Não há nada de bom em tragédias como a que aconteceu na Noruega. Foi uma coisa estúpida, que causou a morte de quase 80 pessoas e trouxe dor a todo um país. Alguém teria coragem de dizer que foi boa, em qualquer sentido que seja?
A respeito das tragédias, só uma coisa se sabe. Que, quase sempre, poderiam ser piores. Em chacinas e atentados como esse, mais gente poderia morrer, mais destruição advir, maiores os custos humanos e materiais. Nos desastres ambientais, como o recente no Japão, maior o impacto e o tempo de recuperação.
No morticínio na Noruega, tudo seria pior se o assassino não fosse um nórdico louco de direita. Se não tivesse as características exteriores de um “legítimo” cidadão de seu país.
Quem viu o manifesto deixado por ele terá notado o paradoxo do ato que cometeu à luz das ideias em que acreditava. Diz que a Europa precisa se proteger de três forças que ameaçam destrui-la: o “marxismo cultural”, o “multiculturalismo” e o “islamismo”. Era um militante de extrema direita, um convicto defensor do “monoculturalismo” (segundo sua definição) e um devoto do extremismo cristão.
O paradoxo está em que, por suas mãos, a morte veio de dentro, e não de fora da sociedade. Dizendo-se defensor, foi o verdadeiro agressor. Quem matou não foi “o estrangeiro”.
E se tivesse sido? Se estivesse certo e fosse real uma ameaça como aquela que imaginava? Se as 76 mortes tivessem sido causadas por um outro louco, só que imigrante? Árabe? Africano? Sul-americano? Se fosse esquerdista? Anarquista? Eco-radical?
O fortalecimento de partidos de direita na Europa é a parte visível de um movimento mais profundo, de xenofobia e preconceito, que se dissemina por todo o continente, dos maiores aos menores países. São cada vez mais frequentes os episódios de conflito social e racial, que só fazem subir as tensões entre europeus de diferentes origens.
Se um radical islâmico, por alguma razão maluca, matasse 68 jovens noruegueses, na festa alegre de uma sexta feira de verão, um tsunami de intolerância varreria a Europa. É difícil imaginar o que aconteceria, mas é certo que as fogueiras estariam queimando.
O governo social-democrata norueguês reagiu ao massacre de forma exemplar. O primeiro-ministro prometeu que enfrentaria suas consequências andando para diante e não recuando. Seria com mais democracia e mais liberdade que seu país responderia, e não aumentando controles e reduzindo direitos civis.
Trata-se de receita inversa à que mistura paranóia e vingança (na base do “olho por olho”), tão típica nas reações de vários países quando passam por traumas parecidos, a começar pelos Estados Unidos.
A experiência brasileira com esse tipo de tragédia é pequena. Não que sejamos uma sociedade menos violenta (ao contrário), mas, no Brasil, são raros os casos de assassinos com motivações e comportamentos semelhantes.
No evento mais grave de nossa historia, o da escola de Realengo, em abril deste ano, a reação do sistema político e da sociedade foram tão elogiáveis quanto agora na Noruega. Por mais chocados que tenhamos ficado com a morte de 12 crianças, ela não nos levou a retroceder em opções fundamentais.
Não mudou, por exemplo, a política de abertura das escolas, por mais que, logo após o tiroteio, tivesse havido quem pedisse que fossem cercadas e contratados guardas armados para servir de porteiros.
No fundo, não há mais o que fazer em tragédias. É possível encontrar algum conforto imaginando que poderiam ser piores. E torcer para que tenhamos sabedoria para não afundar com elas.
Marcos Coimbra
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