DIFÍCIL É FAZER O FÁCIL


À primeira vista, olhando assim, sem querer ver, parece fácil decifrar o título acima, mas é difícil.
Fácil mesmo foi como as palavras que a formaram fluíram da boca de seu autor – que obviamente não sou eu –, o fantástico Neguinho da Beija-Flor, após ter superado um momento difícil: ele se curou de um câncer.


Neguinho está com uma música chamada “Deusa da passarela” que é sucesso nas paradas Brasil a fora. Só tem um detalhe: ela foi escrita há 29 anos. Eis aí o mais difícil.
A letra é composta basicamente de um refrão que diz e repete sucessivas vezes a palavra “mulher”. Eis aí o mais fácil.
Difícil, segundo o cantor, que sorrindo, o que para ele é muito fácil, concedeu aquela entrevista e que eu achei sensacional, é saber como até hoje, bambas da música tipo Vinicius de Moraes e Chico Buarque não fizeram nada igual. E nem irão fazer.

E aí ele brinca. Diz que não farão porque a letra é muito ruim para ser imitada, mas está na boca do povo... e arremata: “difícil é fazer o fácil”.
Tão fácil de fazer que fica difícil saber porque ninguém houvera feito antes.
Muito do que fizemos na vida é assim.

A conotação de beleza e sofisticação pode estar naquilo que foi feito com espantosa facilidade, ao passo que esses mesmos conceitos nem sempre se fazem presentes em algo cujo seu feitor encontrou árduas dificuldades na sua execução.
Uma poesia, uma tela, uma música.
Uma palavra pode mudar um texto. Uma vírgula, um contexto.
Fácil? Às vezes. Difícil? Pode ser.


Uma simples picelada e uma matiz de cor... uma sombra, um contraste e um raio dourado e cintilante de um sol poente... e, naturalmente fácil, um quadro pode revelar outra perspectiva.
Coisas tão fáceis e reveladoras e às vezes tão difíceis de serem reveladas ou percebidas.
Há (outras) circunstância em que o fácil é difícil de ser assimilado.
Quando se perde alguém é difícil acreditar naquela fácil palavra “eu sinto muito” ou “eu sei o quanto você está sofrendo”, mesmo que seja dita por quem realmente sente algo. Mas esse algo não conhece a verdadeira dimensão da sua dor.


Ler um texto, por exemplo, é fácil. Difícil é ver o que está escrito nas entrelinhas.
Como diz o insuperável e inesquecível Drumond, “fácil é admirar uma lua cheia. Difícil é enxergar sua outra face...”


Falar é fácil. Difícil é dizer com palavras aquilo que o coração precisa ouvir.
E assim, até que foi fácil para esse modesto fazedor de crônicas desenvolver tão inútil texto. Difícil mesmo está sendo a sua conclusão.


De tão difícil, que até acho que vou botar logo um ponto final.
Enfim, é o mais fácil.

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