Confusão, parte I
Não está fácil para as maiorias bem-intencionadas tomarem posição no quadro político. Há uma minoria governista disposta a pôr em perspectiva os graves erros e problemas do governo atual e uma minoria odienta e intolerante que se recusa a raciocinar que, passadas as eleições, o governo, em respeito à maioria, mesmo pequena, é este e tem a responsabilidade de promover o progresso do País.
Esse quadro resume nossa grande confusão contemporânea. Criticar o que está muito ruim e errado no País e na condução do governo é um sentimento justo e democrático. É muito desmantelo, muito equívoco, muito erro e uma resultante clara: o Brasil não está bem. Nossa economia está mal e não existe uma meta que nos una ou no mínimo nos divida ao redor de uma polêmica fecunda e produtiva.
A depender das elites, a parte respeitável ou a parte reacionária e escravista, nossas instituições centrais estão todas sob crítica radical. A depender do povo, a tragédia não é tão clara em suas origens, mas saúde, educação etc. poderiam estar muito melhores. Para falar moderadamente. E as notícias infames e hiperpropagandeadas da roubalheira acrescentam uma pimenta passional ao quadro.
Tento organizar, em minha cabeça, a confusão, para não me deixar manipular pelos governistas alienados e muito menos pela reação brasileira de quem tenho definitivo nojo.
Comecemos pela ladroeira, para podermos raciocinar sobre o que de fato interessa. Sem remover essa bagunça malcheirosa do debate central, nossa inteligência coletiva continuará a se dissipar no ódio ou no encolhimento moral da militância progressista brasileira. Esquerda corrupta ou conivente... É uma contradição em termos.
O desvio de conduta no serviço público, e especialmente na política, parece ser desagradável inerência da falibilidade humana. “O poder corrompe” é uma premissa do devaneio iluminista de Montesquieu quando imaginou um sistema de “poder controlando poder”, na busca de um sistema de freios e contrapesos que idealmente prevenisse a corrupção e outras tantas formas de abuso do poder político. Helmut Kohl, o grande estadista alemão do pós-Guerra, condutor da reunificação do país, enrolou-se em corrupção. Richard Nixon, assessorado por Henry Kissinger, visionariamente acertou as bases da até hoje mais importante relação internacional norte-americana fora da Europa Ocidental, a China. E saiu da Casa Branca para não enfrentar o impeachment ou terminar na cadeia. O PSOE, responsável na Espanha pela delicada obra da redemocratização, sistematizado no histórico Pacto de Moncloa, nunca mais foi o mesmo depois dos rolos nos quais se meteu Felipe González.
Não pretendo, nem de longe, autorizar ou compreender o caso brasileiro em relação a esses exemplos. Eduardo Cunha, Renan Calheiros, Eunício Oliveira, Cândido Vacarezza, Antonio Palocci, Eliseu Padilha e sua banda são coisa infinitamente diferente. Michel Temer... O assalto sistemático aos cofres da Petrobras e de outras tantas burras públicas é algo bem vulgar.
Mas os interessados no Brasil precisam entender o que acontece de fato e não se deixar manipular pela mídia de São Paulo e Rio de Janeiro. Com contradições e precariedades ainda, nossas instituições funcionam. A Constituição de 1988 atribuiu ao Ministério Público relevantes e modernas tarefas e ferramentas. Parte importante do centro do poder contemporâneo foi parar na cadeia recentemente. Fizemos o primeiro impeachment da história constitucional democrática ocidental.
Isso dito, vamos mergulhar um pouco mais na compreensão da parte da confusão dominante neste momento nacional. Lula, a partir do seu segundo governo, sob clara influência do pragmatismo de José Dirceu e assustado com a escalada golpista a partir do escândalo novelizado pela grande mídia no assim chamado “mensalão”, resolveu conciliar com a “banda podre” da política brasileira, concentrada, salvemos as exceções, no PMDB. A partir daí, parte do PT sentiu-se autorizada às práticas “patrimonialistas”, como Fernando Henrique Cardoso preferia chamar a ladroeira em seu governo.
Há aqui uma confusão clara. Numa hiperfederação como a nossa, em um quadro de superfragmentação partidária, pode-se compreender a necessidade de alianças contraditórias se houver uma agenda para transitar no Congresso (infelizmente não há), mas não se pode aceitar que o cimento seja a partilha sistemática de feudos de onde cada qual tira poder fisiológico e, pior, fortuna podre.
Aqui falha Dilma Rousseff. É por aí que a reação a desestabiliza e tenta desmoralizá-la. Poderia ser diferente, embora haja algum risco. Por não ser diferente, o governo não terá sossego.
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