Resolvi sacrificar meu Gzerbo, um animal que havia trazido de Saturno. Não podia deixá-lo na Terra, sob pena de vê-lo alimentado pelos ignorantes que não entendem desse tipo de bicho de estimação. Quanto mais você alimenta um Gzerbo, mais ele emagrece, definha e morre. E, o pior, quanto mais carinho se lhe dá, mais feroz ele fica. Um Gzerbo precisa apanhar, levar chibata todo dia e quase morrer de fome para ficar forte. Assim são as criaturas de Saturno e exatamente por isso, decepei a cabeça do meu Gzerbo e triturei seu corpo cheio de escamas, penas e couro grosso. O Gzerbo gritava de felicidade e teve gente que chegou a pensar que eu estava maltratando o animal.
— ´Você volta, bem?´ — perguntou-me Maria.
- Não sei. O Salman Rushidie me aconselhou ficar em Marte por uns tempos, já que havia uma jihad lançada contra a minha pessoa. Estava acabando de fazer as malas quando ouvi a gritaria histérica lá fora: ´Mata! Mata! Mata!´, seguido de ´ignorante, imbecil, medíocre, etc.!´ — tudo por conta de uns posicionamentos relacionados com a teoria quântica dos elementos subjetivos das porções hidrotérmicas dos qualifásicos.
-´Vai logo, bem; vai logo antes que eles arranquem a tua cabeça...´ — aconselhou-me Maria.
Saí pelos fundos, peguei o táxi-foguete e fui para o campo de lançamento da minha nave hiper-super, triplamente veloz, capaz de viajar dez vezes a velocidade da luz. Pela escotilha da nave estelar ainda pude ver um dos manifestantes, mais radical entre os xiitas da manifestação que pedia a minha cabeça, agarrada à fuselagem. Fosse coisinha pouca mais magra e menos feia, teria conseguido seguir-me até o meu destino. Numa fração de segundo ela desprendeu-se da asa do navio espacial e sumiu na estratosfera, ganindo, gritando, rosnando, vomitando seu ódio. Menos de cinco horas depois, cheguei a Marte. Fui recebido pelo conselho de imigração que seleciona os banidos de outros planetas, de outros mundos, de outras galáxias. Fizeram todos os exames para a minha admissão e me conduziram a uma cela onde já havia um senhor de respeitável semblante.
- ´Antonio!´ — apresentei-me.
- ´Jorge!´ — respondeu-me com um aperto de mão forte.
- ´Por que vieste parar aqui?´ - perguntou-me Jorge.
- ´Escrevi uma crônica que abalou a minha cidade, parte do meu país e um mundo de radicais caiu de pau em cima de mim. Uma coisa horrorosa!´ — respondi-lhe.
- ´E o senhor?´ — dei-me ao direito de perguntar.
- ´Ah, matei um dragão! Você foi perseguido apenas na sua cidade, no seu país. E eu, recentemente, estou condenado por um monte de associações que defendem os dragões...
- ´ Como é mesmo seu nome, insisti.
— Jorge, São Jorge!
— Ah! Pois então, tá!
— Jorge, São Jorge!
— Ah! Pois então, tá!
A. CAPIBARIBE NETO
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