Meritocracia não é democracia. E se não é democracia...

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Mauro Santayana, em mais uma aula de lucidez dada em seu blog, vai ao âmago da questão da legitimidade, parte inseparável de uma legalidade democrática. Porque há outras legalidades, aprendemos com a ditadura, que servem para oprimir e, de outro lado, para criar castas de privilegiados poderosos.
E legitimidade é dada, nas democracias, pelo instituto do voto, não pelo do concurso público, porque é ele quem permite o exercício da soberania popular: o seu, o meu, o nosso direito de escolher a direção e o dirigente de nossa cidade, estado e país.
“O que está ocorrendo hoje é que, com a cumplicidade de uma parte da mídia, voltada para a deseducação da população quanto ao Estado e à cidadania, há funcionários públicos que, longe de se submeter ao poder político – e na ausência de votos, que não têm – pensam que foram guiados pela mão de Deus na hora de preencher as respostas dos exames em que foram aprovados, tendo sido assim ungidos pelo altíssimo para assumir o destino de comandar o país e corrigir os problemas nacionais, que não são – e nunca deixarão de ser – poucos.
A situação chegou a tal ponto de surrealismo que alguns espertos e os imbecis que os secundam na internet, parecem querer dar a impressão de que a solução para o país seria acabar com as eleições e os partidos e fazer concurso para vereadores, prefeitos, deputados, governadores, senadores, ministros do Supremo Tribunal Federal – essa última “sugestão” se multiplica por centenas de sites e redes sociais – e para Presidente da República.
Substituindo, assim – como se tal delírio fosse de alguma forma possível – a soberania popular pela “meritocracia” e o suposto saber e competência de meia dúzia de iluminados que entraram muitos deles, na carreira pública, por ter dinheiro para pagar cursinhos e na base da decoreba para passar em exames – criados por empresas e instituições terceirizadas, que ruborizariam – pelo estilo e forma como são elaborados – um professor secundário dos anos 1950.
Afinal, para parte da burocracia atual – à qual se poderia acrescentar, sem medo de exagerar no erro, um “r” a mais, do ponto de vista de seu entendimento prático e histórico do que é e de como funcionam nosso sistema político e a própria Democracia – o povo brasileiro é visto como uma massa amorfa e ignorante, que não sabe, nem merece, votar, e que dá o tom do nível intelectual e de “competência” daqueles que chegam eleitos, ao Executivo e ao Legislativo.
É o argumento que tantas vezes vemos maquinalmente repetido, que a “culpa” é do “povinho” que escolhe mal – em geral  porque não escolhe os que a elite deseja – e que “tem o governo que merece”…
E o mundo dos “meritocratas”, é perfeito?
Se não fossem, boa parte das vezes, péssimos os serviços prestados à população por essa mesma burocracia; se os cidadãos não estivessem conscientes da importância do direito de voto de quatro em quatro anos; se o artigo primeiro da Constituição Federal não rezasse que todo o poder – mesmo o dos burocratas de qualquer tipo – emana do Povo e em seu nome deve ser exercido; se não houvesse carreiras que pagam quase 100 vezes mais do que ganha um trabalhador da base da pirâmide social; se mais de 600 funcionários concursados não tivessem sido demitidos, no ano passado, a bem do serviço público, só na esfera federal, por crimes como prevaricação, peculato, extorsão, corrupção, etc.
Afinal, para o bem da população – que pode votar sem exigir diplomas de seus candidatos – passar em concurso – por mais que pensem o contrário muitos brasileiros – não é selo nem garantia de honestidade, nem de caráter, nem de sanidade mental, nem de compromisso com o bom senso, ou com o futuro, com a soberania, o desenvolvimento e a dignidade da Nação.
Ou passou a ser isso tudo, e não fomos informados disso?”
A imensa massa de servidores – sou filho de dois – sabe perfeitamente que no serviço público há – e sobretudo no Judiciário e Legislativo – castas que se se consideram a nobreza e age com a mais olímpica indiferença para os demais. Gente que é capaz de conceder-se a imoralidade de um “plus” de moradia, mesmo estando em sua cidade e vivendo em seu próprio imóvel, num valor que supera, muitas vezes  tudo que ganha um professor, um serventuário, aquele que jamais admitirá chamar de “colega” porque, pertencendo à instituição, não pertence à casta.
De qualquer forma, para confirmar o que diz Santayana sobre a meritocracia não ser ” não é selo nem garantia de honestidade, nem de caráter, nem de sanidade mental, nem de compromisso com o bom senso, ou com o futuro, com a soberania, o desenvolvimento e a dignidade da Nação”, talvez bastasse lembrar que Paulo Roberto Costa, Nestor Cerveró e Pedro Barusco – sim, senhor – eram todos “de carreira”.
De que carreira, sabemos bem, agora.