De Marcos Coimbra, sociólogo e presidente do Instituto Vox Populi:
Na política, como em muitas coisas, existe uma mistura de transparência e segredo. Todo mundo vê algumas coisas e poucos conhecem todas. Os políticos e os profissionais que vivem em função dela (assessores, consultores, marqueteiros, jornalistas, etc.) costumam falar apenas das primeiras, mas cansam de saber das segundas.
Quando acontece delas serem expostas à luz do dia, ao cidadão só resta ficar chocado. Muitas vezes, nem acredita que é dessa maneira que o sistema político funciona. Lamentavelmente, no entanto, a verdade é que é assim mesmo.
A vida política está cheia de coisas que, com ou sem razão, os políticos acham que escandalizariam as pessoas comuns se elas as conhecessem. Daí que é melhor não dizer nada e deixá-las na santa ignorância.
A regra do jogo é fingir inocência sempre que se revela alguma coisa do mundo escondido. Quando alguém levanta o tapete e mostra algo feio, é essencial fazer cara de paisagem e se mostrar surpreso.
Veja-se a questão do financiamento da política. Não deve haver um só profissional do ramo que ignore como são obtidos os recursos que viabilizam as campanhas eleitorais com alguma chance de sucesso. Se existe alguém tão ingênuo, é bom se informar depressa, para não passar vergonha frente a seus pares.
Mas, na época do mensalão, o que vimos foi o cômico ar de perplexidade de alguns parlamentares, o à vontade com que assumiam o papel de quem nunca tinha ouvido falar nas práticas denunciadas. Como se não fizessem exatamente o mesmo (ou muito parecido, para não generalizar demais).
O caso do dossiê que a campanha Dilma teria mandado fazer contra Serra tem a ver com isso. Ele não é curioso apenas por ser um escândalo que não se concretizou (pois, pelo que consta, nada há no dossiê além de documentos já divulgados), mas por questionar e demonizar uma prática corriqueira.
Podem-se discutir muitas coisas no episódio. É possível que os responsáveis pela área de informação do comitê petista tenham sido incompetentes na seleção dos arapongas que iam contratar (embora não seja ramo onde é fácil recrutar pelo critério de moralidade). É provável que muita gente tenha falado demais. É certo que o caso caiu no caldeirão das brigas internas pelo poder na campanha.
Mas o que todo mundo que lida com a política sabe é que não houve na história nada de novo. Mesmo que não seja algo que se alardeia.
Nos Estados Unidos, existe até a profissão de “oppo”, como são chamados os especialistas em “pesquisa da oposição”, eufemismo criado para evitar dizer que são os encarregados de investigar os podres dos adversários. Eles atuam ostensivamente, apesar de parte de suas atividades ficar na surdina. As campanhas não os escondem, suas firmas anunciam nas publicações destinadas ao business eleitoral, seus nomes aparecem na “ficha técnica” das campanhas.
Em nosso sistema político, prevalece outro modelo: todos fingem que “essas coisas” não existem, embora todos as façam. Desde a redemocratização, não houve campanha para cargo relevante que não tivesse sua área de informação e contra-informação. Contando ou não com a ajuda de especialistas de dentro do governo. Às vezes, para fazer uso da informação (como já aconteceu até para detonar candidaturas presidenciais), às vezes para inibir o outro lado (“não fale mal de mim, senão eu falo de você”).
Como no financiamento heterodoxo, nos dossiês um diz que faz por que o outro faz. Se alguém insistisse em ser bonzinho, seus oponentes levariam vantagem, pois não se absteriam de fazer as habituais maldades. E o pior é que é verdade. Respeitar as regras quando o adversário não as respeita pode ser eticamente superior, mas talvez seja fatal no vale tudo da política. Que todos praticam.
Os profissionais americanos do ramo costumam dizem, com orgulho, que seu trabalho é “fabricar balas”. No Brasil, os dois lados já estão armados e municiados há muito tempo.
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