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Parecia um acidente sem complicações: Steve Cook caiu sobre o guidom da bicicleta e bateu a cabeça. Não chegou a desmaiar e, apesar da dor na nuca, conseguiu se levantar e continuar o passeio.
Steve, na época com 34 anos e analista de sistemas em Sydney, na Austrália, achou que tinha distendido um músculo e tomou paracetamol para controlar a dor nos dias posteriores. O braço começou a formigar, mas ele não pensou em procurar um médico.
“Não gosto muito de médicos”, diz ele. “Não me considero uma pessoa doente.”
Mais de uma semana depois, ele precisou levar ao médico o filho de 3 anos que torcera o tornozelo, e decidiu mencionar a sua dor que não passava. A radiografia revelou a verdade: durante todo aquele tempo, Steve andara pra lá e pra cá com o pescoço quebrado.
É fato: os homens têm menos probabilidade do que as mulheres de usar os serviços de assistência médica. As consultas são mais curtas do que as das mulheres e é muito mais provável que os homens se concentrem em soluções rápidas para sintomas incômodos do que em check-ups e nas medidas de prevenção que os médicos gostariam que tomassem. Talvez seja por isso que os homens apresentem, em nível mais alto do que as mulheres, as principais causas de muitas doenças. “No Brasil, a maioria dos homens procura o médico quando o caso já se agravou”, constata a geriatra Jane Márcia de Moura Emídio Dias, coordenadora da área da Saúde do Adulto de Campinas (SP). “É a síndrome do diagnóstico tardio: o homem vai ignorando os sinais do corpo, negando os próprios sintomas. Funciona como uma bomba-relógio – espera a situação piorar para buscar ajuda. E quando melhora, não retorna mais ao médico para os exames de rotina”, diz.
A população masculina brasileira atualmente está perto dos 95 milhões e quase 40% têm entre 25 e 59 anos de idade, período de vida de maior produtividade. Segundo o Ministério da Saúde, a cada três mortes no Brasil, duas são de homens nessa faixa etária. Entre os principais problemas de saúde que poderiam ser evitados, ou diagnosticados precocemente, estão doenças do coração (infarto, AVC), cânceres (pulmonar, próstata, pele), colesterol elevado, diabete e hipertensão arterial. Para atrair e ampliar o atendimento médico da população adulta masculina, foi lançada em agosto do ano passado a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem (PNAISH).
E quando o assunto é saúde, a comparação é inevitável: as mulheres se previnem mais do que os homens. Não é à toa que, em média, elas vivem 7,6 anos a mais que eles. “A questão da maternidade faz com que o ginecologista se torne uma referência na vida da mulher desde muito cedo: a primeira consulta antes ou logo após a primeira menstruação, visitas anuais para a realização do exame preventivo, o pré-natal, o parto. As consultas regulares permitem ao ginecologista enxergar a paciente de forma mais completa. É ele quem pode diagnosticar problemas cardiovasculares, hipertensão, diabete e depressão”, explica a Dra. Jane Emídio.
Entre os principais desafios da PNAISH está a mudança de estereótipos e aspectos socioculturais: homens julgam-se invulneráveis – acham que nunca vão adoecer e por isso não se cuidam – e temem descobrir que têm alguma doença. Mas há também motivos práticos que afastam os homens dos consultórios: os horários de funcionamento dos serviços de saúde não coincidem com a carga horária do trabalho.
O horário de atendimento já não serve de desculpa para os homens da região de Sobradinho, no Distrito Federal. Em 2007 foi criado o Ambulatório do Homem, que funciona das 18h às 22h. “É uma estratégia para atrair os trabalhadores. Muitos com mais de 45 anos nunca passaram por uma consulta médica. É comum chegarem aqui com uma queixa específica, e descobrirem que também são portadores de diabete ou hipertensão arterial”, revela a Dra. Aparecida Narciso Murr, idealizadora do ambulatório e coordenadora da área técnica de Saúde do Homem do Distrito Federal.
Este foi o caso do agricultor Dimas de Almeida, que, há 13 anos, descobriu que tinha diabete quando fez um exame de sangue gratuito durante uma campanha de saúde preventiva em Paulo Bernardo, pequena cidade no interior de Goiás, a cerca de 100 quilômetros de Brasília. “Na época não dei muita atenção. Como não incomodava, fui deixando. Diminuí a bebida alcoólica e tomava de vez em quando um chá caseiro; vi num programa de televisão e diziam que baixava a glicose”, conta Dimas, de 47 anos.
No ano passado, porém, depois de meses tentando curar uma lesão resistente causada por HPV (papilomavírus Humano) – uma das doenças sexualmente transmissíveis (DSTs) de maior incidência no Brasil –, o agricultor foi orientado por seu urologista a procurar o Ambulatório do Homem, em Sobradinho. Durante a consulta, a Dra. Aparecida realizou um exame que constatou uma taxa de glicose altíssima no sangue de Dimas. “Aquela noite voltei para casa desorientado. Descobri que doença crônica não tem cura, mas tem controle. Corri um risco danado sendo diabético: a tendência era o ferimento se agravar, podendo alcançar o nervo ou o osso”, recorda o agricultor.
Passado o susto, Dimas não só começou a se cuidar melhor – controla diariamente sua glicose, se alimenta corretamente e toma a medicação prescrita pela Dra. Aparecida – como também vive comentando com amigos as vantagens da prevenção.
“Homem é muito cheio de preconceito. Entre amigos, tem sempre um que fala ‘eu é que não faço exame de próstata’. Digo logo que eu mesmo já fiz três. Os homens precisam ser mais inteligentes e aprender a ter cuidado consigo próprios”, aconselha Dimas, que, quinzenalmente, volta ao ambulatório para consultas de rotina, sempre depois das 18h. “Esse horário facilita a vida de quem trabalha”, elogia ele.
“Quem investe em prevenção evita complicações como insuficiência renal, cegueira, infarto e AVC, cujo custo a pagar é bem mais alto: possibilidade de sequelas ou mortes precoces”, alerta a Dra. Aparecida.
OS FATOS
De acordo com o Ministério da Saúde, a proporção de mortes de homens por 100 mil habitantes em comparação com a morte de mulheres é de:
• Doenças das vias respiratórias inferiores (traqueia e brônquios)
24 homens contra 16 mulheres
24 homens contra 16 mulheres
• Acidentes de transporte terrestre
32 homens contra 7 mulheres
• Suicídio
7 homens contra 2 mulheres
• Diabete
19 homens contra 24 mulheres
• Tumores malignos
85 homens contra 70 mulheres
• Doença cardíaca isquêmica
54 homens contra 38 mulheres
O Inquérito de Saúde de base populacional em Campinas (2008/2009), realizado pelo Departamento de Medicina Preventiva e Social, da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp, verificou o seguinte entre homens (mais de 10 anos até mais de 60 anos):
• Acima do peso 45,6%
• Sedentarismo 51,5%
• Dor nas costas 25,4%
• Alergia 25,1%
• Fumantes 19,6%
• Alcoolismo 12,9%
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