Nem bem começava a crise, a Embraer despediu 4.373 trabalhares, alegando que a demanda externa havia tido uma baixa drástica. Definiu que trabalhadores são descartáveis, interessa contratá-los quando o mercado, a lei da oferta e da procura favorece aumento da produção, os manda impiedosamente embora, quando a demanda diminui. Essa é a essência do capitalismo, que como seu próprio nome diz, é o reino do capital e não do trabalho, do dinheiro e não dos seres humanos.
Esse reino se reflete no plano das leis. As constituições liberais consagram o direito de propriedade como um dos seus direitos essenciais e o protege de todas as formas. Se trata não do direito à casa, que não existe para a grande maioria dos cidadãos, ou do direito à posse de bens essenciais para sua sobrevivência, mas do direito à propriedade privada do meios de produção, de acumulação de riquezas.
Se um proprietário de terras improdutivas tem suas terras ocupadas por quem quer trabalhar, ele apela imediatamente à polícia e à “Justiça”. Em pouco tempo a lei se transformará em força material, forças policiais chegarão para tratar de desalojar os que querem trabalhar, mas não dispões do “direito” à propriedade, ação que será seguida pelo “respeito à lei” imposto por juízes, para restabelecer o “sagrado direito” à propriedade, mesmo ociosa.
O capitalismo é o único sistema que absolutiza o direito à propriedade, independentemente dos interesses sociais. Defende assim os interesses da ínfima maioria da população, que detêm esse direito, contra a grande maioria, que não tem acesso a ela e vive precariamente do seu trabalho ou nem sequer isso.
As constituições tratam ricos e pobres de maneira totalmente diferenciada. Basta ver a forma como consagra e protege o direito à propriedade e deixa abandonados os que vivem do trabalho – a grande maioria da sociedade. O direito ao trabalho é tratado não como um direito essencial, ligado à sobrevivência elementar da grande maioria, à dignidade de ter condições básicas de sobrevivência para si e para sua família, mas como um direito entre outros. Tudo de acordo com o capitalismo, que não se funda em direitos para todos, mas na mercantilização de tudo, na transformação de tudo – incluídos os seres humanos – em mercadorias.
O ex-presidente FHC chegou a declarar – numa de suas declarações mais canalhas, entre tantas – que havia no Brasil milhões de “inimpregáveis”. Estava dizendo que, como zelador do capitalismo brasileiro, excluía dos direitos básicos de cidadania, a milhões de brasileiros, para os quais deveria governar, como presidente eleito do país. Condenava milhões de trabalhadores pobres, dizendo que eles não serviam para o capitalismo brasileiro.
Quem perde o emprego, não tem a quem apelar, nem à “Justiça”, nem à polícia. Não há lei, nem instância estatal que proteja o direito mais elementar de toda a população.
A “Justiça” brasileira decidiu que não teria havido abuso na demissão desses 4.273 trabalhadores por parte da Embraer. A empresa, que enriqueceu brutalmente nos anos de expansão da economia, inclusive com apoio do governo para buscar pedidos dentro e fora do Brasil, quando houve um declínio da demanda, fez imediatamente os trabalhadores, que lhe serviram muito bem no momento da expansão, pagarem uma crise pela qual não tem nenhuma responsabilidade, ao contrário, foi gerada pela especulação desenfreada de empresários capitalistas.
A empresa alegou supostas dificuldades financeiras. Uma “Justiça” que fosse minimamente justa e que zelasse pelos interesses do país, teria imediatamente aberto as contas da empresa, para saber do fundamento dessas afirmações, consideradas inexistentes pelos advogados do Sindicato dos Metalúrgicos de São José dos Campos. Mas isso esbarra em outro pilar das constituições que zelam pelo capitalismo: o segredo das empresas, que vige ao lado do odioso e injustificável segredo bancário.
O que esconde a empresa, se suas contas não podem ser exibidas publicamente? Usa um argumento para o qual não exibe publicamente provas. Teria que ficar claro quanto ganhou ao longo dos últimos anos, quanto gasta em salários no conjunto dos seus gastos, qual a taxa de lucro com que operou ao longo dos últimos anos, quais os salários dos seus executivos – entre outros dados que escondem, com o beneplácito da “Justiça”.
Com isso escondem também o que o Sindicato revela: que as demissões estariam vinculadas a supostas perdas sofridas pela empresa com especulação financeira para aumentar seus lucros numa operação arriscada na Bolsa de Mercadorias e Futuros. (Como aconteceu com outras empresas, como a Sadia, que quebrou por ter especulado com subprimes, enquanto recebia incentivos do governo para exportação e não dava como contrapartida nem sequer a garantia do nível de emprego.)
A demanda voltou a aumentar. Grandes empresas privadas, demonstrando a pouca ou nenhuma confiança que tem no Brasil, na sua capacidade de se recuperar da crise (desmentida pelo fatos, conforme a ação governamental para induzir a retomada do crescimento, diante da covardia dos grandes empresários privados), imediatamente despediram trabalhadores e diminuíram a produção. De tal forma que passou a haver falta de produtos, como os da linha branca, conforme o poder de consumo dos trabalhadores foi mantido pelas políticas governamentais e, como demonstrou o Ipea, não foi cortada a tendência de diminuição da desigualdade, pela primeira existente no Brasil, produto das políticas governamentais.
A própria Embraer já teve novas demandas de aviões, de vários países, por intermediação do governo, sua produção voltou a aumentar, mas ela não voltou a contratar trabalhadores. Como tem acontecido com outros setores. Beneficiários das ações governamentais – créditos subsidiados, diminuição da taxa de juros, suspensão da cobrança de impostos, entre outras -, as grandes empresas privadas elevam de novo sua produção, a economia volta a crescer, mas o mesmo não acontece com o nível de emprego.
No caso da Embraer, como denuncia o Sindicato, isto levou a aumentar a superexploração dos trabalhadores. Os trabalhadores têm sido submetidos a jornadas extenuantes de trabalho, para produzir mais com um contingente menos de trabalhadores empregados, confirmando que não houve queda no faturamento, nem na redução das encomendas. A empresa elevou de forma gigantesca sua taxa de lucros, com menos trabalhadores empregados, sendo explorados de forma mais intensa, para produzir mais .
A empresa se ampara na “Justiça”, alegando que não há na legislação brasileira nenhum impedimento para as demissões coletivas, confirmando seu caráter discriminatório a favor do capital – a ínfima minoria de brasileiros – e contra os trabalhadores – sua grande maioria. Revela o caráter de classe da legislação brasileira e da “Justiça” que zela por ela. A maioria dos ministros concordou com o argumento da Embraer, votou contra os trabalhadores e foram para casa dormir o sono dos “justos”, enquanto os trabalhadores se viram relegados ao papel de descartáveis, de sucata, de “inimpregáveis” pela “Justiça”.
Esta é uma das tantas razões fundamentais pelas quais o Brasil precisa de uma nova constituição, que elabore leis para todos, respeitando os direitos das maiorias, para poder pode contar com um Estado democrático, fundado no direito social, na solidariedade e, finalmente, dispormos de uma Justiça verdadeira.
por Emir Sader
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