Sempre que termina uma eleição, as pessoas se assustam com os números da abstenção e dos votos brancos e nulos. E não só os cidadãos comuns que ficam confusos, pois jornalistas e até políticos com muitos anos de estrada se espantam.
Este ano, no dia 3 de outubro, não compareceram às seções eleitorais 24,6 milhões de eleitores, pouco mais que 18% dos inscritos. No dia 31, quando aconteceu o segundo turno, a abstenção subiu para 21,5% e mais de 29 milhões de pessoas não votou.
No primeiro turno, outros 7,1% anularam o voto ou votaram em branco. No segundo, a taxa caiu um pouco, ficando em 5,3%.
Na legislação e em nossa tradição de estudos eleitorais, chamamos de alienação eleitoral a soma de abstenção e voto não-nominal. É como se não ir votar, deixar o voto em branco ou anulá-lo tivessem um denominador comum: através de qualquer um desses comportamentos, o eleitor renuncia ao seu direito de participar do processo eleitoral. E, ao fazê-lo, transfere a outros seu privilégio como cidadão.
Agregando os três elementos, tivemos uma alienação parecida nos dois turnos este ano: 25,2%, no primeiro, e 26,8% no segundo. Entre os dois turnos, a abstenção subiu, mas caíram os brancos e nulos, e a alienação aumentou apenas um pouco.
Com isso, quase exatamente um quarto do eleitorado brasileiro não votou nos candidatos a presidente. Uma em cada quatro pessoas obrigadas a votar não escolheu um nome.
Embora esses resultados tenham surpreendido muita gente, eles não são anormais em nossa experiência recente. Em 2006, no primeiro turno, a alienação foi de 25,1%, e ficou igual no segundo. Em 2002, 28,1% no primeiro e 26,5% no segundo.
Nas duas eleições dominadas pelo Plano Real, os números haviam sido diferentes. Em 1998, 40,2% dos eleitores não votou em candidato a presidente, mais que em 1994, quando 36,6% fez o mesmo.
O recorde de votos válidos sobre o total de eleitores foi alcançado no primeiro turno da eleição de 1989. Naquele 15 de novembro, a alienação foi de apenas 18,3%, menor que a registrada no segundo turno, que foi de 20,2%. Mas ambas mais baixas que as observadas de 2002 para cá.
Se fossemos contar uma história da alienação nas nossas eleições pós-redemocratização, teríamos um primeiro capítulo de intensa participação, quando, em 1989, mais de 81% dos eleitores compareceu e votou em alguém para presidente. No capítulo seguinte, tivemos duas eleições inteiramente dominadas por uma agenda quase apolítica, que motivaram menos e que pouco mobilizaram o eleitorado.
Nas três realizadas sob a égide de Lula, a alienação aumentou em relação àquela que ele próprio havia disputado com Collor, mas caiu em contraste com as vencidas por Fernando Henrique. De 2002 em diante, ela se estabilizou no patamar em que esteve agora.
É curioso comparar o resultado observado nas urnas este ano com o que diziam os eleitores nas pesquisas. Em agosto, por exemplo, a Vox Populi perguntou se o entrevistado votaria ou não, se o voto não fosse obrigatório.
No conjunto do país, 74% das pessoas disse que iria votar ainda que o voto fosse opcional, com 23% afirmando que não e 3% dizendo que não sabia. Olhando o tamanho da alienação, percebe-se que os 25% que ela alcançou são quase idênticos à proporção que afirmava, na pesquisa, que não votaria se não fosse obrigada.
O que esses números permitem ver é que a obrigatoriedade do voto não significa que ele seja universal no Brasil. Seja por razões motivacionais, seja pela existência de obstáculos ao exercício do voto, decorrentes de nossa realidade social e geográfica, uma importante parcela da sociedade simplesmente não vai votar ou, indo, não vota em candidatos a presidente (para não falar nos outros cargos, em que a escolha é mais difícil).
A discussão a respeito da obrigatoriedade do voto é complicada, mas precisa acontecer. Quem sabe agora, quando todos voltam a concordar com a urgência de uma ampla reforma política.
Marcos Coimbra, sociólogo e presidente do Instituto Vox Populi
P4R4 4J6D4R B4ST4 CL1K4R N0 AN6NC10 Q63 T3 4GR4D4R
Nenhum comentário:
Postar um comentário