Crônica dominical

Desejo levado pelo rio
de A. Capibaribe Neto

O nome da cidade não faz diferença, pois ninguém vai se importar com um lugar na distante Ásia, mas ali, pelo menos durante o tempo em que me esbaldei com as imagens que o ambiente oferece, me interessei pelas luzes que seguiam o rumo da corrente do rio sem pressa. Luzes de pequenas velas ficam acondicionadas em caixinhas coloridas e são colocadas na superfície da água, representando um desejo. Os turistas se divertem e não ligam em pagar um dólar para fazer um desejo ou simplesmente fazer parte da brincadeira. Depois de esgotar a criatividade, resolvi comprar uma dessas caixinhas já com a vela colada dentro. Pedia à mocinha que me vendeu para não acendê-la, pois queria eu mesmo acender em um lugar mais afastado, onde pudesse me concentrar no que ia desejar. Logo depois da primeira curva desse rio preguiçoso, sentei-me sobre uma pedra desconfortável para pensar no que ia pedir àquelas águas estranhas. Respirei fundo e deixei que os pensamentos fizessem a sua escolha. Não pensei em pedir dinheiro, pois bem sei que mais me tomam do que poderia o destino me oferecer assim. Pensei nas perdas que ficaram penduradas nas despedidas e transformadas em saudades choradas, presas a arrependimentos sem mais jeito. Pedir para consertar o passado seria acreditar em um milagre, e milagres, sei muito bem, só acontecem nos picadeiros dos circos de fé, onde os palhaços estão na imensa plateia e no picadeiro um leão insaciável urra feroz pedindo dinheiro, cada vez mais é sempre muito. O momento me remeteu a uma breve reflexão: "será que eu queria mesmo ter uma nova chance para estar diante do grande amor que ficou trancado pelo lado de dentro e eu mesmo quebrei a chave da porta?" Aquele momento estava pensado desde há muito e só seguiu o caminho ladeira abaixo pela teimosia de tentar segurar ouro em pó na concha de mãos sem cuidado. A rotina fez uma imensa falta. O silêncio da nova solidão era como o corte fino de uma navalha amolada chegando devagar perto do coração. Cada noite de angústia um talho. Sangrei até quase desfalecer, não fosse o grito providencial da realidade... Mas, e se eu pedisse só para ver o que iria acontecer? Afinal de contas, estava a milhares de quilômetros dela e quando o dia amanhecia aqui, à margem desse rio, ela já estaria em casa, em um novo ritual. E o pior, na companhia de uma nova escolha a prometer o mesmo amor para sempre. Que diabos, eu também fui um desses para sempre. Sabia que essas promessas duram pouco ou um pouquinho mais, mas levei a caixinha para perto da água, e depois de colocá-la com cuidado sobre o rio, preparei-me para transferir a chama do isqueiro que me dera a mocinha para o pavio. Na terceira tentativa fracassada descuidei-me para ver se havia fluido e a caixinha escapou de mim e foi fugindo devagar com a vela apagada. Foi melhor assim. Em algum lugar, sei lá onde, a minha caixa com um desejo não feito deve ter encalhado em qualquer margem como eu encalhei naquela despedida em um momento da minha vida.




no Diário do Nordeste

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