A razão do desencontro, por A. Capibaribe Neto
Cheguei cedo ao lugar de costume para dividir boas taças de vinho com amigos e fiquei olhando em volta. À minha frente, quase na penumbra, estava um homem a consultar, ora o relógio, ora o celular. Diante dele, dois pratos, duas taças. Uma estava vazia e a dele pela metade, devido ao bebericar sem graça pela espera ansiosa de quem não chegava. Olhava o relógio, conferia o celular e não tirava os olhos da porta de entrada. Meus amigos chegaram depois de quase meia hora e logo estávamos degustando um Pinot Noir acessível e de boa safra. O homem continuava no ritual angustiante da espera e a garrafa diante dele já estava pela metade. Existe uma certa tristeza naqueles que tomam café da manhã, almoçam ou jantam sozinhos em mesa de restaurante de hotel, mas a tristeza de alguém diante de uma garrafa de vinho e uma taça à espera de uma companhia para um brinde tem tristeza maior. Já estávamos na segunda garrafa e o homem sozinho agora apoiava o queixo em uma das mãos enquanto o dedo indicador da outra contornava a borda da taça meio vazia fazendo um barulho irritante como um grito estridente intermitente. Quando do som ambiente veio uma música romântica ele respirou fundo, bebeu mais gole solitário. Voltei a prestar atenção na conversa descompromissada dos amigos. De onde estava, podia ver o semblante do homem, antes carregado de ansiedade, agora estava rendido à tristeza de uma quase certeza de que a outra taça à sua frente permaneceria vazia e naquela noite ele seguramente não brindaria com ninguém. Por um momento, ele quase se levanta por conta de uma mulher que assomara á porta, mas logo sentou-se quando a mulher que acabava de entrar estava acompanhada. Quando esperamos por alguém e essa espera fica comprida demais, a imagem que carregamos junto com a espera faz com que comecemos a ver em outras pessoas o rosto que nunca chega. Na garrafa de vinho do homem não estava apenas a verdade que dizem estar no vinho, estava também uma certeza de que a ausência sentida se confirmava, a cada gole bebido sozinho que uma promessa feita não seria cumprida. A verdade que estava no vinho do homem sozinho estava diante da mentira que ocupava o vazio da outra taça, cheia de mudas interpelações diante dele. Os minutos das horas lerdas que não passavam eram como açoites invisíveis a castigar sem pena seu coração dentro do peito angustiado. Para nós, festejando apenas a alegria de mais uma mesa de vinhos o tempo era generoso a passar no seu ritmo comum. Vi quando o homem pediu a conta ao garçom e pediu e que lhe chamasse um taxi. Dez minutos depois que ele foi embora deixando uma taça vazia, uma garrafa com algum vinho por beber e uma taça largada pelo meio sobre a mesa, vi quando uma mulher parecida com a que o homem achou que fosse ela chegou apressada e dirigiu-se ao mesmo garçom. Deu para escutar a resposta "se é quem estou pensando acabou de sair não tem dez minutos..." Ao que ela respondeu como uma desabafo: "ai, meu Deus... Fui assaltada, levaram minha bolsa, documentos, celular..." E saiu do lugar quase correndo em direção à porta. Bebi as duas últimas taças da noitada com a alegria comprometida e não comentei nada. Não pela contumácia dessa violência sem jeito que nos faz parecer indiferente, mas pela sensação de não saber como ajudar, a não ser que ela encontrasse o homem que bebeu sozinho e foi embora triste, sem saber que dentro da taça vazia agora tinha uma certeza de que a mulher estivera ali para o desencontro...