Patrimonialismo descarado e dominação estamental, por Jorge Alexandre Barbosa Neves

Em 2016, quando estava na Universidade do Texas, tive a oportunidade de assistir uma conferência de Theda Skocpol, professora de Harvard e um dos maiores nomes vivos da Sociologia Política, sobre as profundas transformações ocorridas na extrema direita americana, a partir da grande rede organizacional estruturada pelos irmãos Koch (os principais pontos da conferência estão expostos em artigo aqui). Os irmãos Koch criaram a estrutura organizacional politicamente mais poderosa dos EUA, ao lado dos dois grandes partidos. Como essa organização opera fundamentalmente por dentro e ao lado do Partido Republicano, ela criou um forte desequilíbrio no sistema político do país em prol deste – em particular, na esfera estadual – mas também criou sérios problemas internos para o partido, igualmente mais relevantes na esfera estadual (1).

Os irmãos Koch mostraram como é eficaz – mas também caro – montar uma estrutura organizacional de fundações e think tanks para participar como protagonista do jogo político. Lembro-me que nas últimas eleições presidenciais americanas, a estrutura organizacional dos irmãos Koch gastou algo próximo do que cada um dos dois grandes partidos políticos americanos. A partir de 2013, fiquei na expectativa de que algo semelhante ocorresse no Brasil, talvez a partir da liderança de Jorge Paulo Lemann. Obviamente, isso se confirmou, porém numa escala muito menor do que eu esperava.
Qual não é minha surpresa ao ver que, agora, surge uma iniciativa para tentar o que me parece ser uma replicação tupiniquim da estrutura organizacional e política dos irmãos Koch, porém sob uma iniciativa absolutamente bizarra, para não dizer o mínimo, dos procuradores do MPF da lava jato, em Curitiba. Pensando bem, talvez seja um passo previsível para um grupo estamental que tem liderado uma das maiores iniciativas de busca de protagonismo político da história do Brasil.
Portanto, não é de se estranhar que, no Brasil, a montagem de uma estrutura organizacional conservadora de alta complexidade e enorme custo financeiro tenha vindo de uma iniciativa que nasce das entranhas do Estado (2). Para mim está claro que os procuradores da lava jato querem criar uma poderosa estrutura organizacional com o objetivo de dominação política.
A tentativa dos procuradores da lava jato de criar uma fundação de direito privado para receber uma fatia bilionária dos recursos recuperados pela operação é um dos atos mais descarados de patrimonialismo que já ouvi falar. Pretendem transferir uma quantia bilionária de recursos públicos para um ente privado. Com que base legal? Desconhecemos! Para tanto, contaram com uma decisão da juíza federal Gabriela Hardt, que entrará para os Anais da História como um dos textos oficiais mais pusilânimes já redigidos por qualquer agente público brasileiro.
Caso essa iniciativa venha, de fato, a vigorar, o estamento lavajatista conseguirá criar, no Brasil, uma estrutura organizacional de ação política equivalente àquela dos irmãos Koch nos EUA. Com um agravante, essa estrutura organizacional será liderada por um poderoso estamento estatal. Os amantes da liberdade e da democracia têm muito a temer!
Jorge Alexandre Barbosa Neves – Ph.D, University of Wisconsin – Madison, 1997. Pesquisador Visitante University of Texas – Austin. Professor Associado do Departamento de Sociologia – UFMG – Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas.
  1. Extrapola o objetivo desta coluna a especificidade dos problemas que os irmãos Koch criaram para o Partido Republicano. Todavia, me chamou a atenção quando em sua conferência Skocpol descreveu o conflito entre figuras relevantes do partido no nível estadual e o posicionamento defendido pela rede organizacional dos irmãos Koch em relação à participação dos governos estaduais no Obama Care.
  2. Cada país tem especificidades em suas formas de funcionamento e organização. Os EUA vivem em um regime político oligárquico – como mostraram Gilens e Page (https://www.cambridge.org/core/journals/perspectives-on-politics/article/testing-theories-of-american-politics-elites-interest-groups-and-average-citizens/62327F513959D0A304D4893B382B992B) –, porém lá o apego à ideologia liberal leva a que as práticas patrimonialistas se revelem de outras formas, como bem demonstrou a deputada democrata Alexandria Ocasio-Cortez, em educativo debate ocorrido, recentemente, no Congresso americano.
Todo mundo quer ser bom, mas da lua só vemos um pedaço 
Vida que segue...

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