A vida do analista de sistemas Luciano Moura virou de ponta-cabeça desde que ele se tornou o inimigo número um do PSDB. Ele é proprietário do site Poços 10, página compiladora de notícias da cidade Poços de Caldas (MG), e foi acusado de ser “membro de uma quadrilha virtual” pelo coordenador jurídico da campanha de Aécio Neves à presidência, deputado Carlos Sampaio (SP).
Tudo começou no fim de maio, quando o site republicou uma matéria compartilhada na internet havia mais de um ano. O texto trazia uma suposta frase de Andrea Falcão, ex-mulher de Aécio, acusando-o de usar a filha para servir de justificativa para transportar diamantes para o exterior de forma ilegal. Tanto Aécio quanto Andrea negaram a existência do diálogo. O PSDB aproveitou a oportunidade para tentar censurar o site, apesar de uma série de outros blogs terem divulgado exatamente o mesmo texto.
O partido entrou com uma ação judicial na Procuradoria da República do Estado de Minas Gerais e solicitou a retirada do conteúdo do ar. Alegou os crimes de calúnia e acusou o Poços 10 de ser financiado com o dinheiro público, baseado no fato de que Luciano Moura também foi responsável pela criação do site do vereador petista Paulo Tadeu, presidente da Câmara Municipal de Poços de Caldas.
Para Moura, isso mostra o desconhecimento de Carlos Sampaio e do departamento jurídico do PSDB sobre o funcionamento da internet. “Eu sou analista de sistemas, ganho a vida montando e mantendo sites”, explica. Segundo ele, o site do vereador Paulo Tadeu foi desenvolvido oito meses depois do Poços 10. “Como isso pode provar a manutenção do meu site com dinheiro público?”, questiona.
A ação do PSDB também acusa Moura de ser autor do boato, mas o texto foi totalmente retirado de outro site. “Mas tem muita gente com preguiça de ler reportagens até o fim”, diz. Para o analista, Carlos Sampaio só quer aparecer. Em um texto publicado no Poços 10, ele diz que o “deputado-promotor” está apenas “buscando a promoção fácil que tanto o fascina.”
A tentativa de censura tem, ainda, como pano de fundo, a insistência do site Poços 10 em manter à tona o chamado “Caso Pavesi”, que revelou ao Brasil e ao mundo a existência de uma quadrilha especializada em tráfico de órgãos em Poços de Caldas, em 2002. O principal nome ligado ao caso é o de deputado estadual Carlos Mosconi, do PSDB, conforme foi revelado em matéria da revista CartaCapital, em 2013.
No próximo dia 31, quatro médicos irão a júri popular pela morte do menino Paulo Veronesi Pavesi, de 10 anos, o “Paulinho”, ocorrida em 2000, em Poços de Caldas (MG). Os quatro são acusados de fazer parte da chamada “Mafia dos Órgãos” e usar uma central clandestina de transplantes para retirar órgãos do garoto enquanto ele ainda estava vivo, após sofrer um acidente em casa.
Três médicos já foram condenados e outros ainda respondem na Justiça. Nesse júri popular estarão no banco dos réus o nefrologista Álvaro Ianhez, o anestesiologista Marco Alexandre Pacheco da Fonseca, o intensivista José Luiz Bonfitto e o neurocirurgião José Luiz Gomes da Silva. Na denúncia, consta que eles teriam usado a central de transplantes clandestina para retirar rins e córneas de Paulinho antes que tivesse ocorrido sua morte encefálica.
Em janeiro deste ano, o pai do menino, Paulo Airton Pavesi, que vive na Europa, publicou o livro “Tráfico de Órgãos no Brasil – O que a máfia não quer que você saiba”. Segundo Pavesi, a história toda foi censurada no Brasil por pressão do grupo político do deputado Carlos Mosconi, apontado como ministro da Saúde de um eventual governo Aécio Neves. Por isso, optou por lançar o livro de maneira independente e distribuir livremente pela internet.
Mosconi foi o idealizador da MG Sul Transplantes, entidade acusada de organizar a retirada ilegal de órgãos em Poços de Caldas. O deputado foi citado, em 2004, na CPI do Tráfico de Órgãos. Na época, o delegado Célio Jacinto, responsável pelas investigações da Polícia Federal, revelou a existência de uma carta do parlamentar na qual ele solicita a um dos acusados o fornecimento de um rim para atender ao pedido do prefeito da cidade de Campanha, por 8 mil reais. A carta, disse o delegado, desapareceu misteriosamente do inquérito sob custódia do Ministério Público Estadual de Minas Gerais.
Mundo da fantasia - O vereador Paulo Tadeu também considera infantil a acusação. “Não tem base. É uma distorção total do mundo real para que tenha alguma conexão com essa fantasia que o Aécio criou”, afirma. Como explica texto publicado em seu site, Tadeu considera não dar para levar a sério um assessor jurídico que implica até com as cores da roupa da presidenta Dilma. “Trata-se de mais uma de suas representações, sempre desmoralizadas e fadadas ao ridículo”, garante.
Os advogados do Google já haviam afirmado, em março, que Aécio parecia “sensível demais a críticas.” A resposta veio depois que o PSDB entrou com uma ação judicial para que o Google e outros provedores de pesquisa impedissem o acesso a informações que relacionassem o presidenciável ao uso ilícito de drogas. O pedido do PSDB foi negado, mas a acusação era a mesma: a ação de supostas “quadrilhas virtuais.”
Perseguição - Ainda assim, o analista de sistemas tem medo das consequências que o caso possa trazer para ele. “Estou receoso quanto ao tipo de coisa que o PSDB pode fazer. Essa é a tática deles, incentivar o medo e a repressão”, conta. O vereador concorda com Luciano Moura. “Minas vive um tempo de opressão. O jornalista Marcos Carone, do Novojornal, está preso há quase seis meses sem nenhuma acusação”, relembra. Paulo Tadeu se refere à prisão do jornalista mineiro acusado de intimidar testemunhas que seriam ouvidas em processo contra ele, segundo o Ministério Público de Minas Gerais.
Mesmo com toda a repressão, porém, Luciano Moura se mantém firme no projeto de divulgar a “verdadeira Minas”. “Eu sou mineiro, sei o tanto que meu estado sofre com o abandono”, afirma. A ação serviu de fermento para as divulgações do Poços 10. O site quebra, diariamente, o recorde de audiência e o dono da página tem recebido muito apoio nas redes sociais. “Vou aguentar o impacto de cabeça erguida. O site continua, agora com o apoio de ainda mais gente”, conclui.
Por Bruno Bucis
*Juridicamente ele usa a sigla PSDB para fazer o jogo sujo