Escrevo em estado de choque, como resultado da morte de alguém que não conheci: Arthur Lula da Silva, sete anos. O nome disso é empatia, ou seja, “a capacidade psicológica para sentir o que sentiria uma outra pessoa, caso estivesse na mesma situação vivenciada por ela. Consiste em tentar compreender sentimentos e emoções, procurando experimentar de forma objetiva e racional o que sente outro indivíduo”. Ser empático é superar o egoísmo, é se colocar quase involuntariamente no lugar do outro. É um ato de entrega humana. É o que consta em verbetes da rede mundial de computadores.
Não tenho netos legítimos, mas tenho uma coleção de falsos netos. Tenho uma belíssima relação com eles e meus amigos avôs e avós não precisam explicar muito seus vínculos com eles. Menos ainda explicar a dor que sentiriam com a morte de um deles. Daí me haver doído sobremaneira o desprezo da horda presidencial para com o neto do Lula. Do mesmo modo, o escárnio, as ironias e tripúdios impublicáveis quanto à morte daquela criança. Veio de gente até da Polícia Federal, um deles tentando responsabilizar o ex-presidente Lula com um pretenso veto de vacina contra meningite. Gente que de forma gratuita e imediata transferiu para o garoto o ódio sem nexo que sente pelo avô dele.
Mais que transferência de ódio, foi constrangedor ver pessoas considerarem a morte do garoto como pena suplementar para Lula, por conta de crimes que nem o verdugo Sejumoro conseguiu demonstrar.
Desta vez, o sabujismo judicial criou embaraços, mas garantiu o direito de Lula. Se por um lado tentaram sair de bonzinhos perante à opinião pública, de outro acabou ficando claro que as supostas dificuldades materiais anteriormente alegadas não eram de forma alguma insuperáveis. Foi mesmo um ato de violência contra o ex-presidente e isso ocorre num momento em que mais um cadáver surge na sombra de Sejumoro e demais barnabés da PF e do Ministério Público Federal.
Há uma subjetividade torpe na associação que faço, quando misturo o cadáver do Arthur ao de Marisa Letícia. Quando somo Vavá (irmão do Lula) e o ex-reitor da Universidade Federal de Santa Catarina, Luiz Carlos Cancellier. Ao lembrar de Marielle Franco e queimas de arquivo. Eu poderia aumentar essa lista, acrescentando inclusive nomes de militantes que enfartaram, como um certo Francisco Costa, ferrenho crítico dessa Farsa Jato. Quantos petistas e ou simpatizantes da causa humanitária não entraram em depressão com o golpe contra Dilma ou com a prisão do ex-presidente Lula? Quantas mortes foram precipitadas pela dor civil pela violência do Estado?
É possível que alguém pergunte – qual a relação objetiva entre essas mortes? Eu apenas diria que no mínimo todas foram comemoradas por muitos oficiantes da Farsa Jato. Todas essas mortes se submeteram à leitura do ódio, desde médicos trocando mensagens sobre como deixar Marisa Letícia morrer a um simples “bem feito” vindo de um bolsopata. Todas ou quase receberam o selo do “peso da mão do senhor”, pois sofreram o crivo religioso que norteia a República de Curitiba.
Abri essa fala falando sobre empatia ou sua ausência no caso Arthur. É a mesma falta de empatia presente, num momento em que o presidente “eleito” gasta dinheiro público para disseminar ódio nas redes sociais. Num momento em que se discute o futuro do povo, sem se colocar no lugar dele ou diante de sua perspectiva de vida. Quando o sistema de inclusão social por meio de cotas é abominado, sem que os críticos se coloquem no lugar dos socialmente excluídos.
A ausência de empatia não permite enxergar que o padrão de vida do pretenso maior ladrão do século não lhe serviu sequer para salvar a vida do neto. Desse modo, passa desapercebido que o comparsa de Sejumoro foi atendido num dos hospitais mais caros das Américas, enquanto o neto do pretenso maior ladrão da história faleceu num hospital de segunda categoria.
Escrevo em estado de choque. Disse-o no começo dessa fala. Choque por tudo, inclusive ao me deparar com uma foto de Lula dentro do avião. Onde está a empatia humana diante do olhar triste, retrato de uma alma dilacerada pela injustiça e pelas tragédias dentro de outras tragédias. Soube até que Lula fora proibido de acenar para o povo. Advertido por um sabujo da PF de que não poderia fazer isso teria respondido: o senhor sabe que eu tenho que fazer isso.
Tragédias, tripudio, empatia e dores à parte, para quem esperava ver Lula diante do caixão pedindo perdão para Arthur pelos “seus pecados”, ouviu dele a promessa de que um dia vai provar sua inocência até para o neto. Eis a frase que consolidou o garoto em mais um cadáver na vida de Sejumoro.
Armando Rodrigues Coelho Neto - advogado, escritor, jornalista, ex-delegado da Polícia Federal e ex-representante da Interpol
Todo mundo quer ser bom, mas da lua só vemos um lado
Vida que segue...
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