por Gilson Caroni Filho, em Carta Maior
As recentes críticas do presidente da República à mídia brasileira devem ser lidas à luz de um recorte deontológico preciso. Se um dos compromissos fundamentais do jornalismo é a preservação da memória, a imprensa nativa tem, ao longo das últimas décadas, empregado uma estrutura discursiva recorrente para produzir esquecimento. A preocupação de Lula com o hipotético estudante que, daqui a trinta anos, se debruçará sobre mentiras quando folhear o noticiário dos grandes jornais, não só tem fundamento como deveria preocupar os historiadores. Afinal, qual será o valor dos nossos periódicos como fontes primárias de consulta? Em princípio, nenhum. Salvo se a pesquisa for sobre o discurso noticioso e os interesses mais retrógados
Ao tentar colar o rótulo de “estatistas” nas propostas estratégicas do governo, e apresentar o Partido dos Trabalhadores e a ministra Dilma Roussef como defensores de um “Estado-empresário” a mídia corporativa dá um passo a mais na escala do ridículo. Quer fazer crer que não acabou a era da ligeireza econômica, da irresponsabilidade estatal ante a economia, do infausto percurso da razão financista.
Fazendo tábua rasa das conseqüências do mercado desregulado, oculta o que marcou o governo de Fernando Henrique Cardoso: baixa produtividade e alta especulação, baixo consumo e elevadas taxas de desemprego, pobreza generalizada e riqueza concentrada. Prescreve como futuro promissor um passado fracassado. Esse é o eterno retorno dos editorialistas e articulistas de programa. Um feitiço no tempo que atualiza propostas desconectadas do contexto de origem.
Vejam a semelhança dos arrazoados. Tal como nos planos dos estrategistas do modelo de desenvolvimento implantado no país com o golpe de 1964, sem a propensão “estatizante” do governo Jango, o Brasil progrediria nos moldes do capitalismo mais antigo. Livres da intervenção do Estado na economia, da” permissão à desordem pelos “comandos de greve”- e pela” infiltração comunista”- voaríamos em céu de brigadeiro. O desenvolvimento, pregavam os editoriais escritos há 46 anos, seria ininterrupto, para todo o sempre, sem qualquer risco de fracasso. Note-se que a peroração golpista se assentava nos mesmos pilares dos textos de hoje: denúncias de corrupção, aparelhamento do Estado e criminalização dos movimentos sociais com o manifesto propósito de estabelecer uma ordem pretoriana no mundo do trabalho.
O enfraquecimento prematuro ou tardio de setores da classe dominante – com a conseqüente a crise de hegemonia política – tornava decisiva a luta pelo controle do Estado. Sob as bênçãos da maioria dos jornalões, a classe média, conduzida pelos políticos mais reacionários, pela TFP e pelas Ligas Católicas de direita, foi às ruas participar de “Marchas da família com Deus pela Liberdade”.
Os resultados práticos do regime militar não demoraram a surgir: a entrada de poupança externa foi inexpressiva; não se criou indústria nacional e autônoma nenhuma; o financiamento interno serviu para o desenvolvimento das indústrias basicamente estrangeiras de automóveis e eletrodomésticos que formavam o setor dinâmico da economia brasileira, puxando o comércio, serviços e indústrias locais também vinculados a esse pólo. Ao fim, o paraíso prometido foi uma quimera cara, com uma dívida externa estimada em 12 bilhões de dólares.
Ainda assim não faltam nostálgicos,muitos alojados na ANJ e Abert, a proclamar que “vivemos um momento grave, com investidas de inimigos da liberdade de imprensa, propostas que ferem o sentimento religioso do povo brasileiro”, sem falar das hostilidades aos nossos mais tradicionais aliados, com gestos generosos a caudilhos.
Falam de cercos fiscais, regulatórios e ambientais à iniciativa privada, e lamentam não haver substitutos para Oscar Correa, Silvio Heck, Odilo Denis e outros notórios golpistas. Tal como os grandes jornais que tiveram as tiragens reduzidas, as viúvas do “milagre” de Roberto Campos, Delfim Neto, Ernane Galveas e Mário Henrique Simonsen não se dão conta que não falam para quase ninguém. A reduzida base social não lhes permite margem de manobra mais ampla.
Se para a população ficou claro que o país precisa crescer distribuindo, e, para isso, cabe ao Estado criar políticas capazes de desconcentrar a renda, os editoriais do Globo, Estadão e Folha são escritos para quem? Longe de ser apenas uma questão ética, a questão social também é econômica. E o confronto com a mídia uma questão decisiva para que não tenhamos um arremedo de democracia.
Gilson Caroni Filho é professor de Sociologia das Faculdades Integradas Hélio Alonso (Facha), no Rio de Janeiro, colunista da Carta Maior e colaborador do Jornal do Brasil
Não há maior cego do que aquele que não quer ver. Ainda vivendo no passado, Gilson Caroni Filho retrata uma situação que não existe.
ResponderExcluirSegundo relatórios das Nações Unidas, a desigualdade social no Brasil não melhorou em nada durante os últimos oito anos.
Os programas de distribuição de renda herdados de governos anteriores não têm promovido a tão desejada inculsão social.
Tem sido programas meramente eleitoreiros com a finalidade de manter no poder uma elite retrógrada que ainda vive nos tempos de Guerra Fria.
Foram incapazes de acompanhar a evolução social que ocorreu no mundo. Contenta-se com um crescimento econômico pífio, sem reconhecer que o lulo petismo perdeu o bonde da história ao não aproveitar o período de grande desenvolvimento mundial.
Gilson Caroni Filho e principalmente a imprensa chapa branca alimentada por publicidade de empresas estatais e do governo federal não conseguem enxergar além do próprio umbigo.