Encontro no deserto

Eu sou a resposta para as tuas perguntas mais profundas, sou a outra lágrima que acompanha cada uma das que rolam pelo teu rosto; sou o bálsamo para as dores da tua alma e a que acalma o teu espírito; sou a que te abriga do frio e sacia a tua fome.

Numa dessas viagens que fiz pelo mundo, estive em Agadir, no Marrocos. Nem lembro mais como fui parar numa viagem pelo norte do Saara, na companhia de um beduíno chamado Amshir el-Sahint, um bérbere de poucas palavras, mas sempre sábias, que me guiou pelas areias escaldantes daquele deserto. O sol já estava mais manso numa das tardes mais mansas e rumávamos para a sua cabana quando lhe pedi para fazermos uma parada ao pé de uma duna. Amshir ficou com as rédeas do camelo e subi a pé, deixando meus rastros por entre as estrias que o vento bordava na areia dourada. O silêncio do deserto chega a doer nos ouvidos. Do alto da duna, dava para ver o passeio sem pressa de uma tempestade de areia que se arrastava lá pelos confins de um horizonte embaçado. Dei conta de mim apenas olhando a solidão à minha volta e mergulhando em paz numa reflexão oportuna. O chamado de Amshir foi quase um sussurro: "Sahib! Anoitece..." E desci correndo. O inglês de Amshir era quase nenhum e o francês da nossa comunicação era apenas o suficiente para as conversas modestas entre dois homens de mundos tão diferentes. Amshir sugeriu que passássemos a noite num pequeno oásis ali perto. E assim foi feito. Amshir acendeu uma fogueira, armou uma tenda e me ofereceu um cobertor para me abrigar do frio das noites do Saara. Enquanto ele se afastou para se voltar em direção a Meca para fazer sua derradeira prece , sentei-me perto da fonte de água cristalina e me deixei levar por pensamentos e lembranças distantes. Quando a gente fica assim, não pode evitar que os fantasmas das saudades e das tristezas nos façam companhia. Mil fantasmas se aproveitaram da minha solidão e me arrancaram lágrimas sem afetação. Eu tinha motivos para chorar debaixo do piscar das primeiras estrelas. Senti as dores das separações, as perdas, as despedidas, as promessas não cumpridas, os sonhos desfeitos e as mágoas que causei. De repente, senti o que me pareceu uma mão tocar levemente o ombro. Acho que fiz uma pergunta em silêncio: "Quem é? " - sem levantar o rosto, com vergonha das lágrimas... Igualmente pareceu-me escutar respostas numa voz mansa e também em surdina: "Eu sou a resposta para as tuas perguntas mais profundas, sou a outra lágrima que acompanha cada uma das que rolam pelo teu rosto; sou o bálsamo para as dores da tua alma e a que acalma o teu espírito; sou a que te abriga do frio e sacia a tua fome; sou a visão dos teus sonhos de amor, a forma do rosto com que sonhas e a realização dos teus desejos mais sinceros. Sou a que nunca vai te deixar sozinho. Sou a tua sombra fiel a te seguir se o sol bate de frente ou a sombra que te mostra o caminho se o sol está às tuas costas. Sou o silêncio ou o eco das vozes que se calaram. Vou estar sempre contigo. Sou aquela que nunca vai te abandonar. Acredita em mim..." Sem levantar o rosto, no mesmo silêncio dos meus pensamentos, perguntei: "Como é o teu nome?" E lá do fundo do coração escutei a melhor de todas as respostas: "Eu sou a tua irmã Esperança, a que nunca deve morrer... "Amshir surgiu por detrás das palmeiras, agora iluminadas por uma lua enorme, disse me boa-noite e eu respondi: "Inch´Allah!" e fomos dormir...

A. CAPIBARIBE NETO

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