por Frô/Conceição Oliveira
Sentada em frente à TV, procurando de todas as maneiras chamar minha atenção, parte para o ataque:
— Essa música é de beijar. Quer ver como daqui a pouco eles vão se beijar, mãe?
Abandonei as provas— que mais pareciam pão e vinho bíblicos— e, curiosa, passei a examinar a cena: dois adolescentes, aparentemente sem nenhum vínculo amoroso, conversavam tranqüilamente... de repente um beijo!
— Não disse?
Fiquei pasma e confirmei: "é, você disse"... Disse eu, ainda boquiaberta e, tentando entender o que se passava, pergunto-lhe: — "Eles são namorados, Marina?"
— Não, não eram, mas agora vão ser!
Como é que essa pequena fez essas leituras? Deuses! Voltei às provas, enquanto ela, com um ar de quem sabe tudo, me sorriu condescendente.
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No dia seguinte, desce esbaforida da perua escolar, dá-me um beijo, os olhinhos brilhando e as mãozinhas ágeis me mostravam um lindo envelope:
—Mãe, recebi uma carta de amor!
Um pouco assustada com a precocidade da missiva— envolvida por um papel de seda em tom lilás, recheado de florzinhas que decoravam as bordas— resolvi apostar no meu lado otimista e concluí: ainda bem que aos quatro anos, elas ainda compartilham as cartas de amor... e com voz disfarçadíssima, pergunto: Mesmo, filha? E quem é que está lhe escrevendo declarações de amor?
— É carta de amor, mãe, carta. É da Jéssica, não é linda?
É sim, muito delicada, respondi, enquanto abria o volumoso invólucro misterioso. Mas, para minha surpresa, não havia nada escrito, além de umas garatujas que tentavam, com tortuosidade tamanha, registrar o nome da remetente. Uai, Marina! Mas aqui não está escrito nada... só o nome da Jéssica e muito mal escrito! A propósito, quantos anos ela tem?
— Já caiu os dentes, mãe, e emenda: Como não está escrito nada? Você não sabe ler?
Fiquei atônita, em primeiro lugar, nunca havia visto precisão tamanha para definir o fim da primeira infância "já caiu os dentes" e, em segundo, que diabos de presunção era aquela? Cara de mãe emburrada, marco presença: Como? Me respeita, guria! Isso lá é jeito de falar com a sua mãe?
—Ah! Mãe, você tá ceguinha? Não viu, não? É uma carta de amor, mãe! E, num tom bem professoral, passa a traduzir o conteúdo:
— Veja, mãe, tem um coração, ela pintou flores... ela escreveu para mim: M-a-r-i-n-a-- e-u -- t-e-- a-m-o!... Fez tudo com amor, carinho e capricho! Humpf! Você não entende, mãe?!!
Vencida pelos argumentos precisos, convencida de que preciso aprender novos signos e sinais, respondi envergonhada: Claro, meu anjo, agora entendi...
Quietinha, no meu canto, descobri que se fazia urgente reciclar minha linguagem amorosa...
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