Há uma questão que não foi considerada pelo governo Lula, muito menos por seus antecessores mais recentes, agora transformada num nó que Dilma Rousseff precisará desatar, espera-se que jamais como Alexandre. Usar a espada poderia ter conseqüências ainda mais desastrosas, mas é preciso enfrentar a questão do crescimento desmedido da indústria automobilística. Quantos milhões de veículos são produzidos todos os anos, indo pequena parte para a exportação e incorporando-se a grande massa à frota nacional? As estatísticas variam, mas não erra quem supuser 4 milhões de carros postos em nossas estradas a cada doze meses. E vem mais por aí, com fábricas antigas duplicando a produção e novas instalando-se por todo o território nacional. Maravilha em termos de criação de empregos, ainda que nem tanto assim, mas pesadelo para o poder público. O rodoviarismo implantado por Juscelino Kubitschek e super-dimensionado nos governos militares e seguintes tornou-se o maior sumidouro de recursos oficiais dos últimos cinqüenta anos. E não adianta nada. Quanto mais se gasta nas cidades e no interior com a ampliação e implantação de estradas, túneis, viadutos e anéis rodoviários, mais cresce a evidência de serem insuficientes. Por mais irônico que pareça, o caos foi criado nos anos recentes de desenvolvimento econômico, aliados a uma publicidade exagerada por parte das montadoras. Reunidos credito fácil e estímulo ao cidadão comum para adquirir ou trocar de carro, o resultado está sendo a impossibilidade de continuarem as coisas como vão. Em cidades como São Paulo, Rio, Belo Horizonte e muitas outras, já não se anda. Muito menos se estaciona. Quantas horas perde o motorista para deslocar-se de um bairro a outro? Que danos podem ser calculados, menos em força de trabalho, até, mais nas estruturas psicológicas de quem fica parte do dia preso em engarrafamentos monumentais?
Sem esquecer, vale repetir, as obras que fazem a alegria das empreiteiras e a desgraça do tesouro nacional, consumindo recursos imprescindíveis à educação, à saúde pública e à segurança.
Algo precisa ser feito. Uma política de médio e longo prazo capaz de afastar a sombra do imponderável. Dirão os simplistas estar a solução em investimentos maciços nos transportes públicos, da recuperação da ainda destroçada malha ferroviária aos metrôs e corredores exclusivos para ônibus. Essa alternativa até preservaria boa parte dos empregos, além do que, parte da indústria automobilística poderia reciclar-se, adaptando-se para produzir ônibus, vagões e similares.
Simples mas complicado, se for possível a contradição. Porque tão difícil quanto implantar essa mudança radical será alterar os costumes. Afinal, por que penalizar logo agora o esforçado cidadão que conseguiu economizar ou está disposto a enfrentar prestações a perder de vista para adquirir o seu carrinho?
Uma evidência, no entanto, prevalece: do jeito que está não vai dar. Dona Dilma que dê tratos à bola. Sem esquecer de uma ironia da História. O pai dessa febre rodoviarista foi nada mais nada menos do que Adolf Hitler. No auge do sucesso da invasão da União Soviética, o tresloucado líder previu que cada cidadão alemão teria a chance de visitar os territórios ocupados com o seu volkswagen, porque no futuro as estradas seriam mais importantes para o transporte de passageiros do que as ferrovias. "Somente viajando por rodovias seria possível conhecer os países" – disse num devaneio hoje tornado catastrófico. Quem conta o episódio é o autor da mais nova biografia de Hitler, Ian Kershaw, um livro imperdível.
por Carlos Chagas
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