Líderes vivem de resultados, mas também de símbolos. Aliás, símbolos costumam ser essenciais para que líderes alcancem resultados e deixem seu registro na História. Vale também para Luiz Inácio Lula da Silva. Seu governo, como já se escreveu nesta coluna, ficará marcado pela maneira como tiver enfrentado a crise planetária da economia. E até aqui Lula vai bem, ao menos no terreno simbólico: ele é o governante que se recusa a aceitar a derrota, o líder que preparou o país para os tempos difíceis, o dirigente que nos fará atravessar a tempestade com o menor dano possível, desde que todos colaboremos e não paremos de consumir.
A oposição critica Lula por ter dito que o tsunami chegará aqui como uma marolinha, na qual não vai dar nem para surfar. É natural que a oposição ataque o presidente, mas Lula não tinha alternativa fora do otimismo. Winston Churchill pôde dar-se ao luxo de falar em sangue, suor e lágrimas porque era recém-chegado ao poder, porque não era apontado como responsável pelos equívocos que marcaram a política do Reino Unido às vésperas da guerra contra a Alemanha de Adolf Hitler. Estivesse há mais tempo no governo, teria que explicar por que, afinal de contas, os britânicos tinham se metido numa enrascada.
Um exemplo extremo de atitude otimista do líder aconteceu em novembro de 1941, quando os tanques alemães estavam nos subúrbios de Moscou mas mesmo assim Joseph Stalin fez questão de comparecer ao então tradicional desfile militar na Praça Vermelha, em homenagem ao aniversário da Revolução Russa. Quando Stalin e a cúpula soviética apareceram sobre o mausoléu de Vladimir Lênin, deram força à idéia de que o país poderia derrotar a invasão nazista. Se o discurso de Stalin tivesse sido transmitido só pelo rádio, o russo comum certamente pensaria, desconfiado: “Se o cara acreditasse mesmo na vitória, não teria corrido de Moscou". É a sabedoria popular.
Lula, portanto, faz bem uma parte do serviço quando se comunica adequadamente. Mas comunicação não é tudo. Além de símbolos, líderes precisam dar aos liderados meios materiais para alcançar a vitória. Do contrário, o moral da tropa não resiste. Propaganda sozinha não enche barriga. Se a César deve ser dado o que é de César, dele também se exige que cumpra suas obrigações. E o nosso presidente, infelizmente, tem deixado a desejar num aspecto.
Lula pede ao brasileiro que consuma com firmeza, mas não faz a parte dele para garantir que isso aconteça em circunstâncias minimamente seguras. Vejamos. Ou o cidadão consome com dinheiro próprio ou pega emprestado. Dinheiro próprio para o consumo, hoje em dia, só se o sujeito for rico ou tiver estabilidade no emprego. Se Lula deseja que o brasileiro fique firme na guerra do consumo, precisa dar um jeito de fornecer as armas e a munição: crédito abundante e barato. Mas o que se vê é o contrário: cada dia na crise é um dia a mais para os bancos aumentarem sua aversão ao risco, restringindo o volume de crédito e encarecendo os juros. Deu no estadao.com.br:
- A taxa média de juros cobrada nos empréstimos ao consumidor em novembro subiu quase quatro pontos no mês, de 54,9% ao ano para 58,7%, atingindo o maior nível desde março de 2006. No cheque especial, modalidade campeã de juros altos, o juro subiu de 170,8% ao ano para 174,8%. Segundo os dados divulgados nesta terça-feira, 23, pelo Banco Central, o movimento foi determinante para o crescimento do juro médio do crédito livre no País, que atingiu 44,1% no mês passado.
Por mais bíceps que exiba (sua aprovação já bate em 82%), Obama fracassará se não cuidar da musculatura do mercado de trabalho nos Estados Unidos. Se a União Soviética e os aliados tivessem perdido a guerra contra a Alemanha, a fala de Stalin em novembro de 1941 na Praça Vermelha teria ficado como uma caricatura para a posteridade, do modo que são vistos hoje os discursos de Hitler nos últimos dias. E o “sangue, suor e lágrimas” de Churchill estaria relegado aos arquivos. A história é escrita pelos vencedores. Quanto a Lula, seu cálculo político pré-crise embutia a idéia de que ele e os bancos poderiam chegar juntos à glória. Mas os últimos números da economia mostram que essa possibilidade subiu no telhado.
Publicado originalmente como uma coluna (Nas entrelinhas) na edição de hoje do Correio Braziliense.
- Atualização, às 11:54 - Mídia eletrônica sobre os eventos históricos citados:
1. Áudio do discurso de Winston Churchill em 13 de março de 1940 na Câmara dos Comuns, em Londres (em inglês):
2. Vídeo com o pronunciamento de Joseph Stalin em 7 de novembro de 1941 na Praça Vermelha em Moscou (legendas em inglês):
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