortíssima pressão para pedir desculpas. Ou para renunciar ao cargo. Ou as duas coisas.
Ali é mais difícil do que aqui o sujeito refugiar-se numa dobra, num canto escuro da lei, até que a coisa esfrie.
É penoso para um político, mas talvez o deputado Bolsonaro devesse estudar a possibilidade de pedir desculpas.
Para além da algazarra da discussão, esse gesto simples talvez fosse o mais digno.
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