Dilma receberá a faixa presidencial em condições melhores do que muitos de seus antecessores. Vai recebê-la de mãos amigas.



 


Parece pouco, mas nem sempre foi assim. Recue-se, por oportuno, ano ano da graça de 1985.  

 

O repórter Alexandre Garcia, então na TV Manchete, foi à Granja do Torto, a residência oficial que serve de abrigo temporário para Dilma.

 

Encontrou, sentado próximo à lareira, o general João Figueiredo, último presidente da era em que, sob ditadura, o Planalto vestiu farda.

 

Em vias de deixar o poder, Figueiredo recebeu o visitante de tênis e agasalho esportivo.

 

Trancado em seus rancores, o presidente que saía concordara em abrir-se numa entrevista de despedida.

 

Parecia desconfortável. Mexia-se na poltrona. Tremiam-lhe os braços e as pernas. A conversa escorreu aos trancos.

 

Depois de arrancar de Figueiredo os ressentimentos que lhe roíam a alma, pediu ao entrevistado que dirigisse algumas palavras ao "brasileiro médio, do povo, povão".

 

E o general: "Bem, o povo, o povão que poderá me escutar será, talvez, os 70% de brasileiros que estão apoiando o Tancredo..."

 

"...Então, desejo que eles tenham razão, que o doutor Tancredo  consiga fazer um bom governo pra eles. E que me esqueçam".

 

Tancredo Neves prevalecera contra Paulo Maluf, sem os votos do PT, no colégio eleitoral. Os micróbios e a imperícia médica o impediram de tomar posse.

 

E Figueiredo, dias depois da derradeira entrevista, sairia pelas portas dos fundos do Planalto. Recusou-se a entregar a faixa a José Sarney, o vice que virou titular.

 

Fernando Collor, o sucessor de Sarney, não teve a oportunidade de sair do Planalto. Foi arrancado da cadeira pelo impeachment.

 

Sobreveio Itamar Franco. Hoje, derrama-se em críticas a FHC. Mas, na sua hora de entregar a faixa, repassou-a a mãos que lhe pareciam amigas.

 

FHC presenteou o oposicionista Lula com uma transição civilizada. Na transmissão do cargo, Lula disse ao antecessor: "Você deixa aqui um amigo". Hoje, não se falam.

 

Antítese de Figueiredo, Lula estabeleceu com a Presidência um caso de amor. Nunca antes na história desse país um presidente exerceu o cargo com tanto gosto.

 

Ainda apaixonado, Lula convive com sensações ambíguas. Num instante, jura que vai "desencarnar". Noutro, declara que correrá o país, fará política, costurará reformas.

 

Nesta sexta (31), a poucas horas da separação compulsória, Lula despediu-se dos funcionários do Planalto. Como de hábito, discursou.

 

Entre risos, fez uma piada que dá ideia do drama que o assedia: Se Dilma "vacilar, eu saio correndo..."

 

"...Quero ver ela correr atrás de mim na Esplanada, atrás daquela faixa. Por isso é que eu me preparei fisicamente..."

 

"...Ela disse que parou de andar, então ela vai estar menos preparada do que eu, fisicamente".

 

Ao deixar o Planalto pela penúltima vez –a última será na transmissão do cargo—abaixou o vidro escuro do carro oficial.

 

Acenou para as pessoas que estavam defronte do prédio. Era como se quisesse beber o prestígio que amealhou até a última gota.

 

Dilma deve à glória do ex-chefe sua eleição. A mesma glória que vai persegui-la nas noites de poder, como uma espécie de fantasma da ópera.

 

Nos lábios de Dilma, as palavras ditas por Lula a FHC –"Você deixa aqui uma amiga"— soariam mais adequadas do que há oito anos.

 

Resta agora saber se a veneração que Dilma devota a Lula resistirá ao tempo que separa 2011 de 2014.

 

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por Josias de Souza

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