Uma pergunta para Lula

Um comentarista ficou espantado outro dia quando eu afirmei que Luiz Inácio Lula da Silva é um Robinho da política. Um grande driblador. Perguntou se era a sério, ou se eu estava ironizando. Foi a sério. Muito a sério. Ontem Lula deu mais uma de suas pedaladas. Foi quando teorizou sobre como ex-presidentes devem afastar qualquer ambição política, recusando-se, por exemplo, a disputar e ocupar novos cargos de poder. A turma interpretou como recado ao senador José Sarney (PMDB-AP). Que resiste a se dobrar à candidatura Tião Viana (PT-AC), o nome de Lula para o comando do Senado. Vejam só o que é a vida. E o que é a política. A então senadora Heloísa Helena começou a ser expulsa do PTquando se recusou a votar em Sarney para presidente do Senado em 2003. Sarney era o candidato de Lula, recém-empossado no Planalto. E Sarney já era um ex-presidente da República. Dado que Lula queria o senador pelo Amapá na cadeira, não achou ruim na época que ele, um ex-residente da República, fosse para a briga. É pouco? Pois um tempinho depois Lula entrou com tudo na operação para aprovar a emenda constitucional que permitiria a reeleição dos presidentes das Casas do Congresso no meio da legislatura. Na época, os candidatos de Lula (à reeleição) eram João Paulo Cunha (PT-SP) na Câmara dos Deputados e José Sarney no Senado. Ali, Lula não só não achava ruim Sarney brigar para continuar no cargo como trabalhou ativamente para isso. Mas não deu, a emenda não passou. Graças à resistência de Renan Calheiros (PMDB-AL), que queria a cadeira de presidente do Senado. Depois Lula deu o troco em Renan, estimulando o PT tirar o chão do alagoano quando este mais precisava, na crise que culminou com sua renúncia ao comando da Câmara Alta. Assim como Lula já tinha dado o troco num aliado de Renan, o deputado federal Aldo Rebelo (PCdoB-SP), cuja reeleição à Presidência da Casa foi barrada pelo PT, aliado aos adversários de Renan e Sarney no PMDB. Ah, sim, Aldo tivera o apoio de Lula e do Planalto para conquistar um mandato-tampão após a renúncia de Severino Cavalcanti (PP-PE). Mas ali tinha sido outra coisa: tratava-se de evitar que fosse adiante um eventual processo de impeachment contra o presidente da República, por causa da crise desencadeada pelas acusações de Roberto Jefferson. Acolher um pedido de impeachment e dar sequência a ele é decisão monocrática, solitária do presidente da Câmara dos Deputados. Alguém duvida de que o candidato derrotado na sucessão de Severino, José Thomaz Nonô (PFL-AL), abriria o processo se tivesse a caneta na mão? Nem que fosse só por causa do caixa 2 de Duda Mendonça? Eu não duvido. Mas agora Lula não quer mais Sarney, quer Tião. Por quê? Porque Tião está com Dilma Rousseff, candidata de Lula à sucessão. E Sarney tem simpatias pelo nome de Aécio Neves, coisa que o presidente da República sabe. Então agora Sarney, que no passado foi o peão de Lula para obter o controle do Senado, recebe todo tipo de recado para cair fora. Inclusive na forma de teses sobre o necessário jejum político de ex-presidentes da República. Você quer ser capaz de fazer boas análises sobre os movimentos de Lula? Parta sempre de duas premissas. A primeira: Lula é PT, o mesmo tanto que o PT é Lula. A segunda: todos os movimentos do presidente desde a reeleição guiam-se pelo projeto de eleger o sucessor. Eu compreendi isso na plenitude no dia em que sentei diante do computador para escrever No comando da própria sucessão, um post de março de 2007 que fez algum sucesso. Voltando às duas premissas, na verdade elas podem ser lidas como uma só. Lula acorda e vai dormir pensando em como eleger alguém do PT afinado com ele para a sua cadeira. Alguém que não mexa com o sistema de poder instalado no palácio. Daí os limites colocados diante do ministro da Justiça, Tarso Genro. Por isso as dificuldades do bloco de esquerda (PSB-PCdoB-PDT-PMN-PRB), cujos ensaios de projeto próprio são vistos com desconfiança e nervosismo pelo Planalto e pelo PT. O jogo é complexo, dado que tampouco o PT e o governo podem comer apenas pela mão do PMDB, por razões óbvias. Daí que ciclicamente o PT trate de relembrar o caráter supostamente estratégico da aliança com os demais partidos de esquerda. Até porque um cenário de disputa em 2010 entre José Serra (PSDB-DEM), Dilma (PT-PMDB) e Ciro Gomes (Bloco de Esquerda) acabar numa boa, pelas contas do Planalto. Já que Ciro naturalmente tenderia a migrar para Dilma num eventual segundo turno dela contra Serra. Então o PT precisa do bloco (assim como precisa de Heloísa Helena candidata pelo PSOL), mas desde que não muito forte, desde que não capaz de passar a perna no PT. Como Eduardo Campos (PSB) passou, quando se elegeu, com o apoio do PT, governador de Pernambuco em 2006 depois de tirar o PT do segundo turno. Ainda sobre a sucessão no Legislativo, outro craque de bola é Michel Temer (PMDB-SP). A eleição dele à Presidência da Câmara passou a ser essencial para Lula. Por causa do papel estratégico da Presidência da Câmara? Não, por causa do papel estratégico da Presidência do PMDB. Temer não é confiável para Lula, que precisa de alguém confiável na Presidência do PMDB em 2010. É a luta pelo cartório, pela legenda, pelo tempo de televisão. E para evitar que o PSDB coloque a mão nesses tesouros. Lula quer Temer, cujo PMDB apoiou Serra na eleição municipal deste ano na capital paulista, longe da Presidência do PMDB na hora em que a sigla for decidir 2010. Um candidato de Lula a presidente do PMDB é Romero Jucá (RR), líder do governo no Senado. E Temer já garantiu a Lula que se ganhar na Câmara cede o comando do partido para Jucá, ou para outro nome indicado por Lula. Uma garantia de que o PMDB irá em 2010 para onde Lula quiser. Para o colo de Dilma. Um desenho perfeito. No qual Tião Viana teria o papel de equilibrar o jogo com Temer. Como Arlindo Chinaglia equilibra com Garibaldi Alves. Mas e a pergunta no título deste post? Lula disse que as muitas candidaturas na Câmara dos Deputados podem levar a um novo Severino Cavalcanti. Infelizmente eu não estava na hora em que o presidente disse isso. Porque eu teria tentado esclarecer a dúvida na hora. Eu fiquei curioso com uma coisa. Eu tenho uma pergunta para Lula. Os candidatos alternativos à Presidência da Câmara dos Deputados são Ciro Nogueira (PP-PI), Aldo Rebelo e Osmar Serraglio (PMDB-PR). Qual deles, segundo o presidente, tem mais o perfil de um novo Severino Cavalcanti? Para concluir, meu muito obrigado ao comentarista que, neste blog, alertou para a importância da disputa pela Presidência do PMDB. Por isso é que blog é bom. É a inteligência coletiva ajudando a superar as limitações individuais. Lembram quando eu disse que alguma coisa podia estar me escapando?

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