Unilateralismo nos olhos dos outros (04/01)
De volta à ativa, após uns dias de férias (em que postei algumas sugestões de leitura).
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A Folha de S.Paulo publicou dias atrás um texto traduzido do britânico The Independent com o título Guerra [entre Israel e o Hamas] é movida puramente por razões políticas. O artigo é ruim. O título, um sintoma da sua baixa qualidade. Mostrem-me uma guerra que não seja politicamente motivada. Ou uma que não tenha sido. Sabe-se disso desde pelo menos Clausewitz.
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A guerra é a continuação da política por outros meios.
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A situação das relações entre Israel e seus vizinhos parece complicada, mas vista de um ângulo político é relativamente simples. Existe Israel. Existem também as nações árabes que já admitem a existência de Israel. E há os países e grupos políticos que mantêm o projeto de destruir Israel. Há três atores que assumem o projeto sem rodeios: a atual cúpula iraniana, o Hamas e o Hezbollah.
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Então, naturalmente, o conflito atual na Faixa de Gaza é político, contrapõe estratégias políticas distintos para a região e estourou porque esses projetos antagônicos entraram numa etapa de desequilíbrio, dado que o equilíbrio entre eles é necessariamente instável, por causa do antagonismo. E a guerra acontece não apenas devido a políticos insensíveis, de olho nas eleições ou na popularidade. Isso é reducionismo e indigência intelectual.
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Por que o Hamas interrompeu o cessar-fogo? Porque vinha perdendo apoio popular, principalmente devido às dificuldades econômicas decorrentes, também, do bloqueio israelense a Gaza. E por que Israel bloqueia Gaza? Para enfraquecer o Hamas e para tentar conter o fornecimento de armas ao grupo, para evitar que ele adquira um poder militar semelhante, por exemplo, ao do Hezbollah.
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Por que Israel não bloqueia a Cisjordânia? Porque a Fatah não se alinha ao Hamas, ao Hezbollah e ao Irã no projeto de destruir Israel. A Autoridade Palestina, controlada pela Fatah, aceita discutir a solução de dois estados lado a lado em segurança. Que é a única solução possível. Será alcançada? Não se sabe. Nem se, muito menos quando.
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Há muitos obstáculos no caminho. Anos atrás havia uma tese de que o melhor projeto para a Palestina seria um estado laico democrático em todo o território. Uma tese irrealista, que na prática desapareceu, derrotada pela vida e pelos fatos. Até porque nem o Hamas e a Fatah, ambos palestinos, conseguem conviver pacificamente num mesmo estado palestino, já que um não admite ser governado pelo outro. Estado laico e democrático estável no Oriente Médio é peça de ficção.
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Nos últimos tempos parece ter surgido um relativo consenso em torno da ideia dos dois estados, coisa que eu defendo faz uns trinta anos. Ideia que enfrenta, porém, a oposição feroz de quem ainda deseja destruir Israel. É gente que está relativamente isolada, apesar de as aparências poderem indicar que não. A Síria, por exemplo, balança em direção a um acordo de paz com Israel nos moldes do pacto feito por Jerusalém com o Egito. Mas os rejeicionistas estão isolados, não estão derrotados. O Irã, por exemplo, acredita que poderá atingir seus objetivos (destruir Israel) quando possuir mísseis com ogivas nucleares.
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Esse é o substrato da guerra em Gaza. Uma guerra política. Como todas as outras. A diplomacia brasileira tem deplorado o uso da força em Gaza e recomendado o recurso das partes a instâncias internacionais.
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Curioso. Quando o Equador recorreu a uma instância internacional para dirimir uma pendenga comercial dele com uma empresa brasileira Luiz Inácio Lula da Silva não achou bom, não viu graça nenhuma e mandou retirar o embaixador brasileiro de Quito. E ameaçou o Equador com um boicote comercial e financeiro. Um bloqueio à brasileira. Foi um ato de força, de uma potência regional contra um pequeno país da sua órbita. Uma recado para, entre outros, o Paraguai, que pede a revisão do acordo de Itaipu.
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Se Lula fez isso por causa de uma arenga negocial, o que faria, por exemplo, se o Paraguai lançasse foguetes sobre Campo Grande (MS) para tentar retomar o que pegamos deles na guerra de século e meio atrás? Lula iria choramingar na ONU ou adotaria outro tipo de providência? Pelo comportamento do Brasil no caso equatoriano, conclui-se que os organismos multilateriais podem até ter a sua utilidade para um governo brasileiro sedento de protagonismo, como é o governo do PT.
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Mas fica nítido que isso não vale quando se trata de assuntos no nosso quintal. Aqui, pelo menos, somos iguaizinhos a todos os outros países. Quando dá, resolvemos no braço. Quando não dá, amaciamos a voz e fazemos juras de amor à diplomacia.
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Unilateralismo nos olhos dos outros, como se sabe, é um suave refresco.
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