Em "Xampu", Roger Cruz deixa os super-heróis mutantes de lado para fazer retrato da juventude no final dos anos 1980
Quem lia quadrinhos durante os anos 90, provavelmente se lembra do nome de muitos artistas brasileiros que se destacavam nesse mercado: Marcelo Campos estava na “Liga da Justiça”, Mike Deodato pintava beldades em “Glory” e “Mulher-Maravilha”, Daniel HDR fazia pequenos trabalhos em “Vingadores” e “Homem de Ferro”, e Roger Cruz passeou por quase todas as HQs dos X-Men, inclusive em sua principal revista, “Os Fabulosos X-Men”.
Hoje, quase vinte anos depois, Roger Cruz tirou uma folga dos seus deveres com os mutantes e está publicando sua história autoral “Xampu” (Ed. Devir), um retrato biográfico das relações de um grupo de amigos, presumidamente o dele, durante os anos 80. A HQ é a primeira parte de uma trilogia que o artista ainda precisa completar.
Todo em sépia, o luxuoso álbum passa principalmente pelas vidas de Max, Sombra e Nicole. Os garotos moram com mais dois amigos em um apartamento em São Paulo, e fazem parte de uma espécie de triângulo amoroso com a menina. Enquanto Roger conta sobre aqueles dias, tenta chegar a conclusões sobre onde estavam aquelas pessoas hoje.
Neste domingo, Roger Cruz lança o álbum na filial de Porto Alegre da Quanta Academia de Artes. Aproveitando a ocasião, o iG Jovem conversou com o autor sobre a graphic novel:
iG Jovem – Comparando com trabalhos recentes, seu estilo de desenho mudou completamente para fazer ‘Xampu’. Como foi a transição para o cartum, uma história autoral?
Roger Cruz – O meu desenho tende naturalmente para a estilização. No trabalho com super-heróis preciso me controlar para não estilizar, deformar, ‘cartunizar’ demais. Além disso, o estilo super-heróis está muito associado a cultura norte-americana. Não funcionaria para as histórias que pretendia contar e que se passam em São Paulo.
iG Jovem – O gibi conta a história de um grupo de amigos durante o início da juventude, e se passa nos anos 80. O quanto de ‘Xampu’ é real, aconteceu em sua vida?
Roger Cruz – Não deixar clara a distinção entre ficção e realidade era a ideia desde o início. Talvez tudo isso tenha acontecido exatamente como contam as HQs. Talvez eu tenha inventado tudo. Quanta realidade há nas histórias que nos contam, não é mesmo?
iG Jovem – Há um conto no qual você é o narrador. Em nenhum momento, porém, aparece um Roger na HQ. Por que você decidiu não se revelar como personagem?
Roger Cruz – Na verdade, nessa história, eu apareço sutilmente no reflexo de um espelho retrovisor. Novamente, a intenção era não deixar clara a minha participação nos eventos.
iG Jovem – A escolha da cor sépia foi para aproximar a narrativa de um fanzine?
Roger Cruz – A cor sépia foi a escolha para conferir uma atmosfera de coisa velha, antiga. O papel Chamois amarelado também foi escolhido por esse motivo.
iG Jovem – Embora se passe nos anos 80, existem algumas liberdades criativas nas cenas. Há um ‘Complete Watchmen’ numa prateleira, pôster de ‘O Corvo’ em outra. Como foi a escolha da composição das referências, como as bandas Viper, The Cult?
Roger Cruz – As histórias se passam entre o final dos anos 80 e início dos anos 90. De qualquer forma, eu não pretendia criar um registro extremamente fiel com precisão de datas, fidelidade nas capas de discos etc.. A ideia era criar histórias e imagens que remetessem a época pelo conjunto e não por elementos específicos.
iG Jovem – Como professor e artista, qual sua visão dos novos profissionais de HQ no Brasil?Roger Cruz – Essa nova geração colaborou e ainda colabora mostrando novas possibilidades para a produção de HQs no Brasil. Conquistaram o espaço apostando em ideias próprias, dedicando muito tempo ao trabalho e apontaram um nicho que não vinha sendo explorado pelos artistas. São artistas que buscaram entender como o mercado funciona e fazem uso de todas as ferramentas disponíveis hoje em dia para divulgar o trabalho. Isso é bom e tem funcionado.
iG Jovem – Você faz quadrinhos, principalmente para a Marvel, há 20 anos. ‘Xampu’ é um projeto autoral de 1997, que só agora foi retomado. Marcelo Campos, da sua mesma geração, praticamente abandonou o mainstream americano para se dedicar às suas próprias histórias. Você acha que outros veteranos vão investir em si próprios nos próximos anos?
Roger Cruz – Eu sabia que, mais cedo ou mais tarde, esse meu afastamento dos comics norte-americanos aconteceria. Ainda gosto da linguagem dos comics mas não pretendo fazer isso a vida toda, o tempo todo. Quero explorar outras formas de contar histórias, outras ferramentas, trabalhar com outras ideias. Sei de muitos artistas brasileiros que desejam ter uma única carreira como desenhista de super-heróis. Entendo perfeitamente porque é o que eles gostam de fazer, e acredito que investir naquilo que se gosta rende bons resultados e traz mais satisfação.
iG Jovem – Xampu é sobre os anos 80, mas sua fase mais efervescente nas HQs americanas foram nos anos 90. Do que você sente saudade daquela época?Roger Cruz – Olha, não tenho muita saudade, não. Foram anos importantes para o estabelecimento da minha carreira, mas foram anos muito difíceis. Inexperiência, muito trabalho, prazos curtos, atrasos, cobranças, situação precária de trabalho, poucas horas de sono e nada de vida pessoal. Nem sempre é o que parece ser, mas aprendi muito com algumas situações e tento constantemente não cometer os mesmos erros daquela época.
iG Jovem – Você acompanha as HQs lançadas hoje em dia? Quais são suas preferidas?Roger Cruz – Não acompanho quase nada. Sei que há muitos trabalhos ótimos, mas, quando estou livre do trabalho, prefiro escrever, pintar com aquarela ou apenas descansar.
iG Jovem – Quando sai o segundo volume de ‘Xampu’?
Roger Cruz – Pretendo alternar a produção dos volumes seguintes do ‘Xampu’ com as HQs das ‘Gutigutz’, outro projeto pessoal, mas de humor. Já estou bem adiantado na produção do primeiro livro, mas precisei congelar o projeto por causa de outro trabalho mais urgente. O próximo volume de ‘Xampu’ vai ficar para 2011.
Nenhum comentário:
Postar um comentário